DEZESSEIS

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• Charles Shelby •

O líquido amargo desceu lentamente pela minha garganta, fechei os olhos e me forcei a não fazer careta. Falhei miseravelmente.

Como algo tão ruim como isso, pode ser tão bom?

Na realidade, eu não estava afim de beber hoje, levantei cedo e prometi a mim mesmo que permaneceria sóbrio, pelo menos até a noite chegar. Mas, a tensão no ar me fez tomar três copos com whisky seguidos.

Percebi que algo aconteceria assim que abri os olhos... Como um marinheiro que olha para o horizonte e sente uma tempestade vindo. Só espero que a tempestade não seja tão forte ao ponto de afundar o navio.

Na verdade, o navio já tinha afundado desde que eu saí daquele maldito cassino. Parabéns Charles, foi você quem atraiu a tempestade!

A mesa de jantar estava posta. Três pratos sobre a mesa, uma taça com vinho, um copo com vodka e outro com whisky.

A bebida de uma pessoa pode dizer muito sobre ela.

Obviamente, o vinho era para Olívia. Bebida refinada, se fermentada do jeito certo, com sabor doce e amargo... Mas somente para aqueles que, de fato, sabem apreciar.

O whisky para o meu pai. Certeza que se Thomas Shelby não escolhe whisky como opção para um jantar, ou qualquer outra ocasião, na verdade, algo está errado. Alguns dizem que só aqueles que aguentam podem com essa bebida... Bom, é verdade.

E vodka para mim. Barata, forte e a melhor opção para um jantar como esse.

A refeição foi servida a dez minutos atrás e só o que se podia escutar eram o tilintar dos talheres e as respirações. Tédio pelo qual não consegui escapar.

- Bom, fiz questão de que nós três estivéssemos aqui hoje porque queria falar de alguns assuntos sobre a empresa. - Disse minha irmã, parecia nervosa.

- O jantar não é bem a hora de resolver negócios mas, já que fez questão de que deveríamos discutir isso agora, prossiga. - Meu pai levou o copo até a boca.

- Nossa firma não anda muito bem. As investidas dos Smith's são devastadoras e eles não tem medo de retaliação. A casa de apostas foi destruída e os negócios no exterior estão fracassando...

- Todos nós sabemos disso, Olívia. - Interrompeu o mais velho. - Não preciso que alguém diga o que está dando errado, eu consigo perceber.

- Eu sei. - Ela respirou fundo e olhou para mim. - Só queria que os motivos pelos quais estou aqui sejam claros.

- Já estão claros, infelizmente até demais. - Virei o que havia restado da bebida a minha frente.

- Recebi uma proposta do Bill Smith em pessoa para resolver nossos problemas.

- Se encontrou com ele? - Meu pai vociferou.

- Não por opção, acredite. Ele armou para que acontecesse. - Suas mãos estavam um pouco trêmulas. - No dia da corrida, ele me procurou para falarmos sobre a nossa atual situação e eu odiei ele. Mas ele ofereceu um acordo que... - Limpou a garganta. - Seria até vantajoso para a Shelby LTDA.

- Ele não é confiável.

- Ele estaria se expondo a nossa família, expondo o próprio negócio, acho que ele não se importa com isso no momento, e nós também não deveríamos.

- Está nos dizendo para dar uma chance para aquele maldito? - Perguntei indignado.

- Não, estou dizendo para ouvirem a proposta dele e deixarem a razão, e não a ira, assumir o controle. Pode parecer um acordo arcaico e presunçoso, mas pode dar certo. - Seus olhos estavam vermelhos e brilhantes... lágrimas.

- O que seria? - Perguntou Thomas.

Uma pausa dramática foi feita dos acontecimentos que antecederam. Uma lágrimas solitária escorreu pelo bochecha da garota e ela se forçou a dizer.

- Ele prometeu que pararia com tudo isso se eu me casasse com ele.

Acho que haviam dois navios na tempestade. Porque o outro acabou de afundar.

- Ele se atreveu a cogitar isso?! - Meu pai bateu com as mãos na mesa, levantou irritado e a cadeira caiu. Ficou parado com aqueles olhos cheios de raiva direcionados a Olívia.

- Eu disse para pensar com razão.

- Você também quer isso?! Não me diga que se apaixonou pelo desgraçado.

Eu pensando que não tinha como ficar pior. Tinha sim.

- Mas que porra! Estou me afundando em álcool faz dias, ando pela casa e pela cidade que nem um fantasma porque não consigo parar de pensar em outras formas de passarmos por isso sem ter que me casar com ele! - Ela levantou a voz e as lágrimas rolavam sem amarras agora. - Então depois de dias, eu penso com clareza e vejo que poderia até poupar vidas somente colocando a merda de uma aliança no dedo. Para chegar Thomas Shelby, aquele que dizem ter uma inteligência imensurável, e dizer que eu quero isso porque me apaixonei por ele!?

A casa ficou silenciosa, as empregadas pareciam não respirar de onde quer que estivessem. Até o som dos carros na estrada parecia distante.

- Eu não vou te casar com ele por causa de um simples acordo.

- Você não teve problemas com isso quando casou o tio John com a Esme. -Ela rebateu.

- Você é minha filha! - Ele parecia um pouco desesperado. - Grace nunca me perdoaria.

Acho que depois dessa frase algo se quebrou dentro de nós três.

Meu pai nunca superou a morte dela, isso era fato. Ele nunca se permitiu amar novamente, nem mesmo Lizzie. A verdade é que o senhor Shelby se culpa pela morte da mamãe, sempre vai se culpar não importa quem tente o convencer do contrário.

E isso é triste, até para alguém frio e calculista como ele.

- Sei que nos criou da forma que a mamãe gostaria que fôssemos criados. - Comecei. - Mas já somos praticamente adultos, e não podemos mais deixar que nosso luto eterno por ela atrapalhe nosso julgamento diante situações como essa.

- Você nos ensinou isso. - Minha irmã disse e respirou fundo.

Meu pai evitou olhar para nós, levantou a cadeira caída atrás de si para depois se jogar nela. Procurou por um cigarro no bolso e eu lhe joguei uma caixa de fósforos, ele assentiu em agradecimento.

Longos minutos se passaram, a ansiedade de Olívia era nítida. Era óbvio que a garota não queria se casar com o próprio inimigo, mas deixaria tudo de lado se isso fosse vantajoso aos Shelby, ela sempre foi assim.

Nenhum de nós dois se atreveu a falar algo enquanto o mais velho tragava lentamente o cigarro e logo após soltava a fumaça para o teto. Sabíamos que ele estava catalogando os pros e os contras em sua mente, momento crítico e tenso.

Até que ele apagou o cigarro o atirando no copo que a pouco tempo tinha whisky.

- Parece que Bill Smith gosta muito da nossa família... Afinal, ele vai chamar um dos nossos de esposa.

Gêmeos Shelby | Peaky BlindersOnde as histórias ganham vida. Descobre agora