⚭11

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No mesmo instante em que recebemos pedras em nosso caminho, flores estão sendo plantadas mais longe. Quem desiste não as vê — William Shakespeare

Ayleen

Sabe aquela sensação de instabilidade? Em que o mundo parece girar e se perder no meio do caminho, te fazendo ficar fora dos sentidos por um determinado tempo?

É exatamente assim que me sinto agora. De tantas pessoas no mundo, de todas as classes sociais, do improvável infortuno; a vida quis que fosse ele aquele a me ajudar? Por quê?

— Mãe...

Cristina limpa uma lágrima traiçoeira que desliza timidamente por sua face. Ela nunca me perdoará se souber a verdade. Nunca.

— Ayleen, essa família... essas pessoas. Não, apenas não. Não se aproxime deles, não troque palavras com eles. Pelo amor de Deus! — sua fala sai apressada e angustiada. O desespero e pavor preenche seu tom.

— Mãe, o que eles fizeram? O quê?

Minha mãe fica de pé e põe a mão sobre a cabeça. Nunca a vi tão agitada assim. Tão desesperada desse jeito.

— Eu preciso sair deste quarto. AGORA! — grita.

Suas lágrimas fluem livremente, a mão pálida sobe para o seu peito e repousa em seu coração. Vejo que tremem. Corro para o seu lado e faço a única coisa que posso: abraço seu corpo trêmulo e histérico.

Seus braços seguram minhas costas e sinto os seus ombros sacolejarem, todo o seu coração parece se derramar junto as lágrimas. Sua ferida aberta e incurável. Quando está mais calma, solto-a, mas mantenho minha mão junto à sua.

— Vamos dar uma volta? — pergunto, cautelosa.

Ela apenas acena e saímos do quarto. Levo-a até o jardim e encontro uma mesa na área coberta. Alguns pacientes nos cumprimentam, porém, não ousam aprofundar qualquer assunto. Fica evidente que precisamos de privacidade.

— Ayleen, o seu pai — toma uma respiração — foi, não, é o amor da minha vida. Tudo o que eu sonhei em um homem, nele eu encontrei. Você sabe, eu cresci no orfanato e nunca tive uma família. Até ele chegar.

Acaricio sua mão sobre a mesa, apenas ouvindo. É disso que precisa no momento, não de perguntas.

— Nos conhecemos no ônibus. Tão jovens, tão imprudentes. Ele foi criado pelos avós que já eram bem velhinhos. Começamos a namorar depois de alguns encontros. Eu morava com uma amiga na época e havia acabado de entrar na universidade — um sorriso terno a preenche.

— Eu queria ser nutricionista. Era o meu sonho. E o seu pai, ah, o seu pai — um olhar distante e sonhador toma conta de sua face — ficou tão feliz e disse que precisávamos comemorar. Ficamos juntos naquela noite.

Eu não canso de ouvir a história trágica deles.

— Seu pai já estava fazendo química. Era apaixonado e muito inteligente. Eu poderia passar horas ouvindo ele falar sobre um átomo, não porque gostava de química, mas sim por causa da paixão com que ele falava. Era lindo.

Cristina limpa uma lágrima sorrateira com o indicador e continua.

— Eu me sentia estranha, cansada e doente. O que poderia ser? — ela aperta minha mão.

— Ayleen chegando na sua vida — respondo com um pouco de humor.

— Exato. Eu tava grávida. 19 anos e grávida. Fiquei desesperada. Como contaria pra ele? Mas ele sorriu, Ayleen, sorriu! Não fugiu, não cogitou um aborto. Nada. Apenas sorriu e me abraçou.

DeclínioWhere stories live. Discover now