Capítulo 11: Finalmente me livrei do cheiro de catinga

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Certa vez, quando estava lendo Shakespeare, captei algo que me deixou intrigada e extremamente melancólica, e dizia assim: "você diz que ama a chuva, mas você abre seu guarda-chuva quando chove. Você diz que ama o sol, mas você procura um ponto de sombra quando o sol brilha. Você diz que ama o vento, mas você fecha as janelas quando o vento sopra. É por isso que eu tenho medo. Você diz que me ama". Apesar de nunca ter tido juras de amor, tenho medo de me deixar amar e ser amada, até porque, a minha mãe dizia que tudo que fazia por mim era por amor.

Annabeth impulsionou-se em direção aos céus, tive de pregar as minhas unhas à cintura de Vênus para não despencar e espatifar-me no chão. E então o elfo, de cabelos agora tingidos, protestou:

— Sei que sou irresistível, no entanto me agarre menos, mulher.

— Parece até que está mais atrevido depois de ter pintado esses fiapos de palha que se chama de cabelo. – é difícil não o provocar. O ofender é tão natural como a necessidade que tenho de ingerir água para sobreviver. Porque é isso que é, uma necessidade.

— Não são os meus cabelos que estão podres ao ponto de ser morada para baratas e sabe sei lá quantas pestes mais. — Mordo a língua.

— Ao menos os meus são naturais, ao contrário de uns e outros.

— Oras, não se deixe abalar por ofensas tão banais, querida. Estou vendo fumaça sair de suas narinas. – Ele ri e eu, ardilosa como sou, enterro ainda mais as minhas unhas em sua pele e ouço ele arfar.

— Está louca, mortal? Eu deveria a deixar cair aqui e agora para aprender uma lição. – Vênus me olha de soslaio e percebo que eu o irritei seriamente. Reconheço que o elfo é um malandro, odioso, vulpino, larápio, sórdido e engomadinho. Mas também sei que ele não tiraria a minha vida, mesmo se pudesse, porque já teve muitas oportunidades para isso e mesmo assim não o fez. Ele não se livraria de minha presença incomparável. Pelo menos é o que eu espero.

— Está frio, não acha? – tento mudar de assunto. Contudo, ele não me responde.

O grifo nos leva até o Palácio, pousando justo na arena em que Vênus e eu tivemos o desprazer de nos enfrentarmos. Mas, para o bem o para o mal, eu saí vitoriosa e nunca me cansarei de me gabar.

— Boas lembranças, não? – digo sorrindo ao descer do animal alado, que em seguida voou acompanhada por Eulália.

— Por ora, irei deixar passar as suas incitações apenas porque a rainha quer você na sala do Conselho Real, e se possível respirando.

— Que seja. – Finjo não dar a mínima para o que ele acabara de falar, entretanto a verdade é que estou morrendo de curiosidade e medo do que está prestes a acontecer.

Por que raios Lilith quer me ver justo agora? Ela deve estar muito ocupada tentando restabelecer a paz em sua corte, organizando tropas de cavaleiros, reparando os danos causados, reunindo-se com os Conselheiros. Aonde eu me encaixo nesse meio?

— Ouvi dizer que as Bestas da Névoa deixaram rastros de corpos por onde passaram. Isso é verdade? – tomo a palavra.

— Muitos caíram... – Vênus parece querer prolongar a sua fala, mas ao tornar os seus olhos para mim ele desiste.

— Alguém que conheço? – engulo em seco.

O elfo não responde. Pelo visto não saberei de coisa alguma se depender dele.

Não demorou muito até chegarmos na sala do Conselho Real. Parece que todos os membros do conselho estão presentes. Onze figuras oblíquas ocupam os seus espaços em uma imensa mesa de mármore negra, e bem na ponta dela está a rainha Lilith. Não consigo descrever a sua feição, ela parece um livro vazio. A soberana percebe a nossa presença e nos dirige a palavra.

No amanhã de alguémWhere stories live. Discover now