Coisas boas vs Coisas ruins - Capítulo um

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Um por do sol fraco, mas mesmo assim colorido, despontava atrás das árvores à frente da casa. As cores variadas e suaves pareciam me vidrar o olhar. Talvez me colocasse mais devaneios na cabeça, talvez me salvasse da situação ao meu redor, tirando um pouco minha atenção do mundo ao meu redor.

Eu permanecia sentada, em inércia, em uma das escadas que davam para a entrada da casa de Arya. Eu conseguia ouvir os passos preocupados e intrigados dentro da casa, mas minha expressão talvez não ligasse muito. 

Ah, algum momento de paz? Algum momento de nada?
Eu estava me distanciando do mundo, estava entrando apenas nos meus problemas. Não, eu não queria mais. Por favor. Sem problemas, não preciso de mais.
Desejei poder tirar meus olhos do por do sol, mas minha mente parecia saber que talvez eu morresse sem olhar as coisas belas que eu não olhava à tanto tempo. Eu não conseguia parar de olhar.

Suspirei. Uma pequena borboleta passou à minha frente, mas não a segui com os olhos. Eu sairia do meu transe de divagações se assim o fizesse.
"Havia uma semana que a escola tinha fechado" - Eu pensava - Na verdade não estava mesmo fechada, mas não havia mais aulas. Óbvio. Depois de um massacre ali, talvez nunca mais aquela escola voltasse a abrir. 

Mas eu sabia que as pessoas estavam dispostas à tudo para conseguir o que queriam. Eu sabia que algumas delas ainda iam me pisar e rir da minha cara, mais do que já estavam.
Meus pais morreram, e eu percebia que vinha esquecendo a fisionomia deles. Seus traços não se focavam mais em minha memória. Estavam sumindo completamente. 

E as coisas ruins continuavam ali, presentes. Os passos preocupados, aflitos, ainda ecoavam.
Tirei a mão lentamente de minha bota, desviando meus dedos da borda da mesma e cruzando os braços, me encostando ao lado da base da varanda. Eu nem ao menos piscava. As luzes do sol não estavam fortes. Pareciam aconchegantes e quentes. O que será que tinha ali? Eu poderia seguir seus raios?

Não, por favor, sem problemas. Não quero mais problemas.
Minhas sobrancelhas se ergueram novamente contra minha vontade. E meus olhos não conseguiam tirar as lágrimas que insistiam ali. Mas não era por muito tempo sem piscar. Era por tudo que acontecia. 

Um nó na garganta, estava ficando difícil respirar sem ter o fôlego entrecortado.
Eu passava pelas ruas, as pessoas me olhavam, como se soubessem que eu não estava bem.
Nem ao menos sentada ali, eu tinha sossego. Talvez porque minha mente fosse meu próprio castigo enquanto eu estava sozinha, comigo e meus pensamentos.
Para onde eu queria fugir?
Não havia para onde ir. 

Meus amigos também tinham problemas, ultimamente maiores. Somos apenas adolescentes, mas não dizem que é nesta idade que mais se tem problemas?
Engoli em seco, tentando parar o choro. Os passos apressados saíram da casa, parando atrás de mim. Eu não tirei os olhos da luz do sol. Ele parecia querer chamar minha atenção.

- Hey - A voz de Arya soou mais forte do que estava nos últimos dias. Talvez ela estivesse melhor que eu. - Vamos, você quase não comeu nada hoje. - Aconselhou. Eu não me movi.

- Estou sem fome. - Respondi, baixo. A voz saiu preguiçosa. Era isso que eu queria mostrar. Triste? Não, eu não estou triste, apenas estou cansada, não se preocupe.
Arya não caia no meu papo.
Sabia que ela estava sentando do meu lado, franzindo os lábios e olhando para onde eu olhava, tentando buscar a coisa interessante que tanto me prendia.

- Olha, eu... Sei que tudo está difícil agora - Ela tentou, vagamente. Eu não a impedi. Vamos, diga seus consolos, Arya. Eu realmente preciso. - E sei que tudo parece piorar a cada segundo. - Continuou, afinal. Eu não via sua expressão. Mas sabia que estava tentando ser mais forte que eu. Verdadeiramente para me mostrar que estava comigo. E pra me mostrar que tinha mais pessoas comigo.
Balancei a cabeça pausadamente.

Tem Alguém Ai? - Volume 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora