Capítulo 61

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Estava escuro e ela desvanecia, incapaz de se mexer. Koré não sabia onde ela mesma terminava e onde a escuridão começava. O escuro propriamente dito não a assustava, mas sim a ausência de qualquer coisa que não fosse frio e dor. Koré era arrastada cada vez mais para o fundo quando sentiu o calor, um pouco antes de ver o fraco brilho da chama.

Ver não era exatamente a palavra, mas ela sabia que o fogo estava ali, crescendo, chamando por ela. A chama era tão pequena quanto a chama de uma vela e não poderia vencer a escuridão gélida que a prendia, mas isso não importava. Aquele calor e aquela luz tremulantes eram seu lar, e ela queria estar lá. Pouco a pouco, a fêmea sentiu o calor e a luz do fogo crescerem, a envolverem.

Koré voltou a sentir o próprio corpo e a dor cresceu de novo, tão excruciante que, por um momento, ela desejou afundar no vazio da escuridão outra vez. Koré sentiu uma pequena chama acendendo no próprio coração, respondendo ao chamado do fogo que era o lugar mais seguro do mundo. A dor, o frio e a escuridão recuaram devagar, e o fogo ocupava o espaço que deixavam. O fogo não a queimava; ele a tranquilizava, falava com ela enquanto preenchia suas veias, aquecia o corpo de dentro para fora.

O coração aquecia, batendo no fundo do lago congelado em que Koré afundara. As pernas e os braços pareciam mergulhados em gelo, mas um lado de seu rosto estava apoiado em algo morno e reconfortante. Ela ouviu, muito longe, uma batida abafada. E mais outra. Ela começou a contar as batidas, e quanto mais se concentrava nas batidas, mais reconhecia o som. De alguma forma, só podia ser Eris. Ele a encontrara no frio e na escuridão. Koré entendeu que o fogo que cantava para ela, fazendo o pequeno fogo tremular e crescer onde seu coração deveria estar, era a magia de Eris. O fogo afastava o frio e queimava a dor cada vez mais, a luz tremulante aos poucos vencendo a escuridão.

A escuridão recuava devagar, até que finalmente mudou. Como se estivesse nas primeiras horas do amanhecer, quando os primeiros raios de sol dissipam a noite, ela viu. Koré viu rios cor de jade, viu as copas das árvores com folhas verdes, vermelhas e marrons e reconheceu a floresta em que vira Eris cavalgando em seu sonho. Eris...

Koré viu campos de trigo que jamais conheceu, viu campos e fazendas. Ela sentiu o fogo do próprio coração crescer, procurando o fogo do coração de Eris, cantando baixinho em resposta à melodia dele. Não estava mais no fundo do lago congelado, mas ainda não era ela mesma. Era uma mistura de fogo e gelo, luz e escuridão. Os braços de Eris a apertaram, como se a puxassem para fora do frio. Ela sentiu a bochecha no peito de seu parceiro, os dedos quentes deslizando carinhosamente em suas costas geladas, o corpo apoiado nele. O fogo de Eris alimentava o fogo dela, obrigava a escuridão enregelante a recuar e recuar, obrigava a dor a diminuir.

A batida ritmada continuava, e seu coração se esforçou para acompanhar o ritmo. As imagens surgiam cada vez mais nítidas: Eris entrando no quarto, os olhos âmbar se arregalando por um momento ao vê-la pela primeira vez. Eris conjurando o fogo na própria mão para provar que não o machucava, o coração acelerando com a risada surpresa dela. Koré viu Eris no corredor, conversando com o emissário da Corte Outonal enquanto ela falava com Lucien, e sentiu novamente o calor tranquilizador em suas costas, o calor que o parceiro enviou pelo laço para que soubesse que não estava sozinha.

Então as batidas do coração de Eris mudaram. Ele estava nervoso, com medo de alguma coisa. Koré ouviu a voz do parceiro reverberando, mas não entendeu as palavras que ele dizia. Não afundava mais no gelo, mas percebeu que ele se afundava em culpa e tristeza, aquela tristeza esmagadora que Koré sentiu pelo laço. Não, não...Eris, eu estou aqui... Eris! Eris!

Koré lutou com as pálpebras pesadas, e finalmente levantou o rosto, buscando os olhos âmbar do parceiro. Alguém se afastou e ela não se importou com quem era. Só se importava que escapara do escuro e do frio, direto para os braços de Eris, direto para seu lar. Para seu parceiro, que a encarava como se não pudesse acreditar no que via.

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