capítulo 15

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Ausência

***

Estou deitada na cama do quarto, há uns bons minutos acordada, debaixo das cobertas quando minha mãe entra.

— Vou te levar a escola hoje, então se apressa! — assim que terminou sua fala, saiu apressada para o andar debaixo.

Mesmo sem qualquer ânimo, forcei-me a levantar da cama e arrumar para a escola. Vesti o uniforme automaticamente após tomar banho, depois peguei a mochila que fica perto da cama e desci para a cozinha.

— Bom dia! — mamãe diz, beijando minha cabeça quando adentro o cômodo.

— Bom dia! — murmuro sem vontade.

Estou sem energia até para disfarçar, o que mais queria era ficar na cama pelo resto do dia, na verdade, pelo fim de semana inteiro, porque nem o sábado com o Augusto me parece tão atrativo assim quanto antes. Parece tão exaustivo ter que me arrumar, sair de casa e encontrar ele, além do mais, provavelmente, será um desastre total.

— Arruma seu cabelo, filha! Está todo despenteado — diz ao olhar para mim da cabeça aos pés, faço uma careta ao pegar o amarrador de cabelo - que mais parece pulseira, pois vive no meu pulso - e fazer um rabo de cavalo.

— Está bom assim? — meu olhar de tédio encontra o seu e ela sorri, respondendo que sim.

— Agora toma seu café,s e não vou me atrasar — sacudo a cabeça diante de sua fala e me sento na cadeira da mesa da cozinha — Pega um pouco de leite pra você — apontou para a caixinha — Comprei aquele biscoito de leite que você gosta

Anui e alcancei meus biscoitos de nata.

— Obrigada!

— Por nada, meu amor — sorriu de onde estava, de pé perto da janela, seu costumeiro local.

Comi meus biscoitos junto com o leite enquanto olhava para a mesa, como se o plástico transparente da toalha sobre a madeira escura fosse assim tão interessante. Quando acabei meu lanche, deslizei uma mão na outra para retirar as migalhas restantes.

— Vou escovar os dentes! — avisei, ao me levantar.

— Come uma fruta antes, Júpiter

— Está bem! — ergui as sobrancelhas enquanto pegava uma banana da fruteira — Pronto!

Comi a banana em três mordidas antes de subir para o banheiro. Bochechei a água para então pegar a escova e pasta e, enfim, escovar os dentes. Olhei para a menina cansada do reflexo, os pequenos vasos sanguíneos visíveis abaixo dos olhos e nas pálpebras, a tez. Todo desânimo foi substituído pelo nervosismo ao me lembrar que estava com um sarau marcado para hoje depois da aula e nem me lembrei.

A professora de português, no início do ano letivo, teve a incrível ideia de todo bimestre irmos em algum local tranquilo da cidade com o objetivo de cada aluno declamar um poema, uma música ou algo nessa linha.

— Merdaaaaa! — pronunciei fazendo uma careta — Como fui me esquecer? — perguntei, a mim mesma, mas ninguém respondeu — Vai Vinícius de Moraes mesmo, ao menos já decorei — pensei alto enquanto pegava meu livro de coletâneas sobre ele só para verificar se não esqueci meu soneto preferido. Ao ler e perceber que sei, anotei em um pedaço de papel por via das dúvidas, o nervosismo é um grande inimigo meu.

Olhei na folha o 'Soneto de Fidelidade', decorado por mim a não sei quanto tempo de tanto que meus pais falam de Vinicius, Tom Jobim, Elis Regina, Bossa Nova e blá-blá blá. Não somente eles, meus pais gostam de músicas bem antigas, não anos 70 ou 80, mas Nancy Sinatra - o Frank Sinatra também -, Dalva e Herivelto, The Platters, Bee Gees e a minha grande e preferida Maysa Monjardim, amo ouvir "Ne me quitte pas" e "Meu mundo caiu".

2002Where stories live. Discover now