As Asas

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Fiquei olhando para ele como uma boba e tinha certeza que ele já tinha notado que eu não estava ali apenas pelo calor do fogo. E isso não era nada surpreendente já que eu era extremamente transparente.

– Você não vai dormir também? – perguntou ele colocando o violão de lado.

– Ainda não estou com sono! – respondi esfregando os braços por causa do frio.

– Eu também não! – e sorriu com os olhos. – Mas não está com medo de ficar sozinha comigo aqui fora?

– Teria ficado se isso tivesse acontecido antes de te conhecer direito – falei dando uma gargalhada talvez exagerada demais.

– Me julgou tão mal assim quando me conheceu?

– Um pouquinho, mas também você quase me atropelou com a sua mochila quando entrou no ônibus! – disse com outra gargalhada e definitivamente eu estava nervosa. – Mas e você o que achou de mim quando me conheceu? – esse era o tipo de pergunta que me assustava, eu tinha medo que ele dissesse o que eu ouvia de todo mundo: que eu parecia metida e superficial.

– Eu não faço pré-julgamentos... Digamos que sou paciente.

– Sério? Você é de que planeta? Todo mundo tem uma primeira impressão de todo mundo.

– Eu não! – Ele se aproximou sentando-se ao meu lado. – Talvez eu não seja como todo mundo.

Senti um calafrio e um arrepio fez os pelos do meu braço se eriçarem.

– Vou te contar uma história que meu avô contava quando eu era criança – continuou ele enquanto sua boca soprava a neblina quente de volta no ar. – Havia um fazendeiro muito rico que morava em uma grande casa cercada por uma varanda majestosa. Todos os dias um pássaro muito raro ia até sua varanda e fazia seu ninho com pequenos gravetos. O fazendeiro ao ver o ninho o destruía com os pés tendo o cuidado de desfazê-lo por completo. O que você me diria desse homem?

– Que ele era mal, um homem cruel – respondi sem precisar pensar.

– Continuando a história: O fazendeiro e o pássaro ficaram nesse impasse por semanas até que um dia o fazendeiro acordou e o ninho não estava mais lá, porém ao olhar para o alto da maior árvore que havia em seu quintal, ele avistou o pássaro e viu em seu ninho dois ovinhos pequenos, então ele sorriu e disse: – Parabéns amiguinho, agora os cachorros não irão mais comer os seus ovos – ele pausou novamente. – E agora, o que você acharia desse homem?

– Que ele é um homem bom.

– Viu? Por isso eu não julgo ninguém. Porque nunca sabemos a história toda à primeira vista.

– Quantos anos você tem? – perguntei ainda admirada. As pessoas não falavam mais assim, a não ser que estivessem em um filme ou gravando um comercial para alguma campanha beneficente.

– Vinte e cinco, mas isso importa? – perguntou com um sorriso iluminado, mas com certeza me achando uma idiota.

– Na verdade não importa não! – respondi ainda o observando. Eu não era muito boa com as palavras e sempre acabava falando alguma besteira ou algo sem nexo

– Então o que acha de me contar sua história? Sou um ótimo ouvinte – disse erguendo uma das sobrancelhas.

– Não sei se deveria – Ele não parecia ser o tipo de cara que ouviria minhas lamúrias e que faria algum elogio idiota no final, ele parecia mais do tipo que não hesitaria em me achar idiota.

– Às vezes é mais fácil se abrir com um estranho do que com alguém conhecido. Você deveria experimentar.

– Mas você não entenderia... – respondi desviando o olhar.

O Colecionador de BorboletasWhere stories live. Discover now