CAPÍTULO FINAL - 32

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PARTE 51

3 meses, duas semanas e 4 dias. Foi exatamente esse tempo (segundo minha mãe, os laudos médicos não eram tão precisos) que fiquei em estado de coma naquela cama de hospital.

Os médicos já haviam desistido a semanas atrás mas aparentemente minha mãe insistiu em me manter vivo por mais alguns dias e, milagrosamente eu voltei. É! Exatamente assim do nada.
Levantei da cama com muita dificuldade e, sem forças para caminhar, fui ao banheiro pela primeira vez depois de tirar a sonda sozinho e sem orientação médica. Olhei no espelho e quase não me reconhecia mais; a barba crescida, o semblante emagrecido.

Após de alguns dias em observação, e ainda sem nenhuma resposta sobre minha “súbita volta à vida”, fui liberado e levado para uma 2ª prisão domiciliar: a casa dos meus pais.
Depois de pressionar emocionalmente uma das empregadas da casa, que me conhecia desde criança, consegui um notebook clandestino fora dos olhares de minha mãe para me inteirar sobre o que acontecerá nos meses passados.

Antes mesmo que eu pudesse checar minha caixa de e-mails minha mãe entrou no quarto sem me dar a chance de conseguir esconder o computador.

— Está tudo bem meu filho, imaginei que uma hora ou outra você ia querer saber algo sobre aquela moça. — fechei o notebook e o coloquei no criado mudo ao lado da cama e, logo a vi se aproximar de mim com um papel nas mãos. — Ela deixou isto pra você.
— Ela? Sarah? Ela foi ao hospital me ver?
— Sim, algumas vezes no início, depois todos perderam as esperanças de que você fosse acordar. — me entregou o papel e logo saiu do quarto sem dizer mais nada.
Era uma carta, aparentemente uma despedida que ela imaginou que jamais seria lida.

“Caro Doutor Anthony Leroy Johnson,
Já reescrevi esta carta milhares de vezes, ensopei o papel derramando lágrimas e estou com as palavras presas em minha própria garganta.
Queria poder estar sentada no café da esquina, tomando o chá de sempre e contando todas as piadas sem graça que eu costumo contar, porque sei que vai dar risada.
Se passaram meses, Anthony. E juro que me mantive firme no princípio, mas aos poucos as forças iam sumindo, e chegar no hospital todos os dias pra te ver deitado na mesma cama, no mesmo estado já estava matando aos poucos.
Queria que tivesse sido eu, que a bala tivesse me atingido e que hoje fosse você aqui, escrevendo esta carta porque sei que sua capacidade de lidar com isso seria de uma maturidade imensa, a qual eu sinceramente não tenho.
Eu sinto tanto, por não ter tido a oportunidade de entrar na sua vida mais profundamente, de não ter devastado seu mundo e feito todas as coisas que eu sempre tive vontade. Sinto por não ter lhe beijado enlouquecidamente e lhe feito perder o real sentido da existência. Sinto por não ter dito, que talvez, hipoteticamente falando, eu seja completamente apaixonada por você.
Mas decidi, depois de muito pensar, que não posso mais lhe ver assim. Aceitei uma bolsa de estudos e estou indo estudar em Londres, mesmo sabendo que por ser sua cidade favorita irei me lembrar de você o tempo inteiro.
Eu seria completamente hipócrita se dissesse que bem la no fundo eu não estou esperando que assim, de repente, la em Londres no meio de uma avenida você apareça do nada, e corra pra me abraçar dizendo que está tudo bem. Mas sei que isso jamais passará de uma ilusão.
Assim como pensar que irá algum dia ler oque escrevi, mas me sinto um pouco melhor de estar lhe “contando” isto tudo antes de partir, mesmo que dessa forma.
Eu amo você, Anthony. E por mais que a dor da sua partida esteja me consumindo, jamais me negarei ao prazer de dizer que te amei, e que te amo com toda minha alma.
Vejo você um dia, Doutor.
Com amor, Sarah Jones.”

Terminei de ler com os olhos totalmente inundados, e com o sorriso mais largo e sincero que já esbocei em toda minha vida. Arrumei forças depois de longos minutos pra gritar:
— Mãããããããããe!! — a vi entrar no quarto com total desespero estampado na cara.

— Sozinho ou acompanhado, autorizado pelo médico ou não. Além da certeza de que iremos morrer um dia tenho mais uma afirmação a fazer neste momento.

— E qual seria meu filho?

— Eu estou indo para Londres.

Café, insônia, mistério e... anatomia?Where stories live. Discover now