— Voltei há alguns dias — Az respondeu de forma automática, levemente atordoado. — Precisei resolver algumas coisas em Illyria.

Lucien se empertigou, um gosto amargo se espalhando pela boca. Passara os últimos dias encarando ansiosamente todas as sombras, esperando qualquer sinal de Azriel, de Cassian ou das gêmeas meio-espectro.

— Imagino que sejam assuntos realmente importantes.

— Você não mandou nenhuma mensagem, imaginei que estivesse ocupado com assuntos importantes aqui também. — Azriel rebateu antes que conseguisse se controlar.

— Como eu poderia enviar alguma mensagem? — Lucien franziu o cenho — Cassian me avisou que sua missão poderia levar semanas. Além disso, o emissário que enviei à Corte Diurna chegou somente essa manhã, exausto. Estamos empregando todos os demais servos daqui na reconstrução das aldeias e tentando salvar as lavouras.

— Você poderia ter enviado uma mensagem pelo espectro — Azriel respondeu como se fosse óbvio, levantou a mão e um dos seus espectros espiões se materializou a seu lado. A forma humanóide feita de sombras acenou para Lucien e desapareceu novamente.

— Ah, eu não... — Lucien deu mais dois passos hesitantes em direção a Azriel, se sentindo um idiota — Eu não fazia ideia que ele estava aqui, não vi nada de diferente nas sombras até há pouco.

— Eu prometi que manteria você seguro, não importando o que acontecesse.

A emoção na voz de Azriel pegou Lucien desprevenido.  Ele se aproximou um pouco mais, mas parou ao reparar que Azriel continuava completamente imóvel.  Precisava dizer alguma coisa, mas não fazia ideia por onde começar.

— Você soube o que aconteceu na minha última noite em Velaris? — Lucien questionou, dando alguns passos a frente. Ainda estavam muito longe um do outro, no entanto, e o feérico não conseguia entender porque Az estava tão na defensiva

— Sim. Por isso precisei passar alguns dias em Illyria antes de vir, eu... — Az comprimiu os lábios em uma linha fina e meneou a cabeça. — Isso não importa agora. Você escreveu ao Helion contando o que houve?

— Sim, e pedi a ele que comece a espalhar pelas Cortes que me contratou como novo emissário para que eu possa ir para lá. Helion enviará mensageiros para buscarem minhas coisas no apartamento em Velaris, e alguns guardas para escoltarem Koré para a Corte Diurna.

Lucien finalmente conseguiu escutar os batimentos do coração de Az por um momento, e percebeu que estavam tão acelerados quantos os seus.

— Eu não posso retornar à Corte Noturna, foram mentiras demais — ele justificou. — E não posso deixar minha cunhada onde não tenho certeza que está segura...

— Eu sei — A resposta foi pouco mais de um sussurro, e os olhos de Az baixaram para o papel que ele quase desmanchava enquanto girava ansiosamente pelos dedos.

— O que é isso? — Lucien apontou para o papel.

— Ahn... — Azriel franziu o cenho para o pedaço de pergaminho dobrado antes de olhar novamente para Lucien — Eu tinha pensado em deixar um bilhete para você, como fazíamos na Corte Crepuscular.

— Por que um bilhete?

Azriel corou.

— Porque eu não sabia se você iria querer conversar comigo. Eu o observei o dia todo, e você pareceu tão a vontade aqui...

— Bem, eu vivi aqui por séculos... — interrompeu Lucien.

— E você está aqui há dias e não mandou nenhuma mensagem! — Azriel completou, um pouco mais alto do que pretendia.

— Lucien? — A voz de Bron atravessou as árvores — Está tudo bem?

— Claro — Lucien respondeu por cima do ombro — Estarei aí em um minuto. Não acabem com todo o vinho!

— Ande logo com a lenha ou não guardaremos vinho para você! — um outro macho respondeu e a conversa no lago recomeçou em meio a risadas descontraídas.

Lucien se virou novamente para Azriel, temendo por um segundo que ele tivesse desaparecido nas sombras. O illyriano continuava ali, no entanto,  o máximo de emoção que conseguira extrair dele parecia distante agora que ele estava novamente com o rosto na máscara fria de mestre-espião. E se Rhysand tivesse ordenado a ele que abandonasse Lucien e Azriel fosse obrigado pela magia a obedecer? Ele tinha esse poder, sendo o Grão-Senhor, mas não faria isso com o próprio irmão... faria?

— Eu não sabia que o espectro estava por perto, e... Eu sei que você prometeu, mas não é só você que fica inseguro, sabia? — Lucien rebateu porque Azriel estreitara os olhos com descrença.

O mestre-espião assentiu e esperou Lucien continuar.

— Eu precisava me comunicar com o Helion para saber se eu poderia ir para a Corte Diurna, e para saber sobre o... — Lucien engoliu em seco. Não queria falar sobre o laço de parceria. Não queria nunca mais precisar citar o nome de Elain. Por que essa conversa estava sendo tão difícil? — Você também não me mandou mensagem alguma.

— Cassian disse que você precisava de um tempo... E espaço... — As poderosas asas balançaram nas sombras quando o illyriano deu de ombros.

— Precisava, mas não de você.

— Ah! — Azriel sentiu o rosto esquentar. Não era com Lucien que estava irritado, mas a insegurança o estava fazendo meter os pés pelas mãos outra vez.

— Você sabe que essa coisa de não conversar já nos criou muitos problemas, não é? — Lucien deu um suspiro cansado.

Azriel concordou com a cabeça, apesar de não achar justo Lucien colocar como um problema dos dois as brigas que Azriel causara por presumir coisas ao invés de dizer ao feérico o que sentira.

— Por isso decidi aparecer. Analisei o que pude na Corte pra ter certeza que você estaria seguro com Tamlin e com os outros, ouvi as sombras para verificar se não havia nenhuma criatura do continente ou inimigo espreitando. Observei você pelas últimas horas, e não consegui simplesmente deixar o bilhete.

Lucien não aguentava mais o maldito suspense.

— E eu vou precisar ler esse bilhete ou posso abraçar você de uma vez?

Azriel deu uma risada nervosa, a insegurança finalmente sumindo.

— Abraço, com certeza.

Lucien quase derrubou Azriel com a força que se jogou nos braços dele. Azriel não se importou, enfiando o nariz no cabelo de Lucien e inspirando com força. O coração parecia querer romper o peito do illyriano.

— O cheiro não mudou — Az suspirou aliviado, murmurando no pescoço de Lucien — Não mudou. Seu cheiro não mudou.

— Não — Lucien respondeu, apertando mais o abraço, sentindo o coração de Azriel vibrando junto com o seu — Eu ainda sou eu.... ainda sou seu.

As mãos ásperas seguraram seu rosto e Azriel o beijou, envolvendo os dois em suas sombras para esconder a luz que começava a brilhar na pele de Lucien.

Muito a contragosto, Az interrompeu o beijo.

— Hart está vindo. — Az se soltou do abraço de Lucien — Não acho seguro que os sentinelas ou o Tamlin saibam que estou aqui.

— Não vá para longe de mim — pediu Lucien, apertando os dedos que Azriel tentava soltar dos seus. Sequer tiveram tempo de conversar, a saudade ainda doía — Fique, amor, por favor!

— Nunca longe, sempre com você — Az respondeu antes de roubar um beijo de Lucien e desaparecer aos pés dele, sorrindo ao lembrar de quando disse essas mesmas palavras.

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