14 - Não me provoque

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Ezequiel era um morador de rua, aparentava estar na faixa dos trinta e poucos anos, nem sempre ficava naquela praça, e não era apenas eu quem o ajudava, além dele próprio conseguir se manter com seu talento para o artesanato. Ele encontrara aqueles filhotes na semana anterior, e os abrigara, alegando que seriam seus companheiros. Senti meus olhos marejarem ao constatar o quanto ele era bondoso ao dar sua coberta para protegê-los, mesmo sem ter, ainda era capaz de ajudar os mais indefesos. Decidi que providenciaria outra manta para ele o quanto antes. Ergui os olhos e notei que Hector me observava colocar ração para os cachorrinhos, ele sorriu, o que me deixou um pouco constrangida.

— Vocês são namorados? — Perguntou-me Ezequiel, de repente.

— Ah, não... somos amigos. — Respondi, no mesmo instante em que Hector disse "Sim, somos".

Fuzilei-o com o olhar, fazendo Ezequiel rir.

— Fiz uma coisa para você, menina. — Disse-me ele, ainda sorrindo. — Espero que goste. — Deixou de lado o croissant que comia e começou a procurar algo em sua mochila, então me estendeu um filtro dos sonhos com penas azuis.

— Não precisava se preocupar... — Respondi, pegando o presente. — Mas é lindo, eu adorei. Obrigada. — Sorri.

— Não posso fazer muito mais do que isso, mas...

— Não se preocupe, Ezequiel, isso é perfeito... — Fitei seu rosto, ele estava feliz por eu ter gostado. — Tenho que ir agora, mas foi bom vê-lo.

— É sempre bom ver você, cuide-se. — Sorriu. — E obrigado.

Peguei os cachorrinhos uma última vez no colo, com uma vontade quase incontrolável de levá-los para casa, mas meu pai certamente desaprovaria. Hector e eu caminhamos de volta ao carro.

— Você o visita toda semana? — Questionou-me.

— Sim... como sabe?

— Foi só um palpite. — Deu de ombros, abrindo a porta do carona para mim. — Agora, está na hora da minha surpresa.

— Só espero não ficar muito surpresa com o que vou encontrar.

— Leãozinho, apenas relaxe... se eu quisesse fazer qualquer coisa terrível, eu faria aqui e agora, pois você não seria capaz de me impedir.

— Você não me conhece, não sabe nada sobre mim.

Hector me olhou por alguns segundos, mas foi tempo suficiente para eu poder ver um brilho de desafio em seus olhos azuis esverdeados.

— O quê? Acha que sabe...?

Ele limpou a garganta, então deu partida.

— Sei que você provavelmente está enfrentando problemas por não conseguir decidir qual carreira seguir, aposto que está em dúvida entre duas coisas não muito distintas, e olhando para você, tenho certeza de que são coisas de que gosta, mas que não rendem muito lucro... — Comentou, arqueando as sobrancelhas. — Aposto que tem problemas familiares, e acredita que nunca poderão ser solucionados... — Ele falava tudo aquilo como se estivesse absolutamente certo, o que me irritou. — Deve haver também um garoto. Ou dois. Dois caras disputando por um lugar em seu coração, que é duro como pedra. Mas você está deixando se levar, está querendo descobrir mais sobre eles... Agora, saindo desse lado sentimental e enjoativo, você gosta de ler, lê de tudo um pouco, mas prefere romance à ficção científica, e fantasia à romance... e poesias sempre a ganham. — Sorriu. — Hum, não podemos esquecer dos animais de estimação... um peixe? Não, não faz seu estilo, você é agitada demais para isso. Deve ter um cão, provavelmente uma fêmea, e ela deve ser tão avoada quanto sua dona.

Abra os olhos, Anjo (livro 2)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora