A mulher de neve e gelo

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Eu podia escutar minha respiração e até vê-la com as nuvens de ar que se formavam. Minhas mãos estavam muito frias e meus olhos pesavam. Eu me encolhia envolta pela pequena toalha. A dor em minha lombar havia sumido por completo, não só devido ao tratamento de Ryan, mas também por dormência. Eu olhava ao redor esperando por ele, sendo um ponto escuro entre a neve, a mochila dele ao meu lado e com os restos de meu uniforme sobre as pernas, a calça rasgada deixava o frio entrar com mais facilidade.
Ryan busca por galhos combustíveis na floresta e talvez um abrigo em uma caverna. Eu aguardava, pois andava tão devagar que o atrapalhava. Havíamos discutido sobre descansar, eu querendo continuar a viajem e ele a atrasando. Eu sabia ser o motivo daquilo e não gostava nem um pouco, estava retardando nossa chegada e prejudicando a investigação dele. Não conseguia entender o porque de ele permitir que uma estranha o fizesse, mas não havia como me manter firme por muito tempo, minhas pernas haviam praticamente congelado.
Eu tentei me concentrar e acender fogo, mas tudo o que conseguia era esquentar as mãos. Ryan se decepcionaria se retornasse apenas com galhos e morreríamos congelados, ou ao menos eu morreria.
O frio se tornou tão extremo que minha consciência começou a escapar e tudo a embaçar, apesar de ser difícil distinguir algo em todo aquele branco. Antes de a noite baixar sobre mim vi uma mancha negra surgir na neve e se aproximar.

"Você sabe o que é?"
Aquela voz me era nova. E dessa vez não me vi em meio a escuridão e sim ao branco. Branco como a neve. Parecia ser a mesma floresta fria em que estava, mas eu não sentia frio, nem a dor na lombar. Eu vi uma mulher em meio a aquilo tudo. Ela era linda em roupas brancas da mesma cor que seus cabelos, pedras enfeitando os fios e ornamentando os tecidos da cor de de seus olhos da mesma cor que os meus. Ela se aproximou.
"Já faz muito tempo que você não me procura."
"Quem é você?"
Ela se confundia com a propria neve.
"Eu sou você."
Ela se desfez como se tivesse sublimado e então surgiu à minha diagonal como se estivesse ali o tempo inteiro.
"Você me chamou, enfim."
"Não me lembro de chamar ninguém."
"Mas eu estou sempre com você, porém nunca me olhou."
"O que é você?"
Entendi que essa era a pergunta certa a se fazer.
"Eu sou seu poder. Seu verdadeiro poder."
"Mas você... meu poder é o fogo."
"Não. Por que acha que ele o rejeita tanto? Somos opostos. Ele entra em conflito com o que você realmente é."
"Neve?"
"Não."
"Então o que? Está me dizendo que o fogo que eu crio não é meu inscius?"
"Sim. Eu sou seu inscius."

Abri meus olhos escutando o chamado de Ryan, mas não era o meu nome que ele chamava. Ele estava com o rosto bem próximo ao meu, expressando uma preocupação exarcebada.
- Achei que você estivesse morta! Está mais fria que a neve e perdeu toda a cor. Até os seus cílios estão congelados. Nem sei como conseguiu abrir os olhos. Por Ethne! Achei que tinha te perdido!
- Estou bem.
Minha voz saiu tão natural, tão normal que estranhei minha saúde. Ryan suspirou aliviado, deve ter achado que eu tinba mesmo morrido. Como ele iria explicar a morte de uma recruta sob seus cuidados?
- Venha, encontrei um abrigo. Você consegue se levantar?
Me ergui com facilidade e ele se surpreendeu. Ele pegou minha mão e resetou um pouco.
- Está ainda mais fria. Como pode?
Ele tocou meu rosto e se aproximou mais, me olhando bem nos olhos.
- Parece que você é um bloco de gelo e está sem sangue ou cor, mas está tão bem assim? A morte está mais distante de você agora do que quando a conheci.
Eu sorri me afastando dele.
- O que é isso? Esta dizendo que eu virei um morto vivo? Ou que eu pareço estar morta?
A expressão dele se mantinha séria.
- Não. Está... - ele pigarreou - mais bonita que antes, mas... de um jeito estranho.
Fiquei calada por tempo demais.
- Agora está me elogiando? Pensa que vou deixar você ganhar aquela aposta só com isso? Eu vou ter um deus nas minhas mãos, estou dizendo!
- Tudo bem, se consegue brincar assim então deve estar mesmo bem. Vamos pegar essas coisas e ir logo para o abrigo.
Ele pegou a mochila e me guiou entre a neve até uma caverna que devia ficar escondida atrás de uma cachoeira em tempos mais quentes. Eu já não sentia frio algum. Quando Ryan me pediu para acender a fogueira eu não consegui, depois de diversas tentativas ele me disse para deixar aquilo de lado e quando me deitei ele se deitou ao meu lado, deixando nossos ombros se encostarem, o calor dele passava para mim, mas eu não senti mais frio.

Cidade de Magia - Contos de EspinhosWhere stories live. Discover now