– Estamos terminando uma surpresa para você – respondi com a maior naturalidade que eu pude.

Nunca menti bem. Eu sempre me denunciava em meio às palavras ou histórias inventadas, mas ultimamente eu estava tendo de fazer isso com tanta frequência que algumas vezes até eu me convencia de que aquilo que eu estava falando era mesmo verdade.

– Mas que gracinha – comentou Fernanda parecendo convencida.

Depois de um tempo, Pedro apareceu dizendo que ele e Gabriel precisavam da minha ajuda.

Subi as escadas com ele, até chegar ao quarto de Gabriel. Seu quarto era o nosso QG desde que éramos crianças, por ser o mais afastado do quarto de Fernanda e Victor o que dificultava que ouvissem nossas conversas.

Gabriel estendeu o caderno para mim, já aberto. Eu o peguei depois de relutar um pouco e me sentei lentamente em sua cama enquanto Pedro montava guarda na porta.

– Leu alguma coisa?

– Não. É seu então você que tem de ler – respondeu Gabriel.

Tecnicamente não, porque o caderno não era meu, mas tudo bem.

– Acho melhor você deixar para lá... – disse Pedro estendendo a cabeça para dentro do quarto, deixando sua guarda.

– Não vou deixar para lá – eu disse rispidamente. – Pode ser algo sobre a minha mãe.

– Mas também podem ser coisas íntimas do Thomas.

– Cala a boca, Pedro, deixa de ser estraga prazer. – disse Gabriel. – Leia logo isso daí, Amanda.

Voltei a encarar o caderno.

Há muito tempo eu não sentia medo, digo, medo de verdade. Não sabia o que estava escrito ali. Poderia ser algo que revelasse o porquê de meu pai ter escondido a VHS de mim, ou poderia ser alguma outra lembrança da minha mãe, ou também poderia ser absolutamente nada. Sentia medo por essa incerteza.

– Abre isso logo – apressou Gabriel.

Abri o caderno e me deparei com uma data escrita à mão na contra capa.

1994

O ano em que eu nasci.

– O que é? – perguntou Pedro.

– É um diário – respondi passando as páginas, reconhecendo a letra do meu pai e vendo os cabeçalhos com datas nas páginas. – Ou melhor, parece ser um diário, e é do ano em que eu nasci.

Estranhei o fato de a minha voz sair tão inteligível quando meu corpo todo estava tremendo.

– Um diário do seu pai? – perguntou Gabriel.

– Sim... Do ano em que eu nasci – repeti.

Fui diretamente para a última página, e o último texto escrito ali era datado com o dia 28 de novembro de 1994, exatamente o dia em que eu vim ao mundo e minha mãe morreu.

– Vou tirar xérox do dia 28 – eu disse. – Só.

– Amanda, você pode não gostar do que está escrito aí – alertou Pedro agora entrando definitivamente no quarto, e fechando a porta atrás de si.

– Eu preciso ler. – eu disse encarando-o. – Fala do dia em que minha mãe morreu.

– Exatamente por isso você não deveria ler – insistiu.

– Eu entendo o que você está querendo dizer, mas mesmo que meu pai tenha escrito que me odiou, ou odeia, ou sei lá... Eu preciso ler. – voltei a encarar o caderno. – É sobre a minha mãe – voltei a encará-lo. – Sobre nós duas. – entreguei o caderno para Gabriel. – Liga a sua scanner e tira as cópias para mim, Gabriel.

NOVEMBROWhere stories live. Discover now