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Lágrimas não são argumentos — Machado de Assis

Ayleen

A bela senhora não percebe minha presença até ser muito tarde. Reconheço ser sua mãe por causa das fotos que vi online. Victor puxou completamente a aparência dela. A mulher mais velha me escaneia e permanece muda.

Fico sem saber o que fazer. Me sinto como um gato encurralado em um beco qualquer. Olho para o Victor e ele também demonstra estar incomodado com esta situação.

— Mãe, a senhora deveria ter esperado o meu retorno. Como pode ver, não tô sozinho.

A mulher pressiona os lábios em uma linha e cruza os braços. É nítido que não está satisfeita com a resposta. Ou comigo.

— As mães sempre são prioridade, você deveria saber disso — volta-se para o filho.

— As mães também devem dar o devido espaço para os seus filhos. Não acha? — devolve, com sarcasmo.

Se ela tivesse chegado um pouco mais cedo, teria visto uma cena e tanto na beira da piscina... meu Deus, que morte lenta.

Eu não quero participar da briga entre família, então me levanto e tento sair de fininho. Porém, Victor me acerta com o seu olhar.

— Vai aonde? — seu tom fica mais ameno ao falar comigo.

— Hã... vou deixar vocês conversando em particular — e eu com a blusa dele e ele quase pelado, bem evidente o que estávamos fazendo.

— Não precisa, pode ficar — Victor fala.

Ao mesmo tempo, sua mãe diz. — É o melhor a se fazer, querida — seu tom repleto de desdém.

— Mãe, a senhora não tem o direito de dizer o que os meus convidados devem ou não fazer. Se ela quiser, pode ficar — ele argumenta.

— Tá tudo bem, vou pra varanda — intervenho.

Deixo os dois para trás e sigo o meu caminho. Mas em vez de ir para lá, acabo parando em um outro lugar. Estanco diante a uma porta envelhecida e minha curiosidade me vence. Forço a maçaneta e está destrancada.

Abro a porta e me deparo com uma grande biblioteca. As paredes foram transformadas em prateleiras e estão repletas de livros. Há uma escrivaninha no canto direito e uma grande mesa branca no centro. Além disso, alguns puffs estão espalhados ao redor de todo o local.

Volto-me para as prateleiras e passo a mão nas lombadas de alguns livros e leio os nomes de alguns autores. Machado de Assis, Shakespeare, Augusto dos Anjos, Nietzsche, Carolina Maria de Jesus, Rick Riordan... Nossa, bem eclético.

Puxo um dos exemplares de forma aleatória e acabo pegando um livro de poesias do Drummond. Abro em uma página qualquer e vejo qual foi o poema selecionado.

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim."

Acabo me detendo por mais alguns poemas e decido me sentar em um dos puffs bastante convidativos.

Victor

Meus olhos seguem a sua partida e me sinto mal por minha mãe ter aparecido do nada. Não o bastante, tentou demonstrar que é superior. Uma babaquice.

— Eu não acredito nisso, Victor! — exclama, com um olhar reprovador — Você tá com uma criança?! Por favor, me diga que esta menina — aponta por onde Ayleen saiu — é maior de idade. Não precisamos de nenhum escândalo como esse!

Seu tom é completamente pretencioso e esnobe. Ela olha para mim e parece me ver pela primeira vez.

— Olha só pra você! Completamente nu! — põe uma mão sobre o peito, na altura do coração.

Bufo, completamente impaciente.

— Antes de qualquer coisa, tô na minha casa. Por isso, faço o que eu quiser. A partir de hoje, vou limitar o seu acesso livre. Eu te amo, mãe, mas prezo por minha liberdade e gostaria que a senhora aceitasse minhas escolhas.

Seus olhos se enchem de lágrimas, como seu eu tivesse dito a coisa mais hedionda do mundo.

— Meu filho, eu me preocupo muito com você. Quero muito que seja feliz, mas precisamos ser realistas. A mídia vai cair em cima de você quando aparecer com essa aí. Vão logo notar que são dois extremos diferentes. Você não tem mais idade pra ficar de aventurinhas — uma lágrima desliza por sua bochecha alva.

Minha mãe é a pessoa que mais amo no mundo. Sempre esteve ao meu lado e sou muito grato quanto a isso. Achei que seu apoio viria de forma incondicional, prezando em constância pelo meu bem-estar e felicidade. No entanto, vejo que ela prezava pelo seu bem-estar e felicidade.

— Não me importo com a mídia e não tô vivendo nenhuma aventurinha. Para de me tratar como se todas as minhas escolhas fossem erradas. Deixa que eu mesmo cuido da minha vida pessoal. Não tô fazendo mal a ninguém.

Ela solta uma risada forçada e balança a cabeça.

— É aí que você se engana! Sua escolha faz mal à sua mãe.

Perco toda a paciência que ainda restava em mim.

— Faz mal baseada em quê? Em estereótipos criados por um pensamento preconceituoso? Você nem cumprimentou a garota, nem sabe o nome dela. Mal ouviu sua voz e vem me questionar? Tudo o que você faz com suas ongs e bailes beneficentes não passam de atuações? Só quer manter a fama de boa? O quer se...

— Chega, Victor! Basta! Olha o que você tá falando para a sua mãe! Eu vou embora, mas saiba que tô completamente chateada e magoada com você! Pelo que tô vendo, essa menina já conseguiu nos distanciar... eu não achei que você se deixaria levar por qualquer uma que abrisse as pernas.

Suas palavras me tiram do sério. Cerro os meus punhos tentando me conter.

— Acho melhor a senhora ir. Agora — digo, entre os dentes.

Denise conserta sua postura e se retira sem olhar para trás. Enquanto isso, apoio minhas mãos sobre o balcão, inspiro e expiro o ar, em uma tentativa fútil de me acalmar.

Porra, minha mãe conseguiu acabar com o início da noite e veio tentar destruir o resto...

Porra, minha mãe conseguiu acabar com o início da noite e veio tentar destruir o resto

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Demonise sendo inconveniente mais uma vez... 🙄

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DeclínioWhere stories live. Discover now