Ser Humano Atemporal

O vôo

 O dia amanheceu ensolarado, bem diferente da madrugada. Fernanda sorriu ao ver um bilhete de Patrick:

Bom dia, minha linda! Volto para almoçarmos juntos.

A janela tinha adormecido aberta e a luz do sol batia nos galhos da figueira. Panda dormia de forma silenciosa no tapete e Fernanda sentiu vontade de abraçá-lo.

Levantou-se, abraçou o amigo, que abriu os olhos marejados e lambeu sua mão.

– Vamos ver nossos lobinhos?

Os passos de Panda estavam mais lentos que o costume:

– O que você tem hoje, lobo imundo? Dormiu mal?

Fernanda abriu a porta e os quatro lobos, agora adolescentes, correram para fora do quarto, e pularam em sua direção. Abriu a porta da sala e os cinco animais correram pelo gramado, seguidos por Panda.

Rolavam, corriam, lambiam... Era tão bom ver os bichos soltos.

Panda estava eufórico, corria para lá e para cá, e de repente, deu um salto alto, e caiu no chão, inerte. Fernanda arregalou os olhos, surpresa.

– Panda?

Ela correu para afagá-lo, mas o cachorro estava completamente mole, sem reação.

Amarildo, que já descia com seu balde para a ordenha, voltou ao escutar os gritos de Fernanda.

– O que houve?

Ao ver Fernanda, chorando, desesperada, com o pastor alemão em seus braços, compreendeu:

– Minha nossa senhora, o Panda morreu...

Fernanda ficou o embalando por alguns instantes, até Sandra surgir ao seu lado. A empregada colocou a mão no ombro da patroa e permaneceu em silencio, deixando lágrimas caírem de seus olhos.

O marido fez sinal para ela ir avisar os outros e ela obedeceu.

Saiu correndo pelo corredor do casarão, quase tropeçando no altar da santa. Lágrimas e tristeza apertavam seu coração, e quase se esquecia, de que Panda era seu cachorro, e não da patroa.

Sandra surgiu aos berros:

– Seu Frank! Seu Nicolas!

Frank abriu a porta, assustado.

– O que houve?

– O Panda morreu. Dona Fernanda está lá, desesperada.

Frank, de cueca samba canção, mal se vestiu e saiu às pressas atrás de Sandra. Ao ver a cena começou a chorar também, e Fernanda o olhou, incrédula:

– Por quê, Frank? Por quê?

Ele se aproximou da amiga e a abraçou:

– Não sei, minha querida. Vem aqui.

Fernanda não queria soltar o cachorro.

– Não entendo, ele estava ótimo.

– Esses coisas são assim...

Nicolas também se aproximou:

– Oh, minha mana, que duro, esse cara vai fazer tanta falta...

Fernanda alisava os pelos espessos do pastor alemão, lembrando-se do primeiro grande susto que ele lhe deu quando se conheceram... depois disso, tornaram-se grandes companheiros, e ela sabia, que sem ele não teria conseguido permanecer sozinha naquela fazenda.

Uma suave brisa tocou seus cabelos e também os pelos de Panda. Fernanda chorava sem acreditar, e um misto de desespero e calma percorreram seu corpo.

– Pelo menos sei que ele foi muito feliz...

Nicolas se agachou ao lado da irmã e também alisou os pelos de Panda:

– Claro que foi, Fe. Fique tranquila quanto a isso. O Panda foi muito amado.

Fernanda olhou para trás e Sandra segurava as lágrimas, encostada no pé de jabuticaba. Fernanda esticou as mãos, chamando por ela:

– Vem aqui?

A empregada obedeceu.

– Ele era seu, Sandra. Obrigada por ter sido tão gentil em deixá-lo ser um pouco meu também...

– Imagina, dona Fernanda. A senhora cuidou tanto dele.

– Mesmo assim, obrigada.

Fernanda se levantou e abraçou a empregada e as duas choraram juntas.

– Quero enterrá-lo debaixo da figueira, Sandra. O que você acha?

– Está bem, dona Fernanda. Por mim...

Fernanda olhou tudo ao redor. Em meio ao corpo sem vida de Panda, quatro lobinhos corriam livres e felizes. Como a vida podia ser tão irônica? Será que ele tinha esperado os lobos crescerem para então partir? Daquele jeito tão especial? Sim, porque Panda não tinha simplesmente morrido, ele voou... um último voo rumo a uma nova experiência...

Fernanda fechou os olhos e pensou em Patrick. Quando os abriu, o viu se aproximar montado em seu cavalo. O semblante sério e a sensação de que estava ao lado dos seus. Sentiu-se amparada, afinal, dor compartilhada, não era a mesma dor...

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