9. A Árvore Morta

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Deslizei a camisa de volta para o meu corpo. Senti algo molhado contra meu peito. Olhei para baixo.
- Merda- reclamei, ao ver a grande mancha de sangue no tecido cinza.
Eu detestava sujar minhas camisas. Já era bem irritante ter que ficar hipnotizando o pessoal das lavanderias locais, para não estranharem as grandes marcas de "ketchup" em minhas roupas.
Suspirei e me estiquei para pegar minha jaqueta preta no banco de trás do carro.
- Acho que dessa vez, eu exagerei...- pensei alto, vendo o corpo esbelto e morto da garota estendido no banco do Volvo.
Ela jazia deitada, com os olhos verdes mirando o nada. Sangue ainda escorria de sua garganta estraçalhada, cobrindo seus seios alvos e desnudos.
Aquele ar doce desapareceu no momento em que entrei em seu carro. Quando me vi, já estava com ela em cima de mim no banco do passageiro sem me dar chance de irmos para um lugar sem testemunhas.
De certa forma foi gostoso. Essa sensação de adrenalina que me percorreu só de pensar em ser pego com uma de minhas vítimas.
Não que eu temesse alguma coisa, mas seria bem difícil ter que me livrar de mais de um corpo.
A questão era: o que eu faria com a nada doce garotinha?
Atear fogo no automóvel com ela dentro, para simular um acidente? Era uma boa opção. Pena que eu já tinha feito isso com Brittany, Jasmine e Carla. Chamaria muita atenção mais uma garota que morreu nas mesmas condições.
- Pensa, cara- murmurei, deslizando a mão por meu cabelo.
E subitamente me lembrei daqueles antigos filmes de terror, que vi quando criança.
Um sorriso se desenhou em meus lábios.

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Após vestir a garota chamada Tori Willis- achei sua carteira de motorista dentro do carro- com um enorme sobretudo. Joguei- a em um rio na localidade. As pedras em seus bolsos ajudariam o corpo a afundar mais rápido e os gases da decomposição não a fariam flutuar.
Pois é. Eu me gabava de ter sido um ótimo aluno na época do colegial.
Voltei para o Volvo prateado perto do rio. Esse seria mais difícil de afundar, pois o rio não tinha tanta profundidade nesse ponto.
Me concentrei na tarefa de limpar as janelas cobertas de sangue, no interior do carro. E livrei-me de qualquer coisa que indicasse meu "entrosamento" com a jovem senhorita Willis.
Após minha pequena faxina, dei a partida no carro e rodei com ele por alguns quilômetros na cidade noturna e silenciosa. Já era madrugada e o brilho das lâmpadas dos postes nunca pareceu tão intenso.
Avistei um homem com roupas esfarrapadas e sujas, empurrando tropegamente um carrinho de compras visivelmente roubado e cheio de quinquilharias.
Estacionei o carro à alguns metros adiante dele. Desci e o vi parar seu caminhar na calçada e ficar me encarando com uma certa desconfiança.
- Ei, meu caro amigo, o que faz nessa noite tão bonita e cheia de possibilidades?- perguntei, com um sorriso maldoso.
O homem maltrapilho me encarou de cima abaixo com um certo ar de petulância.
- Não vê que eu estou fazendo compras, moleque?- disse de maneira rude.
Fitei seu rosto e em seguida o carrinho cheio de lixo e utensílios não muito apetitosos.
- Hã... E achou alguma coisa interessante, nas suas compras? Ouvi dizer que haverá uma ótima promoção na sessão de congelados- murmurei com um ar conspiratório.
Ele se empertigou.
- Sabe de onde vem a carne dos supermercados?
Franzi o cenho.
- Não faço a mínima idéia.
- É isso que eles querem que você pense- grunhiu- Por isso sou vegetariano.
- E quem seriam... "Eles"?- questionei, notando que meu colega de calçada, era claramente maluco de pedra.
Suas mãos se apertaram mais na barra do carrinho de compras.
- Não se faça de idiota! Sabe muito bem quem são eles!- grunhiu mais um pouco.
- Ok...- cantarolei, tentando não entrar naquele papo de louco- Hoje é seu aniversário!
O homem sujo inclinou a cabeça para o lado.
- É?
- Claro que sim, meu chapa!-murmurei com empolgação- E sabe o que eu trouxe pra você?
- O quê?-arregalou os olhos, curioso.
Sorri de canto.
- Um carro novinho!
- Eu não acredito!- falou, parecendo emocionado.
- Acredite, amigo. Venha a cá- ele caminhou até mim um pouco desconfiado e trôpego. Uma garrafa de bebida envolta em papel pardo pendia em seus dedos sujos- Hum... Acho que vou lhe dar uma colônia também- disse baixo, quase engasgando com aquele cheiro nauseabundo que provinha dele.
- O quê?
- Nada, não- sorri amarelo- Então, cara... A vida é injusta e pessoas como nós precisam tomar algumas coisas para si. Veja você- apontei para seu peito, transpassando um braço por cima de seus ombros encurvados- Nessa noite fria, comemorando seu aniversário sem nenhum presente e sem amigos. Isso não é legal.
Ele concordou com um aceno de cabeça.
- Então, aqui está sua recompensa por ser um... hã... Bom cliente de supermercados!- e entreguei as chaves do carro.
- Sério?- ele parecia radiante.
- Claro que sim- murmurei- Vá em frente.
Ele destravou o alarme, abriu a porta do carro e sentou-se no banco do motorista.
- Puxa... Obrigada- o cara parecia à ponto de chorar- Valeu mesmo.
- Não há de que- dei de ombros e comecei a caminhar para longe.
- Ei!- ele gritou e parei de andar me voltando para ele- Quem é você?
Sorri cruelmente.
- Eu sou um vampiro.
Ele arregalou os olhos e sorriu em seguida.
- E eu sou o presidente do Canadá!- pela forma como disse aquilo, parecia bem convicto.
- Isso explica muita coisa- sussurrei e assenti com a cabeça, entrando no jogo de "quem é mais louco"-Aproveite o carro, senhor presidente.
- Eu vou, sim- murmurou, voltando a apreciar o carro.
- Não tenho dúvida- sussurrei para mim mesmo, caminhando para longe dali.

LAÇOS MORTAIS | Bonkai |Onde as histórias ganham vida. Descobre agora