CAPÍTULO 26

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XXX

Mia

De todas as pessoas que eu esperava conversar naquele momento, eu nunca imaginei que fosse o Joe. Principalmente ele.

Não sei explicar bem o que senti ao ouvir a voz rouca e arrastada daquele velhote no microfone. Seria um certo medo? Nunca troquei mais do que duas palavras com ele durante todos os anos que trabalhei aqui. Joe sempre foi uma pessoa muito reclusa, fechada, que não gosta de dar muita abertura para alguém conversar com ele.

Durante todas as temporadas de verão que passei aqui, ele sempre adorou caçar sozinho e afastado do acampamento. Ele e Victor eram chegados, mas não sei dizer muito bem se só eram velhos conhecidos ou melhores amigos. Os dois se cumprimentavam toda vez que se cruzavam, o que era uma coisa rara, onde Victor era o único a conseguir quebrar a casca carrancuda dele e deixar seu sorriso torto enfeitar sua expressão eternamente séria.

Joe sempre me passou uma sensação muito estranha e isso não era de hoje. Ele sempre adorava conversar sozinho na floresta. Algumas crianças que gostavam de sair da trilha, muitas vezes já pegaram ele falando sozinho e até mesmo dar gargalhadas sinistras. Uma parte minha achava que ele tinha algum problema mental e que era por isso que ele se comportava assim, mas outra parte minha, desconfiava que isso era só uma pequena amostra de como ele era de verdade.

Seja como fosse, ali estava ele. Tentando se comunicar com nós através de alguns chuviscos irritantes:

— Aqui é o Joe. Tem alguém na linha? Câmbio.

Félix levantou sua mão em direção ao comunicador, mas eu o detive. Estava sentindo alguma coisa nada agradável vindo da pessoa do outro lado da linha. O garoto platinado me olhou de relance, um pouco sem entender o motivo de eu pará-lo numa hora tão importante.

— O que foi? – perguntou ele, afoito – Você não ouviu? É a nossa ajuda!

— Eu sei, mas... – me interrompi, vendo a ansiedade dele se tornar uma desconfiança que achei estranha – Não é nada. Continue.

Félix pegou o comunicador e se aproximou para falar no microfone, oscilando um pouco a linha:

— Olá? Consegue me ouvir?

— Sim, garoto! – Joe respondeu de forma neutra, quase robótica – Você deve ser Félix, não? Ainda está com aquela garotinha? Qual é o nome dela mesmo... a cara dela estava nos jornais esses dias atrás.

— Mia. – respondeu Félix, deixando sua tensão ir embora lentamente enquanto despejava todas as suas informações para fora – Escuta, Joe! A parada é séria! Tem um maníaco com um machado solto lá fora, é o mesmo cara que tentou matar a Mia, você se lembra? Tem gente ferida e... possivelmente morta. Você precisa ligar para a polícia e mandar eles para cá.

Silêncio. Um pequeno chiado do outro lado.

Félix segurava o comunicador com força, tremendo um pouco durante os segundos intermináveis de espera da resposta. Olhei para a penumbra lá fora pela porta escancarada, imaginando que em algum lugar Joe estaria ouvindo tudo com uma calma incomum.

— Isso é sério, moleque? – indagou o caçador, pigarreando logo em seguida – Bem que eu ouvi uma gritaria e uns tiros um tempo atrás, mas pensei que fosse a criançada brincando ou alguma coisa assim. Como estão todo mundo? Esse doido conseguiu pegar algum de vocês?

— Eu... eu não sei. – Félix falou às pressas – Tudo aconteceu muito rápido. Carly, Carter e Grace estavam lá fora, na floresta, quando eu e Mia decidimos vir até aqui pedir ajuda. O resto de nós está escondido na enfermaria. Aquele maluco deve estar perambulando por aí, então se decidir vir até nós, acho melhor você tomar cuidado. Câmbio.

Anoitecer SangrentoWhere stories live. Discover now