Conte Sobre Suas Contas

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Acho que nunca fiz isso aqui no Wattpad, mas esse capítulo vai pra GabisLimaMonteiro, que pediu pra que eu explicasse a história do colar da Katie ser amarrado no pulso. Desculpe por nunca ter contado, jurava que tinha dito em Conte Suas Contas, mas não disse. Essa one não estava no cronograma, mas foi um pedido, então, enjoy it!

Uma coisa que poucas pessoas falavam era sobre a clara hierarquia no Acampamento. Quando novos campistas chegavam eram presenteados com seu colar de contas, e quanto mais contas seu colar tivesse, mais autoridade você tinha sobre os outros campistas. Você podia ter 15 anos, se sua irmãzinha de apenas 8 tinha 4 contas e você apenas uma, era melhor obedecê-la. Sua idade passava a ser contada a partir do momento que entrava no acampamento, e se era um campista de ano inteiro, era um bônus e tanto para o seu currículo.
Quanto mais contas, mais respeitado você era e mais pessoas vinham até você perguntar o que elas significavam. E perguntar quantos anos você tinha quando as ganhou. E pergunta o que você fazia no acampamento desde tão jovem.
E te lembrar de que não era bem vindo em casa, ou que nem mesmo tinha casa. Que seus parentes mortais não te queriam, que você sequer lembra de seus rostos. Lembrar a você os monstros que lutou sozinho, lembrar que aquelas contas mostravam quantas coisas você passou sem que ninguém soubesse. Sem que ninguém se importasse.
As contas no seu pescoço eram, pra muitos, uma forma de mostrar a quantos desafios conseguiram sobreviver, mas para Katie, era uma lembrança de quantos anos se passaram desde que ela descobriu que não era querida pelo seu próprio pai.
Ela não queria algo assim estampado com orgulho sobre sua camiseta.
O Acampamento era seu lar, ela amava a família que havia adquirido ali, mas muitos dos campistas jovens não tinham a sensibilidade de evitar perguntas sobre os anos que antecederam sua reclamação. Ela sabia que não podia culpa-los, geralmente estavam tão animados que mal se tocavam da expressão triste no rosto da veterana. Para evitar o constrangimento, Katie passou a usar seu colar como bracelete.
Eram tantas contas, um arco-iris de bolinhas de argila, chegava a pesar em seu pescoço. Quando começou a usar no braço, a maioria das pessoas parou de reparar no número de contas, campistas novos imaginavam que ela era como eles, e os velhos já haviam aprendido que as histórias dos jovens ali nem sempre eram aventuras divertidas.
Travis estava lá quando Katie chegou, escoltada por um pássaro esquisito. Ele lembra de estar sentado, vendo os campistas subindo no telhado do chalé de Deméter e resgatando a pequena garota. Ele lembra dela deitar num colchonete ao seu lado no chalé e do olhar apavorado que tinha para Quíron. Ele lembra de como ela ficou sozinha no Ano Novo e como foi a única que o viu ser reclamado. Se fechasse os olhos ainda sentiria os lábios pequenos tocando timidamente sua bochecha. Ele lembrava de como ela chorou quando sua irmã morreu, de quando assumiu o cargo de conselheira e de quando ele próprio se tornou um também. Lembrava de ter enchido seu telhado de coelhinhos e de quando a deixou sozinha para visitar sua mãe. Ele conseguia lembrar de cada um dos momentos horríveis que passaram, dos caça a bandeira e das batalhas que travaram, fosse costas contra costas ou espada contra espada.
Ele ainda sentia cada um dos tapas que recebeu, mas também cada um dos beijos que roubou.
Ele entendia quando Katie dizia que não gostava de contar a história de como fugiu de casa, pois ele próprio não teve uma experiência muito positiva ao ser abandonando no acampamento, por isso amarrou seu colar no pulso também.
Ele adorava exibir suas contas, e mostrando para os campistas que seu colar estava no pulso, talvez isso fizesse com que notassem o colar de Katie. E a questionassem.
E talvez um dia, assim como ele, ela começasse a agradecer pela experiência horrível de quando era nova e veio sozinha ao acampamento. Porque, apesar de ter sido traumatizante, ele agradece aos deuses de que esteve com ela em cada uma de suas contas.
E é disso que ele lembra quando olha para o colar de Katie.
De como, assim como naquele ano, eles recebiam suas contas, olhavam um para o outro através do refeitório e ela lhe sorria triste, sabendo que ele via em seu olhar o que pensava, enquanto Travis só conseguia imaginar o quão sortudos eram por ter, por mais um ano, um ao outro.

TratieWhere stories live. Discover now