Epílogo

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Antes de ir de encontro a Lúcifer, despedi-me do meu pai, alegando que tiraria alguns dias de férias, que tudo o que havia me acontecido alguns meses antes, havia sido demais para mim, e eu já não suportava mais. Ele não aceitou, a princípio, mas eu consegui contorná-lo. Assim que me despedi dele e também de Heloíse, Hector me levou para o lago no parque que havíamos passeado meses antes. Demorou um longo tempo até que eu finalmente consegui atravessar a barreira que me levaria ao Inferno. Estranhamente, dessa vez não havia pessoas se deteriorando tentando impedir minha passagem, foi uma travessia calma e apaziguante, quase como se realmente me quisessem por lá. Assim que atravessamos, fomos para o mesmo portal, no qual havia um guardião muito amigo de Hector, que nos deixou passar sem cobrar nada em troca. Assim que passamos pelo guardião, chegamos ao castelo. O ambiente estava muito diferente, as pessoas -demônios e humanos- sorriam juntos e pareciam trabalhar em perfeita harmonia, como se fossem velhos conhecidos, não havia dor ou desespero, apenas pessoas que, de alguma forma, encaixaram-se ali, no Inferno.

— Para onde vamos? — Perguntei a Hector.

— Vou levá-la até seu pai. Ele quer muito vê-la.

Respirei fundo e o segui para dentro daquele enorme lugar, o qual não havia mudado praticamente nada: ainda existia a ampla porta de entrada com guardas, o grande pátio de gramado e a escada de mármore que me levaria para dentro do castelo. Era incrivelmente belo, todos usavam roupas elegantes e possuíam perfumes maravilhosos. Senti um vento frio bagunçar meus cabelos no instante em que comecei a subir a escada de mármore negro. O que me surpreendeu foram as pessoas que por ela desciam: todas, isso mesmo, todas elas me cumprimentaram com uma espécie de saudação, e eu me senti muito constrangida, sem saber o que dizer.

— Hum... Hector, por que...

— Apenas sorria, Leãozinho. Você é a nova atração daqui.

— Mas... eles sabem quem eu sou?

Hector apenas sorriu, então, a porta do castelo foi aberta, revelando o enorme salão de baile de que eu me lembrava da outra vida. A primeira coisa que notei, ao entrar no cômodo, foi um amplo e chamativo quadro com uma moldura extremamente sofisticada, pendurado à parede, e nesse quadro, havia uma jovem com longos cabelos cacheados e castanhos, cujos olhos eram incrivelmente brilhantes e profundos. O vestido negro de baile destacava-se em sua pele clara e os lábios rosados davam-lhe um ar de inocência. Era uma cópia muito bem feita de mim. E era lindo.

— Quem dentre nós não saberia quem é você? — Hector comentou, provavelmente observando meu espanto. — Você salvou a todos nós de Devon, é nossa heroína, Susana.

— Mas...

Eu não soube o que responder, tudo o que consegui fazer foi encarar aquele quadro.

— Susana. — Ouvi uma voz forte me chamar.

De algum modo, eu sabia que era ele. Eu sabia que era Lúcifer. Virei-me calmamente e o vi. A princípio, tive medo, pois ele era muito parecido com Lisa, tinha os mesmos cabelos louros e o mesmos lábios bem delineados. No entanto, seus olhos não eram tão claros como os dela, eram mais escuros, como os de Enrique, e tão amáveis quanto os do meu irmão, também. Aquele poderia mesmo ser Lúcifer? Ele era diferente do que eu esperava. O homem que aparentava ter uns vinte e cinco anos usava um terno muito bem passado, e tinha uma expressão serena, quase como se não desejasse transmitir medo.

— Sim? — Respondi, num tom baixo.

Lúcifer... Bem, meu pai, aproximou-se mais, parando à minha frente. Então, tocou meu rosto com o polegar. Eu não me afastei, não senti medo ou repulsa, de alguma forma, eu sabia que ele não me machucaria.

— Você se parece tanto com ela...

Deduzi que ele estivesse se referindo à minha mãe. Alexandra Bontempo. Realmente, dos três filhos, eu fui a que herdou mais os seus traços.

— Eu...

— Darei o tempo de que precisa para tomar uma decisão, se reinará ou não ao meu lado. — Explicou, calmamente. — No entanto, peço que fique conosco durante esse momento de pensar em suas decisões, gostaria de conhecê-la, já que não pude fazê-lo antes.

Eu estava confusa, havia muita coisa que eu tinha de decidir e não havia tempo para raciocinar direito, aquele momento exigiu de mim uma resposta rápida, e eu pensei que, se eu era mesmo filha de Lúcifer, era meu dever governar ao seu lado. No entanto, dever ou não, não era algo que eu realmente desejava, mas pensar que eu poderia conhecê-lo e entender o motivo da minha primeira mãe ter se apaixonado por ele, pareceu-me um bom motivo para ficar ao seu lado por algum tempo.

— Eu ficarei.

Ele respirou, aliviado, e abraçou-me, o que me pegou de surpresa. Foi um abraço longo e terno, tentei me lembrar de alguma vez que abraçara meu outro pai daquela maneira, não consegui me recordar.

— Hector mostrará seu quarto. — Disse-me ele.

— Vamos, Leãozinho.

Hector pegou minha mão com cuidado e guiou-me pela escada que havia no salão, então, já lá em cima, ao invés de atravessar o corredor, subimos outra escada, esta um pouco mais estreita, cujos degraus eram mais curtos. Quando chegamos ao topo, havia duas portas num único corredor, atravessamos metade dele para chegarmos até a segunda.

— O que tem no outro quarto?

— É a biblioteca.

— Tem uma biblioteca aqui? — Exclamei, um pouco mais entusiasmada.

— Agora, tem. Eu disse a Lulu para fazer uma para você.

Observei-o encarar a porta de madeira, sua expressão era serena, como se não tivesse segundas intenções com aquilo, ele realmente havia feito esse pedido para me agradar, de algum modo.

— Isso... isso é perfeito. Obrigada, Hector.

— Ainda bem que gostou. Espere até ver seu quarto.

Assim que o demônio de olhos brilhantes abriu a porta branca, fiquei boquiaberta com o que havia dentro dele.

— Só pode ser brincadeira...

Havia uma enorme cama com lençóis azuis e algumas almofadas claras, um baú de madeira aos pés desta. Um guarda-roupa grande e branco, cujas portas eram espelhos. Um sofá cinza estava devidamente posto embaixo de uma janela ampla de madeira, assim como uma delicada penteadeira branca servia de suporte para perfumes e colares, e o mais incrível de tudo, um piano negro destacava-se em um dos lado. Era um enorme e belo quarto.

— Que lindo... É uma pena que eu não saiba tocar. — Comentei enquanto passava os dedos pelo piano, lembrando-me de uma vez em que havia tido o prazer de ouvir Ana dedilhar seus dedos pequenos numa bela melodia.

— Eu posso ensiná-la, se quiser.

Virei-me para Hector, ele esboçava um pequeno sorriso. Seria incrível aprender a tocar, mas eu não podia dar oportunidades para deixá-lo perto de mim. Então, fui até a janela e observei o restante do castelo por ela, estava num quarto realmente alto. Fitei com curiosidade os casais passeando de mãos dadas pelo pátio, e Lúcifer conversar com alguns guardas. O Inferno era muito diferente do que eu imaginava, e tornou minhas crenças em todo o restante em completas dúvidas, eu não sabia mais que imagens criar sobre o Paraíso ou sobre aqueles que os humanos sempre haviam denominado "demônios". Eles não pareciam ser realmente maus, e eu era uma deles agora. Daquele dia em diante, eu faria parte daquele lugar.

E... estranhamente, eu me sentia em casa.


Abra os olhos, Anjo (livro 2)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora