Caro diário,
Hoje a noite ouvimos galopes de cavalo e ficamos todos à espreita.
Os homens se muniram de armas e todas nós mulheres nos escondemos com medo de alguma revolta dos quilombos. Mas não era nada disso, apenas um cavalo solitário, todo manchado de sangue.
Estamos certos de que a pessoa que o cavalgava está muito machucado, mas a chuva cai forte e a escuridão nos impede de ver quem pode ser...
Mesmo assim, João saiu com alguns empregados. Levaram tochas e cães.
Mas o que eu não posso negar, caro diário, é o que sinto no meu peito... Desde que ouvi esses primeiros galopes, algo apertou meu coração e eu quase gritei pelo nome de Eunésio.
Já faz mais de uma hora que eles saíram e ninguém tem notícias... Maria Inês prepara um chá ao lado de Eulália, enquanto Isabel dorme ao meu lado...
O candeeiro está fraco, carente de mais óleo, e por enquanto, escuto o barulho da chuva e as sombras do meu tinteiro na parede do quarto...
Será que estou certa, caro diário? Será que os rastros de sangue pertencem a meu príncipe negro?
Um dia de Fevereiro de 1887,
Estela de Albuquerque.
Tia Lurdinha surgiu de repente, dando um baita susto em Fernanda.
– Vejo que ainda está lendo esses diários?
Ela disfarçou o susto:
– Esse é o último, tia.
– Mesmo? Então não quero interrompê-la. Só vim te avisar que o almoço está quase pronto.
– Ah, que delícia, estou faminta.
As duas caminharam para o pátio. Rita lee tocava na vitrola, enquanto Nicolas salgava as carnes e Frank cortava os pedacinhos de queijos.
Sentaram-se ao redor da mesa de madeira, com o janelão aberto. De pouco em pouco, Nicolas trazia pedacinhos de queijo coalho, pão de alho e carnes...
Fernanda sequer tocou no assunto de Romeu, e a tia preferiu não se meter.
Depois do almoço, Fernanda se isolou em seu quarto. Estava curiosa para saber o que tinha acontecido com Estela e os rastros de sangue...
Deitou-se na cama e sorriu ao ouvir uma mensagem de Patrick!
Como vai a minha menina mulher? Estou com saudades... Os lobos estão agitados à sua procura... como está tudo por aí?
Fernanda se sentou para responder:
Também estou com saudades... tá tudo ótimo, ainda estamos na casa da minha tia Lurdinha. Devemos ficar até amanhã, e então vamos para a praia... você não consegue vir para o final de semana? Seria legal ter você pertinho...
Ele respondeu, imediatamente:
Ah, minha querida... é uma pena, mas justamente no final de semana que o proprietário da terra que estou cuidando vai estar aqui.
Fernanda desligou o telefone, satisfeita. Era com Patrick que ela queria estar. Ainda que tivesse muito tesão por Romeu, o que eles tinham não se comparava à calma e serenidade dessa nova relação.
Sexo era uma coisa muito importante, mas podia ser lapidada com o tempo. Suspirou profundamente e abriu o diário, ansiosa...
...
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Ser Humano Atemporal
RomanceDuas histórias separadas pelos séculos. Duas mulheres unidas pelo mesmo sangue. Em comum, o sentimento humano, que ultrapassa as barreiras do tempo, e é capaz de realizar as mais profundas transformações...