Capítulo 9: O dia em que matei a minha mãe

22 6 29
                                    

" Eu quero ser feliz", sussurrava para as paredes do meu quarto, para os travesseiros úmidos de choros abafados, para os percevejos esfomeados por cada pedaço do meu cérebro e para as noites sem dormir.

Ela nunca veio à chegar, a felicidade, e eu era apenas mais uma estúpida inundada de devaneios que hoje sei que nunca ocorrerão.

Olho mais uma vez para as órbitas opacas de uma coruja antes de a deixar descansar na estufa e voltar para minha cama macia.

Percebi que já era quase manhã quando retornei. Não me importei de qualquer forma e me joguei na cama. Até que adormeci como nunca.

De repente, ouvi um som abafado, parecia que alguém estava me chamando, uma voz persistente e enfadonha – foi o que eu decidi aos doze anos.

Abri os olhos lentamente, como se quisesse me assegurar de que aquilo não passava de uma mera ilusão.

Lá estava o seu semblante aristocrático de sempre, junto aos olhos azuis acinzentados.

— Digno de uma princesa, não? – ela se refere ao aposento.

Sou incapaz de responder. Meu corpo inteiro está congelado. Ver essa mulher tão perto uma outra vez, e ainda mais aqui... me faz querer pular pela janela.

— Com qual deles teve que se deitar para conseguir tudo isso? – um sorriso perverso está estampado em sua cara imunda.

— Saia já daqui! – tomo coragem para dizer, enquanto olho em seus olhos.

— Está brava com a mamãe? – eu havia me esquecido da tamanha capacidade que ela possui de dissimular, jamais conheci atriz melhor. — Será que devo lhe castigar?

— Saia daqui! Saia daqui! Saia daqui! – repito como se as palavras fossem me proteger. Quando vejo estou tremelicando feito uma vara verde.

Percebo que ela se diverte com o meu descontrole, enquanto caminha sorrateiramente até mim, assim como uma serpente prestes a dar o bote.

— Venha com a mamãe. – Dona Irene estende os braços e eu recuo imediatamente. Não quero que ela e nem mais ninguém toque em mim.

Isso não é justo.

Eu não quero voltar.

— Eu mandei vir! – a mulher berra, provocando um alarde em minha cabeça.

— Saia já daqui! – esbravejo mais alto ainda e sinto algo partir-se do meu corpo.

Uma espécie de onda negra emerge de dentro de mim e parte a minha mãe ao meio. Seu torso evapora por completo como poeira. Encaro as minhas mãos, sem acreditar no que fiz, e elas estão cobertas por um vermelho escarlate – há sangue em minhas mãos, sangue que não provém de minhas veias.

Então acordo: suada, completamente atordoada, choramingando e, definitivamente, deprimente. Tudo isso não foi nada mais do que um delírio. Ela era apenas mais um espectro, uma ilusão. É humilhante ser enganado pela própria mente.

Porém, o pensamento de que tudo aquilo fora um sonho se desmonta quando vejo a parede à minha frente igual a carvão, parece que alguém a ateou fogo.

Eu continuo trêmula. Sinto que serei esmagada pelas paredes desse quarto. O meu coração palpita como se a qualquer momento ele fosse bombear o sangue em minhas veias e artérias pela última vez. Não consigo conter as lágrimas e permito que elas rolem e inundem os travesseiros. Logo após deixo o aposento para respirar um pouco de ar fresco.

Mesmo que aqui fora esteja frio, ainda assim está mais aconchegante. Sentia-me enclausurada, feito uma sialia presa em uma gaiola. Além do horizonte, o orvalho da manhã ressurge. Assisto o astro-rei, com toda a sua magnitude e deslumbre, tingir os bosques, os gigantescos carvalhos e os campos bem floridos. Vejo tudo do alto de uma sacada, de chaminés encardidas à colinas mais verdejantes.

No amanhã de alguémWhere stories live. Discover now