Quando encaro a minha sombra vejo a minha mãe, de pele pálida e lábios rosados, pronta para me atormentar com o seu olhar amargo. De garras afiadas e rigidez atroz, ela é a única criatura que de fato me assombra. Acho que tinha olhos azuis, ou verdes, eu não me lembro mais. Parece-me tanto tempo desde a última vez que a vi, embora a sua áurea venenosa permaneça fincada em meu âmago.
Aqui está frio, mas vou ficar mais um pouco, acho que é melhor assim.
Depois de algum tempo na Guilda, Arden e eu a deixamos. Saímos de lá um pouco embriagados por uma neblina escura com um cheiro estranho, que se alojou em nossos pulmões assim que pusemos a cara para fora.
Olhamos um para o outro por um momento e exibimos o nosso sorriso mais amarelo ao mesmo tempo que gargalhamos feito gralhas. Não sei se fora efeito da névoa ou consequências dos acontecimentos passados, ou tudo isso junto e misturado. Só sei que levou um tempo até os nossos fôlegos voltarem.
— Por que bulhufas nós rimos mesmo? – ele indagou.
— Delírio, acho.
— É, faz sentido.
Estávamos subindo uma rua inclinada quando ouvi um som estridente sob nós. Ergui a minha cabeça e captei um vulto caucasiano, perfurando os céus.
Como uma mensageira da morte, ela anunciou a sua chegada novamente com um ruído estrambólico e amedrontador. Suas asas alinhadas e imponentes delinearam uma rasgadura ao alto.
— Sinta-se sortuda, não vemos uma dessas há tempos! – Arden exclamou.
— E o que é ela?
— Uma deslumbrante rasga mortalha. – Vejo as suas íris brilharem.
— É de longe uma das coisas mais lindas que já vi.
— Concordo com você. – Ele se vira para mim.
Abruptamente uma faísca elétrica emerge dos céus e atinge, agora a pobre e indefesa, rasga mortalha. O seu corpo despenca a uma altura considerável e o seu frágil torso parece ter se desmontado com o impacto da pancada. Sem pensar, corro em sua direção, afoita. Suas penas que até alguns segundos eram alvas agora estão feito carvão. O seu corpo inteiro treme pela recente descarga. Minha vontade é de tomá-la em meus braços, porém nada posso fazer no momento.
Já havia perdido as esperanças quando a coruja despertou de seu leito. Entretanto, seu semblante não é dos melhores. O sei torço ainda está abatido e não há firmeza em suas pernas. Sem pensar nos choques, a agarro com delicadeza e me volto para o elfo, que está paralisado.
— Céus! E agora? – ele fala afobado.
— Apenas me ajude. – O vejo assentir. – Agora precisamos urgentemente encontrar Foster. – Digo enquanto corro com a coruja em meus braços e Arden logo atrás.
Desejo que ela aguente firme.
Percorri todo o caminho até o Palácio o mais rápido que pude. Posso esquecer o percurso até o meu quarto, mas lembrei de todo o trajeto até o pequeno refúgio de Foster. Pus umas das mãos de baixo do quadro de mármore azul, porém custou-me um pouco a alcançar a tranca que dá acesso a passagem, mas, com muito esforço, enfim fiquei-a. Entretanto, o local está vazio, sem sinal algum do duende.
O guarda apressou-se e seguiu em direção a alguma lamparina próxima, voltando logo após, com uma em mãos, já que o pequeno boticário de Foster estava tomado pelo breu e eu, obviamente, não enxergo no escuro.
— Pelo que me contaram, Foster saiu mais cedo.
— Então teremos que cuidar disso sozinhos. – Pareço firme, entretanto a minha pulsação está acelerada.
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No amanhã de alguém
Mystery / ThrillerA meretriz, Aurora Jenkins, buscava a paz a mais tempo do que existia, mas alcançá-la parecia impossível. Tentada pela morte, ela põe um fim em si mesma. Entretanto, a pobre menina não chega ao céu, nem mesmo ao inferno, mas sim em um novo mundo. Po...