I

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Fazia um calor infernal quando as portas da escola pública em que Zayn estudava se abriram. O menino saiu esbaforido, esfregando a testa e o pescoço para enxugar o suor. Caminhou alguns metros, até que chegou ao ponto de onibus e parou. Do outro lado da rua, os colegas de turma passaram e apontaram para ele. Em seguida pararam, e cochicharam algo no ouvido uns dos outros, soltando risadas sarcásticas.

- Olha lá a bichinha! - cantarolou um deles, apontando o dedo para Zayn e rindo feito um demônio.

Na mesma hora, Zayn sentiu o rosto arder. Abraçou a pasta e desatou a correr, sob as risadas dos outros meninos, que continuavam a apontar para ele e a gritar:

- Lá vai a bichona!

- Pega, pega o veadinho!

- Ai, ai, boneca...

Zayn correu tanto que nem percebeu que disparava a caminho de casa. Somente quando viu o portão de ferro do seu jardim foi que se deu conta de que havia chegado. Apoiou a mão no portão, tentando respirar e lutando para não chorar. Por que não o deixavam em paz? Por que viviam acusando-o de algo que não era?

- Veio a pé, Zayn? - Era a voz de Doniya que vinha chegando da faculdade. - O que houve? Você está pálido.

Doniya era a irmã querida, a única que parecia realmente se importar com ele. Cinco anos mais velha, ingressara na faculdade de letras e era muito bela. Zayn correu para seus braços e desatou a chorar. Era sempre assim: os meninos da rua ou da escola implicavam com ele, e era Doniya quem sempre o defendia e consolava.

- O que lhe fizeram? - prosseguiu ela, com ar bondoso. - Foram os garotos de novo Debocharam de você?

- Ah, Doniya , não sei porquê fazem isso comigo. Não sou nada disso que eles dizem que sou!

- Sei que não, querido. E você não deveria se importar.

- Mas eu me importo. Sabe o que papai vai dizer.

- Ele não vai dizer nada. Você não precisa contar.

- Mas ele tem um jeito de adivinhar as coisas...

Era verdade. O pai de Zayn era inspetor na escola em que ele estudava, trabalhando em dois turnos para sustentar a família. Era honesto e correto, gozando de prestígio com o diretor. Não havia nada que acontecesse na escola que ele não descobrisse.

- Você acha que alguém viu e vai contar a ele? - perguntou Doniya .

- Não sei...

- Mas o que lhe fizeram desta vez? Bateram em você? Xingaram?

- Eu estava no ponto, esperando a condução. Os meninos passaram e me chamaram de bichinha, de veado... Só porque não tenho namorada...

Zayn fez um beicinho trêmulo e agarrou-se a Doniya , que acariciou e beijou seus cabelos.

- Vamos entrar. Se papai chegar e brigar com você, direi que não foi culpa sua. E não foi mesmo. Que culpa tem se os garotos implicam com você?

- Você sabe que papai vive me cobrando coisas. Só porque não quis ir ao tal bordel, não quer dizer que não sou homem.

- É claro que não! Papai é um tolo. Pensa que sair por aí deitando com qualquer vagabunda é sinal de masculinidade. Mas você não precisa ir, se não quiser. Não tem de provar nada a ninguém. Nem a ele. No dia em que conhecer uma garota legal, vai ver como as coisas mudam.

Zayn silenciou-se. Achava muito difícil conhecer uma garota legal. Quer dizer, conhecer, conhecia muitas garotas legais, mas nenhuma que o fizesse mudar. Mudar em quê ? Ele era homem, disso não tinha dúvida... Mas, então, por quê não se interessava pelas meninas? Doniya dizia-lhe que ele era muito novo e ainda não conhecera a garota certa. Mas como seria a garota certa? Loura? Morena? Alta? Baixa? Gorda? Magra? Ele não sabia. Só o que sabia era que algo dentro dele lhe dizia que jamais encontraria a garota certa, o que lhe causava imenso desgosto, um quase desespero. O que o pai faria se ele não namorasse ninguém?

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