Capítulo Sete:

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Genevieve soube que um dos motivos principais para o pai não se importar com o lugar onde as agredia, era também pela humilhação e pela luta que elas deveriam travar ao tentar cobrir os hematomas do rosto com camadas e mais camadas de pó de arroz. Mas o que ele não tinha idéia era de que o esforço das garotas era o mínimo disso. Nas manhãs após a agressão era comum, que Genevieve encontrasse nos olhos da irmã olheiras profundas de lágrimas e uma noite mal dormida, além de caretas de dor e ela tinha conciencia de que sua propia aparência deveria espelhar a dela, apesar da diferença na coloração dos olhos. Os de Guinevere eram castanhos como chocolate quente enquanto os de Genevieve eram cinzentos como uma tempestade de gelo, mas as diferenças acabavam por aí. Ambos os pais já haviam saído para trabalhar, a mãe até tarde no jornal local, e o pai na fábrica de alimentos. Esse emprego já salvou a família de tantos apuros, mas isso não lhe dava o direito de tratar as mulheres da casa como gato e sapato. Após vestirem as roupas adequadas como uniforme da Academia de Moças, as duas ecoavam seus cabelos de modo que caíssem volumosos pelas costas, a fim de esconder os possíveis hematomas que a gola não conseguia cobrir. E então como reforço, as duas enrolavam exarpes leves e coloridas, em torno dos pescoços, amarrando as com um charme despreocupado que poderia se passar por tendência, numa cidade como Paris. Saíram de casa as 8, levando as bolsas nos braços por puro hábito. Seus saltos escalavam conforme caminhavam pelas ruas. Uma delas as levariam ao centro, e até a Academia. A outra levaria a caminhos desconhecidos e comércios do subúrbio, lugares nada confiáveis para duas moças andarem sozinhas. Genevieve e Guinevere trocaram apenas um olhar. E então seguirem em frente, pelo caminho da esquerda, sem olhar para trás.

Os passeios durante o dia letivo, eram quase sempre silenciosos. Poucas palavras tocadas enquanto Genevieve e Guinevere, alimentavam pássaros, com grãos de milho assaltados da dispensa. Elas quase nunca precisavam conversar, durante esse Dias Sombrios, o unico conforto era terem seus braços colados, unidos como se fossem apenas uma. O sol estava se pondo sob o céu, em tons de laranja e azul, quando um barulho atraiu os olhares de Guinevere e Genevieve ao mesmo tempo. A alguns arbustos de distância, o rapaz apessoado que Guinevere estava interessada, cuidava do arbusto com sua tesoura de jardineiro. Genevieve viu o reflexo involuntário da irmã, estendendo os dedos para o hematoma arroxeado em seu pescoço, que ela tentava esconder com o cabelo loiro.
Genevieve percebeu que a irmã estava trêmula, e não demorou para que a primeira lagrima caísse em seu vestido.
- Tudo bem, me dê isso - Genevieve recolheu o que restava de milho em seu saquinho e o despejou em seu própio, fechando o e guardando o - Vamos sair daqui - disse ela, acariciando as costas da irmã.
Guinevere se encolheu ainda mais sob os chales e sob o cabelo, como se desejasse se encolher até desaparecer de vista. Guinevere também se encolheu visivelmente e abraçando as costas da irmã, as duas deixaram o parque, tão silenciosas e discretas como sombras, enquanto o rapaz atrás delas, cantava.

Ainda faltavam vários minutos até que as atividades letivas da Academia fossem concluídas e os jovens liberados. Genevieve e Guinevere não poderiam ir para casa e correr o risco de encontrar outro alguém a quem elas gostariam de poder fugir. Não havia muita escolha a não ser continuar caminhando, por entre lojas e comércios da avenida principal, as duas moças espremidas uma contra a outra.
Guinevere parara de chorar, mas seu rosto quase tocava o chão de tristeza.
- Ele não a viu -- Genevieve garantiu
- Eu não me importo.
- Você estava chorando.
- Eu estava pensando - rebateu a irmã, com amargura na voz - Quando eu olhei para ele... eu pensei nas minhas chances de alguma vez encontrar felicidade para a minha vida - Genevieve esperou por sua pausa - Casando me com um bom rapaz. Cuidando de crianças de cabelos claros. Um lar. Felicidade, entende?
- Você vai encontra lá
Genevieve garantiu.
- Você parece muito certa.
- Por que sei que é verdade - Ela disse - Você conseguirá encontra lá. E eu também. E até lá... Vamos ficar juntas - Genevieve apertou ainda mais o braço de Guinevere para reforçar a idéia.
A irmã lhe fitou, diretamente nos olhos, com rosto inexpressivo. Então se curvou e plantou um beijo na bochecha da irmã.
- Não sei o que seria de mim sem você, Genny - Genevieve sorriu a menção do apelido com que Guinevere a chamava quando eram crianças.
As duas irmãs andaram até o fim da estrada, até que algo lhes chamasse a atenção, de Guinevere principalmente.
- Confeitaria - a irmã suspirou apaixonada pelos mais variados bolos e doces da vitrine.
- Não me lembrei de pegar algum dinheiro... - Genevieve lamentou
- Você não - Guinevere disse com malícia, piscando um olho para a irmã, que sorriu - Espere aqui, que eu volto num minuto com alguns doces - e Guinevere empurrou a porta da confeitaria, com um tintilar de sino.
Fazia tempos desde que Genevieve não saboreava algo doce, em sua vida feita de amarguras, e ela sabia de que isso faria bem a Guinevere, e a sua queda por tortas recheadas com morangos e glace. Genevieve observou a irmã, conversando com o padeiro por um momento, antes de ouvir um assovio atrás de si, algo lento e proveitoso.
Atraída pelo som, ela virou se para se deparar com a rua, totalmente vazia. Todos deviam estar à trabalho, em suas academias, já que a confeitaria era a única loja da rua.
Com um arrepio de mau pressentimento, Genevieve virou novamente para a vitrine olhando para a irmã ainda escolhendo uma das tortas, com a ajuda do padeiro. Repentinamente, Genevieve pensou em dar algumas batidas na vidraça para sinalizar a irmã que não demorasse muito, e já tinha fechado o punho para fazê lo, quando uma ventania muito forte levantou seus cabelos, ao mesmo tempo em que uma mão cobriu sua boca e incapaz de gritar, Genevieve desapareceu rapidamente, deixando a rua outra vez, vazia.

Anjos de Sangue: OrigensUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum