Como eu esperava. Será que aquela médica se sentia bem perto de uma menina com cabelos negros e revirados, jogados pelo travesseiro? Será que duvidava da minha saúde com a pele pálida e as veias arroxeadas que eu ainda tinha em baixo dos olhos? Eu literalmente estava com a aparência de um demônio, por mais que eu não sabia de o porquê ele não ter me matado de vez.

Deixei o espelho tombar em minha barriga, de leve. As forças ainda falhavam. Era como se eu segurasse vento.

Eu sabia que o irmão de Arya estava nascendo naquele exato momento. Também sabia que o parto teve alguns problemas.

Sabia também, que naquelas alturas, aquele bebê estaria assassinando a própria mãe. Que ironia de Arya, achar que as coisas não iriam acontecer com ela. Pianista tem muita sorte de estar morto. As coisas seriam difíceis pra ele se ele estivesse vivo nessas épocas.

- Você sabe de mais. - Ouvi um rosnado. Eu não precisei me virar para saber que Lee estava ali. Mas o fiz, vagamente.

- Você também. - Devolvi. Eu odiava a forma que minha voz soou fraca e levemente trêmula. Aquilo era humilhante.

Ô vi dar um riso em ironia e sarcasmo.

- Sempre soubemos de mais, pequena irmã - Falou. Ele não carregava o machado daquela vez.

- Se você soubesse de mais antes, não teria se matado - Devolvi, trincando os dentes. Ele riu alto. Sua risada queria sangrar meus ouvidos.

- Eu me matei. Mas não vim sozinho. Você sabe muito bem disso, eu tenho tudo que preciso para ver todos caírem aos poucos ao meu redor - Ele ia cambaleando da parede em direção à minha maca enquanto falava, fazendo gestos com a mão no ar. Eu poderia o matar se ele estivesse vivo, tamanho ódio que o mesmo me dava.

- Own - Ele disse, parando à minha frente. Eu não o conseguia sentir, mas o via perfeitamente. - As coisas não são como queremos, Agatha - Sussurrou, entredentes, colocando o indicador em frente aos lábios - Você pode fugir, gritar, berrar e se debater. O escuro é traiçoeiro, ele te puxa mais fundo, apenas pra te ouvir berrar mais alto. - Abriu um sorriso largo e insano, e se inclinou aos poucos. Eu queria me afastar, mas não podia. Vi suas mãos indo em meu rosto, tampando meu nariz e minha boca fortemente. Arregalei os olhos, levando as mãos as dele, e tive a impressão de fechar meus dedos no osso de um cadáver.

- E então você simplesmente percebe que não há mais saídas. Você simplesmente percebe que afundou de mais, e que mais ninguém consegue te ver! - Disse. Em seguida gargalhou mais alto, apertando as mãos contra meu rosto, me fazendo grunhir, me sentindo sufocar.

E então tudo sumiu quando a porta se abriu. Uma médica olhou para dentro, enquanto eu respirava freneticamente. Ela pareceu não perceber, ou só fingiu não ter percebido.

Depois deu passagem para Arya. Eu deixei meus braços pararem à cima de meu peito, olhando ela entrar.

Lee não estava mais ali.
**

°Sam

Deixei Arya ver Agatha primeiro, até porque ela estava procurando desculpas para não ter que visitar sua mãe na maternidade.

Me sentei do lado de Logan, que me olhou, por alguns segundos, dando uma leve arrumada em uma mecha do meu cabelo que caía sobre meu rosto.

- Você não era calada assim - Falou, rindo um pouco. Eu ergui os ombros.

- Você quer o que? Essa parte da cidade está achando que tem um banco de maníacos e psicopatas soltos por ai, andam com medo de tudo, e sinceramente, eu também não ando muito diferente - Chiei. Ele me puxou mais para ele, em birra. Eu me deixei ser puxada, mesmo revirando os olhos.

- Tecnicamente é um bando de fantasmas - Corrigiu, rindo um pouco, passando o braço por meus ombros. Eu permaneci olhando para o ponto vazio à minha frente. Depois senti a mão dele em meu queixo, virando meu rosto para o dele, me fazendo olhar para seus olhos.

- Você não pode ficar desse jeito. Não pode se prender a uma coisa do presente, não sabemos o dia de amanhã, Sam. Você vai estava indo tão bem... Mas parou, e vai ficar parada até quando? - Perguntou, arqueando as sobrancelhas.

Não desviei meus olhos dele.

- Estamos na merda de um corredor de um hospital. Isso aqui cheira quase à morte. Eu já não sei se tem pessoas nos ajudando, como quer que eu finja que tudo está certo?

- Isso não importa, você está parada de mais para quem está num campo de batalha. Vai ter que se mexer se não quiser levar outra apunhalada de alguém. - Deu ênfase.

- Não me importo mais comigo. Já passei muito tempo tentando. - Respondi. Ele se retraiu de leve com minha resposta, se endireitando e tirando o braço de meus ombros.

- Vai fazer a morte de seus pais ser em vão. - Disse, me fitando com os olhos. Eu prendi a respiração.

- Se eles morreram, com certeza foi por sua causa. Vai deixar quem quer te derrubar te vencer tão fácil assim?! - Perguntou, seriamente.

Desviei os olhos, sem responder.

**
°Narrador

- Agora você pode fazer o que quer. - Taylor disse para o pequeno Pianista. Estavam no sótão da escola. Parecia tudo normal, parecia que aquele lugar não havia sido afetado.

- Obrigado. - Disse ele, olhando pela pequena janela, a escola. Por fora parecia normal. Mas lá dentro ainda se podia vestígios de sangue. Nem todos os corpos haviam saido dali. Alguns corpos ainda estavam nas salas de aula, mas provavelmente eram corpos de professores que tentavam se salvar usando a própria chave. Inútil, porém.

- Você vai atrás de Agatha? - O bebê perguntou. Tinha conseguido sair daquele lugar onde Alyce o havia colocado facilmente. Exatamente porque Taylor o podia ajudar daquela vez.

Paredes não são protegidas.

A fantasma suspirou e concordou.

- Isso parece uma guerra - Ela disse, tocando a parede de leve com uma das mãos pálidas e ósseas. - Do qual todos podem sair perdendo no fim. - Acrescentou, suavemente. Depois se virou para Júnior e repetiu o que costumava dizer:

- Imagina se as paredes pudessem falar. Quantas histórias elas não teriam para contar? - Abriu um sorriso leve depois.

Júnior olhou para o pedaço do parquinho velho que aparecia na vista dele. Um balanço ia para frente e para trás, em sinfonia e sincronização solitária. Mas o outro balanço ao seu lado estava parado.

Aos olhos de quem via, uma pequena criança estava sentada ali. Mas não tirava os pés do chão, e sua visão era mais fantasmagórica, como se estivesse fraco. Fazia o balanço ranger ao seu pequeno peso de ilusão em cima dele.

O resto da escola era vista com fantasmas perambulando, impacientes.

- A vida é uma coisa engraçada, não é? - Júnior perguntou, vagamente, sem tirar os olhos da vista embaçada pela vidraça da janela.
Alyce entrou pelo pátio. Trazia um frasco com algo vermelho, um pano negro. Depois colocou uma caixa à sua frente, e se ajoelhou ali, a abrindo. Puxou um pequeno cadáver. Era o cadáver encolhido e acinzentado de uma criança. Fraco, pois seus ossos quase cediam ao toque dela.

- Em vez de a vida deixar você viver em paz por uma única noite, ela faz você ter pesadelos. E esses pesadelos parecem maiores quando você abre os olhos, e nota que ainda respira. - Júnior dessa vez sussurrou, vendo as ações de Alyce. Parecia uma bruxaria.

Enquanto os fantasmas passavam a circular ao seu redor, abrindo sorrisos ansiosos, em uma dança macabra. Apenas os fantasmas de aura negra participavam da dança.

Como se quisessem liberdade.

Enquanto os que pareciam bondosos, se encolhiam, com medo da realidade.

Tem Alguém Ai? - Volume 3Kde žijí příběhy. Začni objevovat