NOVEMBRO

25 - Gabriel Gostosão

– Não se esqueça de que amanhã é dia de você ser o aluno e, a fraca aqui, será a professora – ameacei, dando um soco no seu braço.

E as aulas de futebol Fernando comigo? Estavam também melhorando de verdade. O condicionamento físico dele estava bom e já havíamos começado o treinamento com bola.

– Você vai ter de chutar a bola desse jeito – chutei a bola com o peito do pé contra a parede. – E desse – chutei a bola com a lateral do pé novamente contra a parede, logo depois que ela voltou do primeiro choque com o concreto. – Entendeu? Peito do pé e lateral do pé.

Apesar de todo esse progresso, nós dobramos a carga horária das aulas e a dificuldade do treino de Fernando. O motivo? Jonathan resolveu abrir as inscrições para a peneira que escolheria o novo atacante do time do FHS para o próximo mês. Essa decisão surgiu após um comentário infeliz de Fernando durante um jantar em família, dizendo que estava cogitando a ideia de entrar no time (e Jonathan não podia simplesmente colocar Fernando no time. Precisava seguir o protocolo e fazer um teste. Por isso ele o marcou para o mais rápido possível).

Estava me esforçando ao máximo nos treinamentos dele, deixando até minhas próprias aulas um pouco de lado, afinal, ou Fernando passava nessa peneira, mostrando que sabia alguma coisa, ou eu perderia as aulas. Simples assim. Duvidava muito de que Fernando fosse continuar a me ensinar a tocar violão mesmo depois de não conseguir entrar no time do FHS.

O sangue Amargo corria em suas veias e nesse sangue só corre interesse próprio.

– Vai, vai, vai, vai, vai! – dizia para Fernando enquanto ele estava fazendo alguns exercícios de agilidade.

– Intervalo! – Fernando suplicou.

– Deixa de choramingar! – disse gesticulando um choro com as mãos. – Bebezão.

– Está falando isso porque não são as suas pernas que estão doendo de tanto correr, nem é o seu shorts que está enfiado na sua bunda por causa do suor!

Eu comecei a rir, colocando na boca o apito que eu comprei especialmente para treinar Fernando, soprando-o.

– Intervalo de cinco minutos, então – cedi.

– Não tem como você só falar em vez de apitar esse troço?

Soprei o apito novamente, enquanto balançava a cabeça negativamente. Fernando revirou os olhos e foi em direção a sua toalha e garrafa d'água que estavam em cima de um novo banco de madeira perdido no campo de futebol. Ele bebeu longos goles de água e depois despejou o resto sobre a cabeça, se secando com a toalha depois.

Fui até ele, me sentando ao seu lado.

– Acha mesmo que... Eu tenho chances de... Conseguir... Uma vaga no time? – perguntou ainda ofegante.

– Você tem três coisas ao seu favor.

– Quais? – perguntou encostando as costas e a cabeça na parede onde o banco estava colocado.

– Primeira, há algo no meio das pernas que te faz homem. Se fosse o contrário, não duraria tanto quanto eu naquele time – ele riu virando a cabeça ainda encostada na parede para me olhar. – Segunda, há algo em seu DNA que diz que você é filho do cara que treina o time que você quer entrar – eu peguei minha garrafa d'água, abri a tampa e dei longos goles antes de concluir. – E terceira, – passei as costas da mão em minha boca para tirar o acesso de água. – Você tem uma professora que vai te fazer o segundo melhor atacante do mundo.

Ele sorriu.

– E quem é o primeiro melhor atacante?

Demorei um pouco para recuperar o raciocínio, por conta do seu sorriso animado. Ele quase nunca relaxava e sorria daquele jeito.