⚭20

13.2K 1.2K 117
                                    

Eu acho que vou sentir sua falta para sempre, como as estrelas sentem a falta do sol nos céus da manhã— Lana Del Rey, Summertime Sadness

Ayleen

Entro no quarto clinicamente estéril. As máquinas fazem o seu trabalho em manter minha mãe respirando. Como isso dói. Um tubo fino sai de seu nariz e um mais grosso de sua boca. Seus olhos cerrados, sua tez pálida — mais do que antes — e a cabeça enfaixada.

Me sinto morrer a cada segundo que me aproximo de sua maca. Não tem um sorriso de volta me esperando, não tem uma mão frágil se erguendo para o meu rosto. Nada. Apenas o silêncio fúnebre.

Meu pranto molha o meu rosto, mas não me importo. Nada importa no momento. Eu só queria minha mãe saudável de volta. Ela merecia ser feliz, muito feliz.

— Mãe, eu te amo. Você sabe disso, não sabe? — paro de falar porque minha garganta se fecha com o choro.

— Eu queria tanto uma vida diferente pra nós. Queria que os seus sonhos se realizassem... — um soluço irrompe do meu peito e preciso fazer outra pausa —... eu tentei te manter o mais confortável possível... eu juro que tentei...

Eu vou viver o resto da minha vida com esse constante vazio que nunca será preenchido. Se eu sobreviver.

— Eu não quero me despedir de você, mãe. Como eu posso? — seguro com firmeza a lateral da maca.

Fica cada vez mais insuportável, não consigo mais falar. Levanto minha mão e acaricio seu rosto magro. Passo um bom tempo assim, tocando-a, sentindo sua pele ainda quente.

Há uma batida na porta e logo ouço as dobradiças protestarem. Escuto passos e sinto alguém do meu lado. Não me viro, não preciso. Nada faz muito sentido no momento.

— Ayleen, não é o melhor momento, mas você terá que fazer uma escolha — a voz do médico é pesarosa.

Não... não quero escolher nada...

Meu silêncio é a única resposta que ele tem.

— Pense no que é melhor pra sua mãe — toca no meu ombro e se afasta. Ouço a porta batendo suavemente quando ele sai do quarto.

Minha única reação é chorar ainda mais. Sinto que vou chorar pra sempre.

— Mãe — engulo minhas lágrimas — o que eu vou fazer agora?

Victor

Assim que o elevador se abre, vejo um médico saindo da segunda porta do lado direito do longo corredor. Sua expressão não é uma das melhores.

— Você é o médico da mãe da Ayleen? — indago.

Ele não estava esperando pela pergunta, suas sobrancelhas se elevam quase tocando em seu coro cabeludo.

— Sr. Agostini — me cumprimenta —, sim, sou eu mesmo. Em que posso ajudar?

— Gostaria de saber os detalhes do caso e quais são as medidas a serem tomadas — minha pergunta não é estranha, afinal sou dono do lugar; e com isso, me interessa saber o andamento das coisas.

— Claro, senhor. Veja, a situação é muito delicada. Ayleen é uma boa menina, mas só tem a mãe. Cristina foi diagnosticada com um tumor no sistema nervoso central. Infelizmente, o seu quadro só se agravou com o passar do tempo. Ontem ela sofreu várias convulsões e precisamos entubá-la. Depois constatamos que ela teve uma morte cerebral. Não há o que fazer.

Há quanto tempo essa menina vem carregando tudo isso sozinha?

— E agora? — cruzo os braços.

Ele suspira — Agora Ayleen precisa decidir se vai ou não manter os aparelhos ligados. Não é uma decisão fácil. Me preocupo muito com ela. Fazia tudo pela mãe, só tinha a mãe. Não posso nem imaginar o que tá sentido agora.

Eu não sei quem é essa garota, mas o seu sofrimento me incomoda.

— Se ela decidir desligar... como vai ser?

— Primeiro ela deverá assinar um termo de responsabilidade, após isso, o corpo será encaminhado para o IML onde ocorrerá a liberação para o enterro. A partir daí, Ayleen cuidará do resto por conta própria.

Com todo o sofrimento, ela ainda terá que resolver essa parte pesada?

— Faremos o seguinte, me deixe informado de sua decisão. Vou arcar com todas as despesas necessárias, além disso, quero que reembolse todo o valor que ela gastou. Melhor, deixa que eu resolvo essa parte. Tem a conta dela nos registros?

— Mas será um grande desfalque pra clínica...

— Então pagarei do meu próprio bolso. Não se preocupe com esse detalhe — olho significativamente para ele.

— Tudo bem. Vou providenciar a conta e te enviarei os detalhes. Mas, se não for rude de minha parte, como o sr. a conheceu? Vocês não parecem frequentar os mesmos lugares.

É que ela estava sendo leiloada e decidi fazer uma oferta. Nada demais, muito comum de acontecer, não é mesmo?

— Nos conhecemos por acaso — não dou continuidade.

O médico acena e entende o recado.

— Bom, eu preciso ir. Outros pacientes me aguardam — ele se afasta.

— Ah — chamo sua atenção —, não conte nossa conversa pra ninguém, muito menos pra ela — deixo bem claro.

Ele volta-se para mim e anui. — Como o senhor desejar — prossegue em seu caminho.

Com o assunto encerrado, dirijo-me até o quarto de onde o médico saiu. Me aproximo da porta, que tem uma pequena janela de vidro; me dando a visão do quarto, diretamente para a maca, em específico.

Outra vez, sou tomado por uma sensação estranha ao ver Ayleen debruçada sobre o corpo inerte da mãe, chorando copiosamente. Sua dor é palpável e profunda.

Algo estranho parece quebrar no meu peito, um sentimento de impotência e incompetência se instaura em mim. O que vai ser dessa menina agora?

Por que eu tô me preocupando com isso?

É melhor eu ir e deixar que ela tenha o seu momento privado. Ainda mais quando me pediu para não entrar. Se ela soubesse que o lugar é meu...

Tenho certeza de que ela não voltará para casa hoje. Sua mente deve estar muito confusa.

Me afasto da porta e ando em direção ao elevador. Meu celular vibra no bolso da calça, pego o aparelho e vejo o e-mail com a conta dela. Foi mais rápido do que imaginei.

 Foi mais rápido do que imaginei

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Meu coração tá partido 💔

Votem e comentem pra eu ficar mais feliz 🤧

DeclínioWhere stories live. Discover now