Capítulo 2

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― Filha, está me ouvindo?

Mas apenas um aceno singelo com a cabeça foi dado em resposta.

― Então não está com fome?

Novamente o aceno, dessa vez, uma negativa silenciosa.

― Tudo bem. ― Dora suspirou vencida. ― Se precisar estou aqui ao lado.

E fechou a porta, sabendo que a filha não responderia. Ela encarava uma parede vazia fixamente há pelo menos uma hora.

Na nona e última vida, indo contra suas naturezas anteriores, finalmente...

A raça que tinha a chance de alcançar máxima evolução. E diferente de todas as encarnações anteriores, uma fêmea.

Uma humana.

O nome que Dora Ourak e Christoper Ourak escolheram para ela foi Kamelya.

Kamelya Ourak.

E desde os quatro anos, encarava uma bateria interminável de testes médicos, dos mais simples aos mais difíceis, embora não houvesse a existência de um em que tivesse falhado.

Kamelya era apenas uma criança, mas muito longe disso, ao mesmo tempo. Ela era o conjunto de nove vidas em uma só... Era a alma no último estágio de evolução daquele mundo.

A mais bem sucedida.

Mesmo que fosse necessário a perda do coração, dos sentimentos e de tudo que ela mais queria ter. Que mais almejava. Mesmo assim.

Kamelya não podia simplesmente escolher abdicar ou não de todas aquelas coisas. Assim como não escolheu nascer daquela maneira.

Fazendo todos os móveis da sala hospitalar levitarem, além da equipe de médicos e a própria mãe, Dora.

Absolutamente ninguém no mundo foi capaz de explicar como um bebê recém-nascido fez aquilo, muito menos a própria. A única coisa que Kamelya sabia é que vivia em uma base secreta desde então.

Ela, a mãe e o pai tinham se tornado reféns do governo, não podiam sequer comer sem autorização. A falsa sensação de liberdade dentro da enorme base militar trazia os piores pesadelos para Dora, que fora contra todas as probabilidades, abraçando a filha como ela era e aos poucos, se tornando a única não afetada pelos acessos de descontrole de Kamelya.

Com quatro anos de idade, ela demonstrava muito mais do que ser capaz de levitar coisas. Ela levitava toneladas. Fazia trezentos soldados simplesmente voarem sem o mínimo de esforço.

Foi quando aconteceu. Quando botou os pés pequenos naquela minúscula sala inteirinha coberta por um material diamantado. Não havia algo ali que Kamelya pudesse levitar e para os melhores cientistas envolvidos em seu caso, era impossível que seus poderes ultrapassassem a enorme parede de cimento sólido que deveria medir dez metros de grossura.

Na parede espelhada, a imagem de uma vaca, que estava além daquela parede, foi mostrada.

― Kamelya... Pode me ouvir?

Um aceno silencioso dizia que sim.

― Consegue ver a vaquinha?

Outro aceno.

― Então... Acha que consegue... Fazer ela dormir?

Dessa vez, uma negativa.

― Não? Por que não?

― Longe.

― Tente querida. Olhe a imagem... Pense na vaquinha... Pense que chegou a hora de ela dormir...

Nove Vidas - (COMPLETO)Where stories live. Discover now