Ausência
***
Estou deitada na cama do quarto, há uns bons minutos acordada, debaixo das cobertas quando minha mãe entra.
— Vou te levar a escola hoje, então se apressa! — assim que terminou sua fala, saiu apressada para o andar debaixo.
Mesmo sem qualquer ânimo, forcei-me a levantar da cama e arrumar para a escola. Vesti o uniforme automaticamente após tomar banho, depois peguei a mochila que fica perto da cama e desci para a cozinha.
— Bom dia! — mamãe diz, beijando minha cabeça quando adentro o cômodo.
— Bom dia! — murmuro sem vontade.
Estou sem energia até para disfarçar, o que mais queria era ficar na cama pelo resto do dia, na verdade, pelo fim de semana inteiro, porque nem o sábado com o Augusto me parece tão atrativo assim quanto antes. Parece tão exaustivo ter que me arrumar, sair de casa e encontrar ele, além do mais, provavelmente, será um desastre total.
— Arruma seu cabelo, filha! Está todo despenteado — diz ao olhar para mim da cabeça aos pés, faço uma careta ao pegar o amarrador de cabelo - que mais parece pulseira, pois vive no meu pulso - e fazer um rabo de cavalo.
— Está bom assim? — meu olhar de tédio encontra o seu e ela sorri, respondendo que sim.
— Agora toma seu café,s e não vou me atrasar — sacudo a cabeça diante de sua fala e me sento na cadeira da mesa da cozinha — Pega um pouco de leite pra você — apontou para a caixinha — Comprei aquele biscoito de leite que você gosta
Anui e alcancei meus biscoitos de nata.
— Obrigada!
— Por nada, meu amor — sorriu de onde estava, de pé perto da janela, seu costumeiro local.
Comi meus biscoitos junto com o leite enquanto olhava para a mesa, como se o plástico transparente da toalha sobre a madeira escura fosse assim tão interessante. Quando acabei meu lanche, deslizei uma mão na outra para retirar as migalhas restantes.
— Vou escovar os dentes! — avisei, ao me levantar.
— Come uma fruta antes, Júpiter
— Está bem! — ergui as sobrancelhas enquanto pegava uma banana da fruteira — Pronto!
Comi a banana em três mordidas antes de subir para o banheiro. Bochechei a água para então pegar a escova e pasta e, enfim, escovar os dentes. Olhei para a menina cansada do reflexo, os pequenos vasos sanguíneos visíveis abaixo dos olhos e nas pálpebras, a tez. Todo desânimo foi substituído pelo nervosismo ao me lembrar que estava com um sarau marcado para hoje depois da aula e nem me lembrei.
A professora de português, no início do ano letivo, teve a incrível ideia de todo bimestre irmos em algum local tranquilo da cidade com o objetivo de cada aluno declamar um poema, uma música ou algo nessa linha.
— Merdaaaaa! — pronunciei fazendo uma careta — Como fui me esquecer? — perguntei, a mim mesma, mas ninguém respondeu — Vai Vinícius de Moraes mesmo, ao menos já decorei — pensei alto enquanto pegava meu livro de coletâneas sobre ele só para verificar se não esqueci meu soneto preferido. Ao ler e perceber que sei, anotei em um pedaço de papel por via das dúvidas, o nervosismo é um grande inimigo meu.
Olhei na folha o 'Soneto de Fidelidade', decorado por mim a não sei quanto tempo de tanto que meus pais falam de Vinicius, Tom Jobim, Elis Regina, Bossa Nova e blá-blá blá. Não somente eles, meus pais gostam de músicas bem antigas, não anos 70 ou 80, mas Nancy Sinatra - o Frank Sinatra também -, Dalva e Herivelto, The Platters, Bee Gees e a minha grande e preferida Maysa Monjardim, amo ouvir "Ne me quitte pas" e "Meu mundo caiu".
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2002
Romancelola | © 2021 SINOPSE: Júpiter está apaixonada por seu "melhor amigo" há não sei quanto tempo, na verdade, ela sabe as horas exatas de cada dia em que passou pensando nele, Augusto Vettel. Ele mudou-se para a Áustria com sua família há algum tempo...