Capítulo 14: Fazendo um pacto com o capiroto

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Só existem dois dias em que nada pode ser feito: ontem e amanhã.

— Eu me chamo Cornelius Tepes. Sejam bem-vindos à minha casa. — O filho do Conde faz indício para entrarmos. Apesar do receio, eu adentro o castelo, seguida dos três elfos.

O interior do lugar é sem dúvidas mais rebuscado do que aparenta ser o lado de fora. A sala de entrada é quente e aconchegante, eu poderia passar horas aqui admirando o tapete de seda, os lustres de cristais e todos os demais luxos —

ouso dizer que me acostumo rápido com a riqueza, mas nem tanto assim com a pobreza.

Há um quadro bem acima da lareira com três figuras pintadas. Uma é uma linda mulher de cachos dourados e bochechas coradas, que está ao lado de um menino igualmente loiro, no entanto sem qualquer vestígio de vida em seu rosto, ele é pálido feito papel. E a outra é um homem, de fios negros, um cavanhaque tosco e pálido assim como o menino.

Não demorou muito para Eulália se agitar no topo de minha cabeça, como se algo estivesse a incomodando.

— Não tenha medo. Iremos ser o mais breve que pudermos. — Cochicho para a coruja.

Cornelius subiu os degraus da imensa escadaria, com os feéricos e eu logo atrás. Acho que fiquei o observando por tempo demais, pois logo fui pega quando ele virou-se para nós.

— Iremos à ala leste, lá está o portal para o limbo. — Cornelius faz uma pausa, porém torna a caminhar novamente. — No entanto, caso esbarramos com o meu pai, nunca, em hipótese alguma, olhem diretamente em seus olhos. Klaus gosta que exerçam total submissão a ele.

— Será que ainda tenho tempo de dar meia-volta? — sussurrei.

Tenho arrepios alfinetando a minha nuca e calos velhos agarrados aos meus pés, porém só vim notá-los a pouco. A hemorragia está tomando os meus miolos, acho que é a consequência de estar vivendo em um corpo que já morreu. Tenho a sensação de que a qualquer momento despertarei de meu devaneio para enfim deixar o outro mundo de uma vez. Depois disso, não sei o que acontecerá comigo. Será que vai ser como se eu nunca tivesse existido?

— O que pretende dizer a Hécate quando a vê? — Arden cutuca o meu ombro esquerdo. Confesso que ele me pegou de surpresa. Acontece que nem eu mesma sei.

— Você não está cogitando em arrastar-se de joelhos, implorando deploravelmente a ela, está? — Aperto os passos para não praguejar a Judas.

— É evidente que não, sei o que vou dizer a ela. — E mais uma vez agradeço, a quem quer que seja, por obter a grande arte ancestral de mentir.

— Está bem. — ele dá de ombros e não faz mais perguntas.

Ainda em algum corredor da ala leste, havia uma cristaleira miúda lotada de xícaras de porcelana, mas não do tipo que estou acostumada, eram xícaras incomuns, de formas oblíquas e até mesmo engraçadas.

Lembro de minha avó, que adorava tomar chás de algumas especiarias ou plantas que insistiam em crescer perto de casa. Na verdade, suspeito que ela utilizava das ervas para esquivar a mente da droga do tabaco, e mesmo assim acabou não funcionando, já que ela morreu devido às consequências de seu vício. Ela também partiu cedo, assim como o seu filho.

Acho que tenho o histórico de perder as pessoas mais rápido do que deveria. Por isso, não costumo me despedir, apenas deixo que vão.

À medida que ando vai se tornando cada vez mais fatigante carregar a trouxa em minhas costas — seria mais do que ótimo se esse fosse o único estorvo que eu teria de levar.

Cornelius nos direcionou até um cômodo, uma sala comum se não fosse pelo imenso espelho acomodado sob o teto. E o mais estapafúrdio é que não há reflexo algum no objeto.

No amanhã de alguémWhere stories live. Discover now