Um cabo olhou para o outro com sorriso malicioso: "Babacsa! Não sabem onde estão se metendo" -, disse o mais ranzinza tentando esconder sua dor no braço.

O outro revirou os olhos como quem estivesse cansado de tudo. Silvério percebera o movimento deles. Havia algo de errado naquilo tudo. Resolveu armar um esquema:

"Deixem-me por último, quero fazer uma oração a essa pobre alma que aqui está" -, disse o padre se referindo ao cadáver de Samantha.

Tais palavras entraram nos ouvidos de Adam como um corte de faca afiada a ponto de despertar novamente suas lágrimas e um choro convulsivo.

Silvério se compadeceu. Tudo parecia um grande pesadelo. As horas pareciam não passar e aquilo não acabava nunca.

"Vamos terminar com isso. Eu subo primeiro" -, disse o ranzinza segurando a corda para subir. Num ato de desespero André pareceu despertar do seu mundo voou sobre o soldado com a corda.

O ranzinza caiu batendo novamente seu ombro machucado contra a parede deixando escapar um xingamento: "viado!".

"Não aguento mais. Tirem-me daqui!" -, dizia histericamente o moço puxando a corda e sapateando aos berros afeminados.

Ele não fazia de propósito. Era o instinto de sobrevivência de um covarde não querendo morrer. Queria sair daquele lugar fechado o quanto antes. Não conseguiria mais sobreviver ali por mais nenhum segundo.

Brenda e Juciney puxaram a corda. André estava tão fraco que a perdeu duas vezes. Na última teve o 'insight' de amarrá-la na cintura e só assim conseguiu ser içado pelos jovens.

Já fora do poço não conteve o choro e beijou o chão entre lágrimas e risos. Parecia que se distanciava um pouco mais da zona de morte.

Na sequência do resgate, a corda baixou e Padre Silvério ajeitou Letícia. A jovem parecia ser obstinada. Olhou para Adam do alto enquanto subia como uma mãe que sai de viagem deixando o filho na estação com a metade de seu coração partido em suas mãos.

Silvério tomou o seu lugar. Enquanto era salva, o padre abraçou o rapaz e o acolheu. Adam estava tão fora de si que quase sufocava o padre com o seu abraço esmagador. Seu queixo quase perfurava a jugular do padre diante o aperto.

Enquanto a corda voltava do resgate de Letícia os soldados trocaram gestos delicados e quase imperceptíveis com o olhar e mãos. Silvério percebeu novamente olhando de soslaio e tentando não ser descoberto na sua desconfiança.

"Sua vez, padre" -, disse o soldado ranzinza ao padre.

"Não. Fico com o cadáver para fazer as despedidas corretas" -, insistiu o padre. "Mas, faça uma boa ação meus jovens, subam vocês levando este rapaz" -, disse se referindo a Adam.

O ranzinza olhou para os cabelos de Adam com nojo. Nele tinha sangue do cadáver, mas resolveu cumprir o pedido do padre.

"Ajuda-me aqui, meu braço está machucado" -, disse ao outro soldado. Assim que o ranzinza abraçou Adam, o outro soldado passou a corda por baixo dos braços de ambos e tentou dar um nó.

Enquanto amarrava os dois para o resgate, o soldado mais calmo deixou revelar o coldre com um '38' na cintura.

Agora Silvério entendia os olhares entre eles. Iam deixar que aqueles se considerassem salvos para depois atirá-los novamente no buraco. No ímpeto de garantir a escapada de todos.

"Muita covardia!" -, pensou. Aproximou-se sorrateiramente do soldado e soltou a voz: "Não vou deixar que acabe com a vida deles" -, disse esticando a mão para pegar a arma.

Contratos VeladosWhere stories live. Discover now