– Teve muitas expulsões no jogo?

Meu pai não se interessava e nem entendia absolutamente nada de futebol (o que explica o fato dele pensar que tinha um árbitro apitando nosso treino), mas apesar disso, fingia gostar só para me agradar. Sempre fui muito grata por isso, mas não hoje. Hoje seu "interesse" me obrigaria a responder suas perguntas. Me obrigaria dizer que a partir de agora ele teria de voltar a pagar meu colégio, e que eu havia fracassado mais uma vez.

– Amanda?

– Eu fui expulsa – disse finalmente. – Do time.

– Do time? – perguntou um pouco surpreso.

– É.

– Por quê?

– Eu não entendi muito bem... – disse com sinceridade. – Acho que o treinador não quer mais um time misto. Só isso.

Ele começou a fazer o que sempre fazia em seus momentos de reflexão: alisou o bigode com os dedos. Bigode que o deixava 383 anos mais velho do que ele realmente era (apesar de não ter nenhum fio branco sequer perdido nos fios castanhos), e que contrastava com sua fisionomia cansada (aquela que toda boa pessoa de humanas tem).

– Se quiser me colocar em um colégio público eu vou entender, ok?

– Hã? – perguntou confuso.

– Se eu não estou mais no time, eu não tenho mais a bolsa de estudos, pai – esclareci.

– Ah, é verdade... Não estava esperando por isso – pensou em um sussurro.

Eu entendia sua reação, afinal ele passou um ano sem se preocupar em pagar meu colégio por conta da minha bolsa. Acredito que aqueles foram os melhores meses da sua conta bancária desde que eu nasci.

– Não vou te tirar do colégio. Eu trabalho e ganho bem para poder te dar uma educação boa – disse com um sorriso confortador, fazendo com que suas sobrancelhas se elevassem um pouco (como sempre acontecia quando ele sorria daquele jeito). – Não se preocupe com isso.

– Certo...

- Você está bem? – ele pousou uma de suas mãos na minha – Quer que eu vá conversar com o diretor?

- Estou. Não precisa falar com ninguém – disse forçando um sorriso animado e me levantando da cadeira. – Agora eu vou subir para o meu quarto. Vou dormir um pouco.

Ele ponderou por alguns minutos. Sabia que eu não estava bem, porém não queria me forçar a falar sobre algo que eu não estava a fim, pelo menos não agora que era recente. Então ele mudou de assunto:

– Não se esqueça de que hoje é a festa de despedida da Fernanda...

...A mãe de Gabriel e Pedro, meus melhores amigos antes mesmo de eu aprender a falar.

Fernanda iria viajar durante um mês e meio para a casa dos pais, no interior de São Paulo. E, como sempre, ela usou isso como pretexto para fazer uma festa. Ela sempre arranjava motivos para fazer festas.

– Não esqueci – disse dando de ombros e me virando para subir as escadas que levavam até o andar de cima. – Vou pro quarto.

Passei pelo nosso corredorzinho e subi cinco degraus da escada, mas parei. Devo ter ficado assim, na metade do caminho, por 3 segundo, porém na minha cabeça se passaram horas. Me virei de repente e desci as escadas de novo, caminhando até a cozinha, sentindo minha garganta arder como se eu tivesse engolido uma bola de fogo.

Pensei que não falar sobre o assunto por enquanto iria me ajudar, mas desde que saí do campo da escola eu sentia literalmente a minha garganta se fechando dolorosamente e gradativamente. Eu precisava falar sobre aquilo, sim. Eu não estava bem. Estava com tanta raiva...

NOVEMBROWhere stories live. Discover now