Capítulo 10: Virei amiga de uma gata devoradora de humanos

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Quando eu era miúda, Maya me contava histórias de terror envolvendo feiticeiras bruacas, de chapéus pontudos, roupas desgastadas e narizes avantajados. Ela dizia que as tais temidas bruxas devoravam o coração de quem se metesse em seu caminho. Eu ouvia atentamente cada minucioso detalhe, mesmo que aquilo fizesse com que eu não dormisse a noite, às vezes.

Contudo, agora estou cara a cara com uma bruxa de carne e osso. O máximo que posso fazer é chorar pitangas.

— Não se incomode, já estou de saída. Foi um engano, perdão. – Respondo-a desesperada e tremelicando mais que galho frouxo em uma ventania.

— Eu não faria isso se fosse você. A casa está rodeada por Bestas da Névoa. Creio que terá que esperar até o amanhecer. – Ela fala enquanto tira o seu casaco batido e pendura no cabideiro da sala.

— Até o amanhecer? – pergunto assombrada.

— Você não é como eles, não é? – ela dá as costas para mim e caminha até a cozinha.

— Eles quem?

— Os humanos das montanhas, escondidos em vilas, amontoados na terra feito gado. – Após dizer isso ela cantarola uma música enquanto apanha uma frigideira. — Você não é das montanhas, é?

— Oh, não. Eu sou de um lugar muito longe daqui.

— Bem que eu percebi, você parece ser esquisita mesmo. – Ela sorrir sem alguns dentes da frente.

A bruxa continua a murmurar uma canção enquanto eu a observo, acanhada. No interior de sua casa também há ossos, mas suspensos no teto e apregoados nas paredes. Caso queira me devorar, direi que sou enferma – se possível de uma doença muito contagiosa –, o que não seria completamente mentira.

Ela saca um frasco de leite e despeja na panela, depois a conduz à lenha.

— Gosta de leite, menina? Tenho apenas de besouro.

— Sou intolerante a lactose. – Minto uma outra vez. Na verdade, não faço a mínima ideia do que isso significa, mas a velha parece acreditar, então fiz bem.

— Ah, não se preocupe, porque esse não possui lactose.

A velha serve duas xícaras de chá de porcelana e entrega uma a mim. Quem diria que uma feiticeira iria algum dia aleitar-me – certas bruxas conseguem ser melhores do que algumas mães. Aproximo as minhas narinas para sentir o aroma do leite de besouro, de perto parece leite comum e cheira à raios de sol de manhãzinha. Vejo a bruxa bebendo, então tomo coragem para tragar também. Tem gosto azedo, que logo após se dissipa, dando lugar a um doce ligeiramente enjoado, porém saboroso, como se alguém estivesse colocado exageradas doses de mel.

— Prefiro cerveja. – Depois de ter tomado todo o seu leite ela se queixa, sentada em sua cadeira de balanço.

— A senhora não vai me devorar, vai? – tomo coragem, após um tempo pensando em perguntá-la.

— Vovó. – A feiticeira fita seu piso de cumaru.

— Hã? – a olho confusa.

— Quero que me chame de vovó. – Decido que é melhor não se opor a ela e concordo dizendo:

— Certo, vovó. A senhora não comeria o coração de sua neta, não é?

— Oras, carne humana é da pior qualidade, nem eu me rebaixaria a esse nível. Mas Sissi gosta, quando a fome bate à porta ela sai em uma caça noturna. Por vezes, ela me traz presentes. Olhe para todos esses ossos pendurados. – Ela aponta para as paredes e teto.

No amanhã de alguémWhere stories live. Discover now