Capítulo 1: Príncipe encantado.

2.1K 170 50
                                    

Eu odeio juízes de futebol por roubarem descaradamente no meio do jogo, como se ninguém fosse notar. Meu time perdendo de 3 a 1 foi só o início da minha descida ao fundo do poço naquela noite. Primeiro eu xinguei até a quarta geração do juiz pelo penalti não dado ao Grêmio, como se ele fosse me ouvir do outro lado da tv. Depois flertei com um cara só pra descobrir que ele tinha namorada. Pra terminar a noite com chave de ouro, eu fiquei bêbada.

Tropecei para fora do bar, querendo encontrar o caminho de casa com minha cabeça super zonza, mas minha atenção foi para a bela árvore no meio da calçada, iluminada pela luz do poste. Cambaleei até ela, abrindo meus braços e me jogando contra o tronco, o abraçando apertado.

—Meu time perdeu, eu preciso de um abraço. —Choraminguei, literalmente me pendurando naquela bela árvore, que parecia tão acolhedora naquele momento. Afastei a cabeça, encarando a copa da árvore, cheia de flores roxas. —Hm... Alguém já disse que você é uma prenda muito charmosa?

—Júlia, o que você está fazendo? —Escutei a voz de Melissa atrás de mim, me virando para encontra-la de queixo caído por me ver agarrada com uma árvore, o que me arrancou uma gargalhada histérica. —Por que está abraçando a árvore?

—Ela é linda, Mel. Acho que quero dar uns beijos nela. Mas não sei se ela me quer. —Eu voltei a abraçar a árvore, escutando a risada descrente de Melissa atrás de mim. —Ignora ela, querida. Ela não entende nada de romance. Eu certamente te daria uns beijos, mas você não pode se fazer de difícil. —A árvore continuou lá, sem se mover, o que me fez choramingar e pressionar minha bochecha contra ela. —Não faz assim, juro que beijo muito bem.

—Pelo amor de Deus, Júlia! —Soltei um gritinho quando alguém me puxou para longe da árvore e me pegou no colo, quando eu estava começando a dançar com ela. Virei meu rosto, dando de cara com Diogo, com seu rosto vermelho e seus lábios comprimidos como se ele estivesse se segurando para não rir. —Você estava dando em cima de uma árvore?

—Eu estava quase conseguindo um beijos nela... —Passei meus braços ao redor dele, soltando uma risadinha quando ele começou a caminhar pela rua comigo no colo. —Meu príncipe encantado vai me carregar no colo? Ele tem cavalo branco também?

—Eu não me lembro de tê-la visto beber tanto pra chegar a esse ponto.

—Quem bebeu? —Indaguei, jogando a cabeça para trás para encarar Mel, tentando me lembrar de onde conhecia os dois. —Eu só bebi um todinho no mercado... Você sabia que meu time perdeu?

—O bairro inteiro sabe, Júlia. Você berrou tanto com o juiz que todo mundo ouviu. —Diogo afirmou, me fazendo soltar uma risada alta, enquanto observava Melissa abrir a porta do prédio para que entrássemos.

—Espero que o juiz tenha ouvido também, porque ele está em primeiro na minha lista negra. —Murmurei, sentindo minha língua pesada, o que deixava minha voz extremamente engraçada. Fiz uma careta quando as portas do elevador se fecharam, olhando ao redor por um segundo. —Gente, a árvore não tá aqui. Acho que ela se perdeu na rua. Vamos ter que voltar pra buscar ela...

Os dois trocaram um olhar demorado, antes de caírem na risada. Franzi a testa, olhando de um para outro, tentando entender porque eles estavam rindo. Como eu não fazia a menor ideia, comecei a rir também, com uma gargalhada tão alta que o prédio todo deveria ter ouvido. Ainda estávamos rindo quando o elevador parou e nos saímos, com um sorriso enorme se abrindo nos meus lábios quando vi a luz da minha vida saindo do nosso apartamento, ao lado de Bernardo.

—Olha só... —Dei um tapinha no ombro de Diogo, rindo sem parar. —Essa cena é de cair os butiá do bolso... A Manu e o Bernardo... Eles são bonitinhos juntos, não acha?

Manu corou ao me ouvir, de uma forma adorável. Eu me lembrava perfeitamente dela, porque dividíamos o apartamento há um bom tempo, assim como me lembrava do estudante de química que estava do lado dela, porque não importava o que estava acontecendo ao redor, Bernardo não tirava os olhos dela um segundo sequer. Era até fofo o quanto minha amiga conseguia ser lerda pra não perceber isso.

—Você ficou bêbada em plena quarta feira? —Manuela indagou, enquanto eu me inclinava para dar um beijo na bochecha do meu salvador, já que ele havia me colocado no chão.

—Obrigada por me carregar, meu príncipe encantado. —Me virei, abrindo os braços e indo até Manu, ignorando todo mundo ao redor. —Não briga comigo, Manu. A gente perdeu e eu dancei com uma árvore na frente do bar. —Melissa confirmou aquilo, me fazendo soltar uma risada abafada contra os cabelos de Manu. —Era uma árvore muito charmosa.

Parei de prestar atenção no que todos eles diziam, até Manu me levar pra dentro. Resmunguei várias coisas pra ela, sentindo meus olhos começarem a ficar pesados, feliz por encontrar meu quarto e minha caminha pronta pra me receber. Pelo menos minha cama não ia se fazer de difícil essa noite. Apaguei no segundo que tirei as roupas e me joguei na cama, absolutamente feliz por aquela noite esquisita e agradável.

Como uma estudante de história que ama saber tudo que aconteceu no mundo e na vida das pessoas, também quero escrever minha própria história, da melhor maneira possível. Então tento aproveitar minha vida sem pensar nas consequências. Beber a noite e me divertir é a melhor coisa que posso fazer depois de um longo dia de aulas e um trabalho tedioso em um mercado.

Quando acordei na manhã seguinte, estava com a cabeça doendo e meu estômago estranho, como se eu tivesse sido revirada de dentro pra fora. Meu cabelo curto e descolorido parecia um ninho de rato ao redor do meu rosto.
Me sentei na cama, fazendo uma careta ao ver minhas roupas espalhadas no chão. Alguns fleches do que aconteceu na noite passada inundaram minha mente, me fazendo soltar uma risada quando lembrei de ter dado em cima de uma árvore.

Sai da cama e me enfiei dentro do banheiro, tomando um banho e escovando os dentes para tirar o gosto ruim da boca. Quando voltei para o quarto, estava me sentindo muito melhor do que acordei, com um sorriso no rosto, mesmo de ressaca. Haviam poucas coisas que me deixavam incomodada e tiravam minha felicidade.

Número desconhecido — Você andou me bloqueando de novo?
Isso já está perdendo a graça, Júlia.

Revirei meus olhos, bloqueando o número desconhecido, antes de apagar a mensagem dali. Então saí do quarto, pronta pra mais um longo dia, que eu tinha a obrigação de fazê-lo melhor do que ontem. Voltei a pensar no que aconteceu ontem, abrindo um sorriso ao me lembrar de Manu e Bernardo.

Talvez eu tivesse a sorte de Manu, pra encontrar alguém que me olhasse da mesma forma que Bernardo olhava pra ela. Ou eu fosse uma azarada completa, que vai beber e dar em cima de outra árvore que encontrar na rua. O pensamento me arrancou uma risada genuína, porque era super minha cara fazer isso de novo.


Continua...

Todas as verdades não ditas / Vol. 2Where stories live. Discover now