Entre o verde e o azul

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Assim que o dia raiou, Fernanda abriu os olhos, assustada. Sonhou que estava fazendo amor com uma pessoa completamente desconhecida. Apesar de não reconhecer o homem, sentiu-se apegada a seu corpo e a seu cheiro. Estranhou, pois não era Romeu, era um homem branco, com aspecto europeu...

Aos poucos, foi se lembrando do sonho e também, que Frank estava no quarto ao lado. Abriu um sorriso para Panda, e pulou da cama.

– Vamos acordar o Frank?

Panda pulava e lambia, como se compreendesse.

Bateu na porta e como ele não respondeu, decidiu entrar. Uma fina luz entrava pela fresta da janela, enquanto Frank roncava no décimo sono. Panda passeou com suas patas pesadas sob o piso de madeira e Frank abriu os olhos. Fernanda se sentou na beirada da cama:

– Bom dia, dorminhoco.

Frank emergiu de seu mundo dos sonhos e abriu um sorriso ao vê-los.

– Bom dia! Olha quem veio me acordar.

– Nossa, você dormiu muito! Deve estar faminto...

– Pode apostar!

– Então vamos comer! Não imagina a mesa que te espera...

Os três caminharam alegremente até a copa. Assim como todos os dias, Sandra tinha caprichado, e a mesa do café estava recheada de frutas, pães e bolos...

Frank olhou, surpreendido:

– Honestamente, Fernanda? Assim não vou embora nunca mais.

Ela deu uma risada alta e colocou as mãos sobre o braço de Frank:

– Essa é a ideia, meu querido. Quero você aqui comigo!

Ele abriu um largo sorriso, enquanto observava o verde das matas contrastando com azul do céu. Passarinhos se aproximavam querendo bicar alguma fruta, e ele teve a sensação de que essas cores revelavam a alma do Brasil...

Fernanda estava alegre, brincalhona, fazendo cócegas em seu lobo, e Frank pensou em tudo que passaram juntos, e nas guinadas surpreendentes que a vida era capaz de dar. Apesar de tudo, ela estava plena, tranquila. Olhou para ela, sorrindo:

– Você está feliz aqui, né?

– Por mais estranho que isso pareça, Frank. Estou em paz, sabe? Não vejo a hora de começar a trabalhar, tenho tantos planos...

– Pode começar a me contar. Estou curioso.

Fernanda subiu no batente da janela como se fosse uma menina. Colocou as pernas para fora da janela e acendeu um cigarro. Frank balançou a cabeça como quem repreende seu gesto:

– Você ainda não largou essa merda?

Ela lhe mostrou a língua e acendeu o cigarro:

– Posso falar?

Ele balançou a cabeça, concordando e ela prosseguiu:

– A princípio quero conhecer esse projeto de agro florestas. Essa semana, vamos conhecer esse Holandês que trabalha com isso. Me parece que é um investimento de pelo menos 5 anos, mas tudo bem. Tenho todo o tempo do mundo.

– Mas do que se trata?

– Basicamente, é uma nova maneira de lidar com a terra e com a agricultura. Ao invés de massacrar a terra, com as monoculturas que só desgastam o solo, esse cara descobriu uma forma de repetir o processo da própria natureza, através de podas constantes e da cultura de diversos tipos de alimentos...

– Uau. Isso me parece muito interessante.

Fernanda apagou o cigarro e se sentou de novo na bancada ao lado dele e explicou tudo que tinha aprendido em seus estudos pessoais. Logo depois do café, saíram para caminhar, e Fernanda o levou para o tour da fazenda. Entraram na senzala, percorreram o terreiro de café, visitaram a pequena capela e as ruínas das casas de colonos italianos, que viveram e trabalharam depois da abolição da escravatura.

– Isso aqui é história pura, Frank

– Você se refere àqueles diários. Não é?

– Sim...

– Um dia eu gostaria de saber sobre o que falam...

– Você vai saber! Estou tão feliz por você estar aqui!

Caminharam cerca de quarenta minutos e depois se aproximaram das obras da piscina. Seu Alfredo terminava os acabamentos das pedras e os dois conversaram um pouco.

Frank ainda não entendia uma palavra do que eles falavam, mas sentiu pela alegria de Fernanda, que a piscina ficaria pronta logo.

Dentro de seu coração existia algo estranho... Frank não sabia se eram as cores, o cheiro, ou simplesmente o fato de estar em um lugar de natureza, próximo de Fernanda. Algo muito forte o tocou desde sua chegada.

Os dois subiram até o terraço, sentaram-se nas redes e Fernanda abriu um espumante. Frank brindou com Fernanda:

– Muito obrigado por me receber aqui.

Ela secou as lágrimas que escorriam de seus olhos.

– E eu devo tudo a minha querida Estela. Sem ela, não estaríamos aqui, juntos...Um brinde para você, minha linda!

Frank sabia que havia algo muito profundo unindo essas duas... O que quer que fosse, era especial. Fernanda havia se tornado uma pessoa mais humana, e isso era o que realmente importava...

...

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