6 - Sonho dado ao criador

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Narrado por Luca


Acordei depois do sonho que dei a Susana e levantei-me sem entusiasmo.

Eu não queria vê-la novamente sem poder tocá-la, e tinha consciência de que também não deveria criar esperança alguma dentro de mim outra vez. Mas aquela tinha de ser minha Susana! Mas o que eu faria? Como poderia fazê-la se lembrar? Eu não sabia o que fazer. Como no dia em que a perdi, vinte e um anos atrás, eu estava completamente perdido.

Por um tempo, permiti-me lembrar daquela garota que se parecia tanto com ela, no entanto, tinha de admitir que Susana Albuquerque estava longe de ser doce e delicada como era Susana Bontempo, pelo contrário, seu olhar atrevido me deixava desconcertado, olhar este que demonstrava não recear ser observada ou mesmo desafiada. Além de ser uma nefilim, claro, o que a tronava ainda mais forte e incrivelmente desaforada. Cheguei a sorrir, recordando-me da surra que havia dado em Vitor, e pensei que talvez Bontempo não tivesse tido tal atitude, mas apenas o teria xingado.

Mesmo com relutância, fui ao trabalho, admito que com a esperança de vê-la, mas ela faltou nesse dia, assim como Juliana, sua amiga nefilim. A princípio, fiquei um pouco desapontado, mas depois acabei concluindo que foi melhor assim, afinal, se eu não a visse, não pensaria nela... Contudo, estava errado. Não consegui tirar aquela Susana da minha mente por mais de cinco minutos, e de tanto pensar, cheguei à conclusão de que se ela fosse mesmo minha amada renascida, estava muito diferente. Não que Susana Bontempo não tivesse sido forte o bastante para com a vida, mas essa Susana, a Albuquerque, deixava transparecer sua força e seu espírito com muito afinco. Até cheguei a pensar que essa personalidade forte pôde ter tido influência da vida difícil que teve em seu passado.

Depois do trabalho, ao chegar na casa que havia alugado perto de uma fábrica de papel abandonada, subi até meu quarto, que ficava numa espécie de sótão, e joguei-me em minha cama. Cruzei os braços e apoiei a cabeça neles, fiquei olhando o teto, este tinha uma abertura em vidro, pela qual dava para ver o céu, não que durante o dia fosse interessante fazer isso, era extraordinário à noite, pois poder ver as estrelas do meu quarto era incrível.

Pensar nisso me fez ter uma vontade incontrolável de voar. Senti minhas costas formigarem pelo desejo. As asas de um anjo caído não ficam o tempo todo abertas, elas simplesmente crescem de nossas costas, como mágica, e a sensação é uma das melhores que podemos vivenciar; Em seguida, vem a sensação de estar apaixonado, coisa que não é muito comum quando estamos no Paraíso, já que quando nascemos, quase sempre estamos comprometidos a algum anjo cujo dom é parecido com o nosso, como eu, por exemplo, provavelmente teria de me casar com algum anjo da criatividade, caso ainda estivesse no Paraíso.

Mas eu não estava.

E talvez nunca mais pudesse estar.

Ter Susana em meus braços, senti-la outra vez e protegê-la de todo o mal que desejasse feri-la, era o meu maior desejo naquele momento, mas só de pensar em voltar ao Paraíso, meu coração se acendia novamente. Eu poderia desistir de tê-la, e rogar ao Pai uma segunda chance, ou desistir do meu lar, e fazer de tudo para que ela se lembrasse de mim. Eu estava num impasse atormentador e não sabia como sair dele. Então, depois de alguns minutos pensando, algo estranho me aconteceu, um forte sono me invadiu, e eu fui tomado pelo cansaço...

Despertei com o som de uma cachoeira.

Abri os olhos e a primeira coisa que vi foram árvores, havia muitas e em sua grande maioria, eram altas e espessas. Levantei-me e avistei a cachoeira que estava transmitindo aquele som incrível, esta era alta e com muitas rochas ao redor. Olhei à minha volta, havia uma mulher com cabelos enrolados e ruivos encostada em uma das árvores, seus olhos tinham um tom castanho esverdeado muito similar ao de Susana, porém, era mais verde do que castanho, enquanto os olhos da minha garota sempre haviam me lembrado muito duas pequenas avelãs. Ela vestia apenas uma calça branca e uma camiseta, seu cabelo tinha um tom de vermelho vivo, já o de Susana era um ruivo mais escuro e... apagado, contudo, não menos bonito.

— Qual o seu nome? — Perguntou-me a mulher que aparentava estar na casa dos trinta, mas que mesmo assim, era muito bonita.

— Luca... Quem é você? E como... como fez isso?

— Isso...? — Ela indagou.

— Como pôde me fazer sonhar? Eu sou...

— Um anjo caído.

Encarei-a.

— Sim. — Respondi.

Ela sorriu, seu sorriso era pequeno, mas sincero.

— Eu também. Sou um Anjo dos Sonhos... como você.

— Mas... Como sabe?

— Eu... morri na Terra há algum tempo, mas tive duas filhas. A mais velha não tem poder algum, mas a caçula possui um dom raro que herdou do meu pai. Então, por meio de sonhos que dei a ela, eu o vi... Vi numa das visões da minha filha.

— Você me viu?

— Sim. Eu não sei o motivo, mas... parece que você está destinado à minha filha mais velha.

— O quê?

— Mas, segundo as visões da minha menina, você não tem muito tempo.

— Não tenho tempo para quê?

— Para fazê-la se apaixonar por você. — Respondeu-me, e se aproximou.

— Não estou entendendo...

A mulher começou a chorar.

— Há alguém que quer feri-la... Você tem que salvá-la!

— Tudo bem.

Aproximei-me, mas a moça começou a se desfazer.

— Ela está vindo, tenho que ir...

— Quem está vindo?

— Eu não sei... — Disse, desesperada.

Mas então, a imagem de Susana Albuquerque tendo uma adaga fina sendo cravada em seu coração passou por minha mente. O autor de tal ato usava um manto negro com capuz, fui incapaz de reconhecê-lo.

Tudo ao meu redor começou a se desfazer, como nos sonhos criados por mim... No entanto, a imagem de Susana sendo brutalmente assassinada não saiu da minha mente, apenas continuou a me atormentar...

A última coisa de que me lembro do sonho, foi meu grito chamando seu nome com desespero.

Abra os olhos, Anjo (livro 2)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora