Cameron correu para chamar Amanda no mesmo momento que Gabriel tinha visto aquele reflexo. Era estranho ver outra imagem de outra pessoa, algo estava errado, mas segundo Cameron, aquele era o momento.
Gabriel não estava entendendo nada do que se passava ali.
Ele ainda não conseguia esquecer aquele reflexo falando com ele.
― Resolveu me contar agora, Cameron? ― Perguntou enquanto entrava na biblioteca.
― É mesmo ― Amanda comentou. ― Ele está cheio de segredos.
― Vocês têm que entender que tudo que vou mostrar aqui para vocês é verdade ― disse Cameron enquanto iam em direção a biblioteca. Ele voltou o olhar para Gabriel. ― Seu pai confiou essa informação a mim...
― Esse era o segredo que você estava escondendo de mim? ― Gabriel concluiu.
Cameron assentiu.
Gabriel olhou para Amanda que passava a mão sobre a skanteij sem parar. Era uma habito que ela tinha antes de receber a marca, ela não mudara. Gabriel achava que ela estava assim já que seus poderes também estavam quietos como o dele, a skanteij deixava seus poderes controlados, eram livres para andar pelo corpo, mas somente se manifestariam ao desejo de um dos dois. Ou ela poderia estar tão nervosa quanto ele por saber que Cameron tinha algo a contar.
Eles seguiram para biblioteca de Maika, onde várias prateleiras de livros se espalhavam pelo local, na mesa a frente deles, tinha um livro aberto. A capa de couro tinha um símbolo de uma ampulheta bordada. Gabriel já tinha visto aquele livro na primeira vez que tinha vindo a biblioteca.
― Memoria Vitae ― afirmou na mesma hora. ― Um livro de memórias.
― Sim ― Cameron correu para pegar o livro e pediu que Amanda e Gabriel colocassem as mãos sobre a folha aberta. ― Vamos para daqui 22 anos. Um pouco antes da Maldição dos Místicos.
Gabriel franziu o cenho.
O que a Lenda dos Místicos tem relação com o que Cameron quer me contar?
Ao colocar as mãos sobre o livro, sentiu uma leve pontada na skanteij. A biblioteca sumiu, como fumaça, e logo todos os móveis foram substituídos por um quarto com móveis de cor marrom e uma janela indicando estarem no alto. Gabriel reconhecia aquele quarto. Era o seu quarto no Castelo de Reagan.
O sol brilhava pela janela como em um dia quente de verão, a brisa soprava forte trazendo as folhas das árvores que cresciam no jardim do castelo.
Gabriel percebeu que o livro tinha sumido das mãos de Cameron.
― Estamos na Metrópole ― Cameron afirmou ao olhar ao redor. ― Esse é o seu quarto no presente, Gabriel, agora estamos no quarto de um dos antigos príncipes.
― Meu pai? ― perguntou Gabriel.
― Não ― respondeu Cameron apontando para porta, era possível ouvir passos de alguém subindo. ― De Kaime Mrak.
Um rapaz da idade de Gabriel surgiu na porta, seus cabelos eram escuros como a noite e bem enrolados. O olhar dele trazia uma certa malicia com aqueles olhos levemente avermelhados. Gabriel conseguia ver um pouco do pai naquele rapaz.
― Até que ele é bonito ― comentou Amanda ao olhar Kaime de cima a abaixo.
Gabriel olhou para ela.
― O que foi? ― Amanda retrucou. ― Não estou morta ainda.
― Esse é Kaime Mrak ― Cameron começou a explicar enquanto Kaime trocava a camiseta que usava. ― Filho de Hoen Mrak, seu avô, Gabriel.
A mente de Gabriel estava uma confusão.
Os três seguiram Kaime pelas escadas até o jardim do castelo onde ouviram o rapaz cantarolar sem parar enquanto olhava para o céu. O antigo príncipe sem perceber trombou com um outro jovem que lia um livro, não parecia ser muito mais novo do que Kaime. Pareciam ter uns dois anos de diferença. Seus cabelos eram curtos, olhos na cor na verde e sua pele era mais branca.
― Olá, Owen ― disse Kaime ao começar a pegar o livro que tinha caído no chão.
― Tome cuidado, Kaime ― respondeu Owen com uma cara fechada ao arrumar o colete azul.
― Vou tomar cuidado, irmãozinho.
Irmãozinho? Gabriel ficou confuso. Como que Kaime poderia ser irmão de seu pai, sendo que não tinham a mesmo sobrenome? Gabriel olhou para Amanda e percebeu que ela tinha a mesma expressão de surpresa.
Cameron por outro lado parecia estar confirmando algo que já sabia.
― Os Príncipes de Reagan ― explicou Cameron ao fechar a mão esquerda e cena congelar. Kaime e Owen ficaram parados olhando uns para outros. ― O Reino de Reagan sempre teve a Metrópole com seu centro comercial, temos outras cidades menores dentro de Reagan. E uma única família ficou responsável por governar essa cidade, os Mrak.
Cameron descongelou a imagem.
Kaime voltara a seguir seu caminho para a cidade.
Enquanto isso, Cameron contava a história do passado.
― Os Mrak sempre foram uma família que escondia qualquer envolvimento com a magia ― explicou Cameron ao passarem pelo portão do castelo. ― Existem algumas famílias humanas como os Kylos, Griffen, Specktrum, entre outras que ainda tem acesso a magia, não negam em usá-las nem descriminam quem usa. Também seria muita hipocrisia deles. Por isso são bem liberais.
"Mas, o jovem Kaime tinha pais que não pensavam assim, eram bem conservadores em relação a magia, não gostavam de se envolver com ela. E abominam qualquer um que mexesse com ela.", Amanda e Gabriel olharam para Cameron. "Somente alguns membros da família pensavam diferente. Owen e Kaime eram esses que não se encaixam nos pensamentos da família."
Gabriel não ficou chocado ao ouvir isso de sua família. Porém, já estava começando a desconfiar se aquela era mesmo sua família. Sempre cresceu com seu pai respeitando as pessoas por terem magia, mas escondia a magia do filho e do que as pessoas poderiam achar. Tanto que umas das razões de Gabriel temer sua magia, além do incidente da Torre Norte, era o medo que seu pai tinha lhe imposto que as pessoas iriam temer sua magia. Era algo confuso.
Kaime seguia pelas ruas como se soubesse para onde estava indo. As pessoas não eram muito diferentes do tempo de Gabriel, as roupas não tinham mudado quase nada. As fachadas das casas eram de cores sem vida, como se a felicidade não caísse sobre a cidade, uma cidade morta.
― Os Mrak também eram uma família muito orgulhosa ― Cameron voltou a contar. ― Não deixavam parecer sua fraqueza, por isso, evitavam ao máximo que os filhos se misturassem a ralé. Kaime, apesar de ser um príncipe em ascensão, nunca deixou isso dominar sua vida. Era forte em suas ideias, e principalmente no amor.
Seguiram Kaime até a Zona Fauna.
A casa onde ele parou era uma casa que Gabriel reconheceu na hora. A casa não tinha janelas, somente uma porta de madeira na entrada ao lado de uma árvore bem alta.
Era a casa de Yvon, mas o mesmo tempo não parecia ser dele.
Kaime bateu na porta e esperou por uma resposta.
Nada.
Mais uma vez e nada.
Logo em seguida uma fada de cabelos castanhos e olhos amarelos como sol parou lado de Kaime.
― Príncipe Kaime ― ela falou enquanto fazia uma leve reverência. As pessoas pareciam respeitá-lo. ― Kyara não está em casa, eu a vi saindo com algumas pessoas mais cedo.
― Muito obrigado, senhorita ― respondeu com uma reverência.
Kaime ficou parado ali por momento, parecia pensar para onde Kyara poderia ter ido. Passaram-se alguns segundos quando um menino, de no máximo cinco anos, entregou um papel dobrado para Kaime.
Amanda correu para ver o que era e, sua expressão não era boa.
― Sequestraram Kyara ― respondeu Amanda ao sair do lado de Kaime.
Cameron olhou para Amanda e Gabriel.
Correram para seguir Kaime.
***
O local onde Kyara estava era o covil das bruxas do clã Heda na Metrópole, um local que somente as bruxas têm acesso ou quem elas querem que tenha. Ele ficava dentro da Zona Morta da cidade, um local onde somente os malfeitores viviam ou aqueles que o Rei Hoen considerava malfeitores... Você poderia assassinar alguém ali que ninguém contaria a ninguém.
O covil era uma casa subterrânea que ficava ao lado de um bar.
As pessoas que viviam ali pareciam não ter nem o que comer, os humanos andavam sujos e com muita fome. Consequentemente, havia bastante Seres Sobrenaturais ali, o povo renegado da cidade, pelo menos naquela época. Gabriel sentiu um aperto no peito.
Ele conseguia sentir a energia da morte naquele lugar. A Zona Morta não existia em sua época, seu pai contava que o local foi mudado para Zona Vida depois de um tempo, mas conseguia entender o motivo. Já que o Rei Owen tinha criado o Tratado, não queria passar a imagem de que ali tinha aquele lugar cheio de morte e ignorância.
Ao entrar no covil junto com Kaime, desceram uma escada reta. Deram de cara com uma sala de estar enorme, sem um pingo de iluminação. De uma hora para outra, velas foram acesas quase que ao mesmo tempo. Kaime quase caiu para trás.
Um grupo de treze bruxas estava naquela sala que não tinha móveis. Todas elas usando vestidos na cor de sangue. Bruxas de Heda, pensou Gabriel. Acho que as coisas não vão ser legais aqui.
Não perceberam, mas Kaime ficou preso em um circulo feito de sal, um circulo que foi enfeitiçado para que ele não saísse. Kaime batia as mãos em um tipo de barreira magia.
Ao lado de Kaime tinha outro com uma garota amarrada em um outro círculo. Os cabelos dela eram vermelhos como fogo, seus olhos eram azuis como gritais e estavam inchados devido as lágrimas. Gabriel teve vontade de lançar seu poder para romper as cordas, mas sabia que aquilo era uma imagem do que tinha realmente acontecido há 22 anos.
― Isso me traz lembranças ruins ― comentou Amanda na mesma, ela estava congelada em seu posto, ao lado de Cameron.
Uma das bruxas, ela tinha cabelos escuros e olhos verdes, deu um passo frente.
― Olá, Kaime ― disse a bruxa com uma voz melódica. ― Viu que pegamos algo que você tanto ama ― ela apontou para Kyara enquanto dava voltas no círculo de sal de Kaime. ― Você sabe que queremos, não ?
― Eu já disse que não posso fazer nada, Vanan ― respondeu Kaime na mesma hora. ― Eu tentei impedi-lo, se meu pai matou... algumas bruxas do seu clã, eu e Owen vamos consertar. Estou próximo da coroação, eu como próximo Rei, posso mudar as coisas... Só precisam...
― Não temos esse tempo de espera... ― Vanan respondeu. ― Nós vamos continuar sendo mortas, e ninguém vai pagar por essas mortes. Seu pai foi quem mais matou as bruxas do nosso clã, seu avô, seu bisavô, todos os Mrak sempre nos odiaram, todos os Seres Sobrenaturais. E como nós sempre dizemos...
― Sangue só se paga com sangue ― ecoaram as bruxas em um único som.
Kyara ficou inquieta dentro do círculo ao ver as bruxas puxando adagas curtas de seus vestidos. Seus olhares eram maldade nua e crua.
― Não, por favor, não ― Kaime suplicou ao perceber o que iria acontecer. ― Não a mate, eu faço o que vocês quiserem! Kyara é só uma humana, ela não tem relação com os Mrak!
― Mas namora um ― respondeu uma outra bruxa.
― E não se preocupe ― Vanan ria enquanto passava a mão pelo rosto de Kaime. ― Não seremos nós a matá-la.
Vanan com um único movimento das mãos, incendiou os círculos sal.
Kaime e Kyara gritaram na mesma hora como se suas entranhas estivessem sendo queimadas. Suas peles começaram a ferver, literalmente, como água quando está muito quente. Queimaduras começaram a aparecer por seus corpos...
― Não vão querer ver isso ― disse Cameron ao fechar as mãos e tudo ficar branco com uma folha de papel.