Batalha no canavial

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Silvério suava frio. Nunca em sua vida de líder religioso passou por um episódio de medo e tensão tão grande como dessa vez. Fantasia ou realidade, já estava enlouquecendo com o barulho da cana se mexendo: "Senhor, a ti entrego a minha vida. Fazei-me instrumento de vossa vontade".

Silvério olhava pela vidraça lateral e via a cana mexer. Olhava do outro, a mesma coisa. Tinha a impressão de estar sendo acuado como um animal se tornando uma presa fácil.

Era na frente, atrás, de um lado ou do outro, era cana se mexendo brutamente. Não havia vento. Não podia ser real o movimento. Decidiu firmar a atenção para frente e acelerar o carro. Ajeitou o retrovisor e avistou uma sombra ao longe atravessando a pista: "Parecem bichos!" -, pensou Silvério.

O padre olhou para a espingarda depositada no banco do carona. Nunca pensou em usar aquilo de verdade. Na realidade, nem sabia como agir. Desde que saiu do seminário jamais matou uma viva alma e nem pretendia. Se arrependia das mortes dos pássaros que matara à estilingue e carregava em suas costas.

Fosse o que fosse aquilo, jamais atiraria. Agiria somente para espantar e defender. Só queria estar vivo ao nascer do sol para presenciar os sinos de sua paróquia balançando novamente.

Pensar na sua igreja e nos seus seguidores lhe transmitiam mais paz e autoconfiança. Lembrou-se dos batizados que realizaria em breve. Foi pensando na troca da pia batismal por uma nova que ouviu algo cair sobre o capô do carro. O susto foi tão grande que seus braços amoleceram e o carro entrou por entre as canas descendo ruas erradas.

Optou por manter o carro sacolejando para aquilo que caiu lá em cima perder o controle e sair. Silvério procurou manter a calma mesmo dirigindo como um louco. Era um homem racional com decisões certas em situações novas. A sua frieza era impressionante quando queria isolar-se dos sentimentos.

Notou que estava andando no caminho contrário que vinha. Estava voltando para o sítio na direção que estava tomando. Notou que chegou num ponto em que via ao longe a mata fechada. Alguns quilômetros e algumas horas a mais estaria de volta ao ponto de partida. Não queria isso: "Preciso da minha igreja" -, obstinou.

Jogou o carro na rua abaixo das canas com tamanha brutalidade que viu aquela coisa voar para o meio do mato.

O alienígena não desistiu de tentar pegá-lo. Ia saltando com agilidade para cada vez mais perto do carro numa velocidade impressionante. Realmente sobre-humano! Silvério já sentia o suor escorrer-lhe à roupa que estava encharcada. Admitia através disso que estava com mais medo do que podia reconhecer.

Mais adiante percebeu o canavial mexendo constantemente. Acelerou e tentou passar por ali o mais rápido possível. Quando se aproximou, uma matilha de extraterrestres surgiu à sua frente. Eram em muitos. Silvério não pensou duas vezes; atirou o carro em cima atropelando um dos bichos menos esperto. Os demais começaram persegui-lo ao lado carro. Batiam as mãos alongadas de três dedos sobre o carro fazendo um horrível barulho na lataria. Pareciam hostis. Estavam conseguindo assustá-lo. Silvério olhava para a espingarda tentando regular o seu desejo de usá-la e acabar com aquilo por ali mesmo: "Senhor, afasta de mim esse cálice!".

Será que eles sabiam do perigo de uma arma de fogo. Talvez tivessem algo até mais evoluído que os terráqueos.


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"Atenção para a lista de falecidos após a nuvem de 'gás letal' ter invadido a cidade: Iranice Gomes Prado, Ivete Justino, Lúcio Ferreira, Anderson Alves de Toledo, Joaquim..." -, Jandira desligou o rádio: "Palhaçada, ele está aqui comigo". Ali, a enfermeira teve certeza que a melhor coisa a ter feito foi fugir daquele hospital com o irmão.

Contratos VeladosWhere stories live. Discover now