Todos estavam reunidos no restaurante da estalagem para receber a mensagem que o arauto da corte veio anunciar. O homem de chapéu engraçado surgiu na porta da Estalagem de Emelia tocando um sino em sua mão e trazendo consigo dois acompanhantes que carregavam grandes caixotes.
"Hoje será a noite de cumprimentos aos quatro bravos guerreiros que irão participar do Desafio das Estações para celebrar o fim da estação de primavera. Um dos quatro nomes apresentados e aceitos foi o de Adamor, membro da Ordem dos Cavaleiros de Edaron. O banquete será realizado no anoitecer, na Casa das Canções, no Castelo da Corte. Para que essa noite seja especial para cada um dos participantes, é com muita satisfação que Orsolis, a Contadora dos Lucros deu-se ao trabalho de selecionar estes trajes formais para que a apresentação dos participantes seja o mais agradável possível. A família real aguarda ansiosamente por sua presença nessa noite."
Terminada a leitura do pergaminho, o arauto acenou com a cabeça e os rapazes ao seu lado empurraram os dois caixotes para frente. Adamor e todos os outros observavam em silêncio os movimentos das três figuras. Após a ação, o homem virou-se para trás sem dizer mais nada e retirou-se do estabelecimento, assim como os dois que o acompanhava.
— Quem era o estranho de chapéu? — Talion perguntou após descer as escadas para chegar ao andar inferior.
— Ele é um arauto da corte. Veio anunciar que o meu nome foi aceito para participar do Desafio das Estações. — Adamor respondeu.
— O que tem naquelas caixas?
Mercel e Roren arrastaram as duas caixas e as colocaram em cima de uma das mesas por ali. Vendo que não possuíam nenhuma ferramenta adequada para abrir a tampa dos caixotes, Borbon empunhou sua espada e estraçalhou a parte superior das caixas até que ambas estivessem abertas por completo.
— Poderia ter feito menos bagunça. — Roren criticou ao ver os estilhaços de madeira.
Os jovens se adiantaram em conferir o que havia ali dentro, e esboçaram estranhamento ao segurarem as peças de roupa em suas mãos.
— Isso aqui é para quem? — Adilan analisava cada detalhe daquele traje.
— Aparentemente, para todos nós.
No interior de cada caixote, havia peças de roupas delicadamente dobradas. Um deles mantinha apenas trajes para os quatro cavaleiros e o outro para os quatro jovens, incluindo um vestido para Eurene. Cada um deles pegou uma roupa para observar e tentar decifrar quais eram destinadas a quem.
— Isso é para mim? — Devin perguntou ao ver um gibão de couro amarelo.
— É a menor roupa que tem aqui, só pode ser para você. — disse Eurene.
— Trajes de couro bege — Roren comentou. — Acho que a princesa foi bem específica quando indicou você e seus companheiros, chefe.
— Parece que cada roupa foi selecionada de acordo com o porte de cada um de nós. — disse Mercel. — O banquete realmente exige uma aparência mais formal possível.
— Pois então vamos passar vergonha quando eles virem a falta de modos do Borbon.
— Acha que eu não sei me comportar em uma festa, Roren? Esses nobres vão estar muito ocupados conversando para prestar atenção se eu sei ou não usar os garfos certos.
— Todos nós temos que ir? — Eurene perguntou. — Eu não quero usar este vestido.
— A princesa deu os nomes de todos nós, Eurene, e estas roupas foram selecionadas especialmente para nós. Seria um tremendo desrespeito se alguém aqui deixasse de comparecer e exibí-las nesse banquete.
— Parece até que eles estão mais interessados nessas roupas do que em nós.
— São coisas da nobreza.
Uma hora era o tempo restante para que o sol desaparecesse no horizonte das tardes de Asmabel. Os companheiros puderam observar o grande número de carruagens que percorriam as ruas da cidade em direção ao castelo. Aparentemente, muitos nobres se deram ao trabalho de comparecer mais cedo na celebração.
No quarto da estalagem, os irmãos terminavam de se preparar. Devin encontrou certa dificuldade para colocar o gibão amarelo, mas poupou-se de pedir ajuda à irmã. Seu traje era simples e sem muitos detalhes, apenas alguns botões no centro, mangas justas e calça marrom. Para ele, o mais difícil foi enfiar seus pés naquelas botas apertadas.
Eurene estava no banheiro, a garota esforçava-se para ajeitar a cintura do vestido vermelho. Era um vestido de linho com alguns detalhes em dourado. Sua saia era longa e, ao contrário de outros estilos comuns, não era estufada. As mangas justas lhe causavam incômodo, pareciam beliscar sua pele toda vez que fazia algum movimento com os braços. Mas esse era um pequeno detalhe que ela teria que ignorar.
Por se tratar de uma festa da realeza, Eurene tentou buscar em sua imagem qualquer defeito ou erro na aparência. Certamente uma mínimo descuido poderia ser motivo de risos das garotas prepotentes que habitam aquele castelo. Se alguém rir de mim na minha frente, pode ter certeza que vai sair de lá com um dente a menos, pensou enquanto observava a si mesma no espelho.
— Essas botas são muito apertadas! — Devin ainda esforçava-se para calçá-las.
Eurene saiu do minúsculo banheiro e foi de encontro ao irmão sentado na cama. Ajoelhou-se e o ajudou a calçar o par de botas de couro.
— Elas são menores do que o seu pé. Acho que a princesa deve ter pensado que você era mais baixo. Não a culpo por isso. — suas palavras certamente tinham a intenção de irritar o menino.
O vestido ainda não era do agrado de Eurene. A cada passo que ela percorria no quarto, seus olhos involuntariamente se viravam para o balanço da saia do vestido e todo o movimento que ela fazia. Rodou para um lado, rodou para o outro, e ela ainda não havia se acostumado com aquele monte de tecido vermelho.
— Você acha que eu... estou bonita?
Devin estranhou a pergunta.
— Não. Você tá parecendo a fita de um presente.
A resposta não a agradou, mas ela lembrou-se que se tratava de seu irmão. E irmãos não costumam ter a capacidade de elogiar um ao outro. Mas por algum motivo, ela acabou por entregar-se aos risos. Assim como o menino.
Em meio ao divertimento dos dois, a porta do cômodo foi aberta e Idarcio adentrou o quarto.
— Oh, que ótimo ver que vocês estão se divertindo por algum motivo, meus caros.
— Minha irmã me perguntou se ela estava bonita e eu disse que ela parecia uma fita de presente.
— Oh, e não é que parece mesmo? Teve uma boa criatividade em associá-la à uma fita, Devin.
— Já podem parar com isso. — Eurene assumiu uma feição impaciente.
— Desculpe-me, minha cara Eurene. Se me permite dizer, está bela nesse vestido. A cor carmesim é muito condizente com a sua personalidade e aparência.
— E isso é bom ou ruim?
— Bom... se essa cor lhe agrada os olhos, então é algo bom, sim.
— Eu gosto da cor, o que eu não gosto é deste vestido. Parece muito aqueles vestidos de filhas mimadas por famílias nobres.
— Você há de concordar que não seria algo visivelmente bonito caso as mulheres passassem a usar roupas mais masculinas, não?
— Não sei. O que eu acho é que eu deveria usar o que eu gosto, não o que agrada a eles.
— E você? — Devin perguntou. — Ganhou roupas novas?
— Ora, essa minha roupa já é nova, meu amiguinho. Eu a comprei há poucos dias atrás. Além do mais, sou um andor, devo vestir-me de forma condizente com o meu papel.
— Mas você não é conselheiro — Eurene salientou. — Qual é o seu papel?
— Ser um andor — de alguma forma resposta estava na ponta da língua. — Agora, vamos descer? Nossos companheiros nos aguardam.
No andar inferior da estalagem, os demais terminavam os últimos ajustes e observações em suas vestimentas. Os quatro cavaleiros foram contemplados com trajes de couro na cor bege, todos possuindo botões no centro e uma gola alta. As calças eram justas e as botas de cano fino.
— Não está folgado suficiente. — Borbon bufava pelo esforço de abotoar os botões em sua barriga.
— As costureiras fizeram o traje baseado na sua grande altura mas se esqueceram da sua grande barriga.
— Cale a boca, Roren.
— Até que eu gostei dessa roupa, estou parecendo um príncipe de verdade. - aparentemente, Talion era o único a demonstrar satisfação em vestir o gibão castanho.
— Você está longe de ser um príncipe, eu garanto. — disse Adilan.
— Você está com inveja, irmãozinho.
— Por que eu estaria? Nossas roupas são idênticas.
— Vocês dois estão parecendo verdadeiros príncipes, meus queridos. — Laurelia aproximou-se de Adilan e começou a pentear seu cabelo com uma escova. Fazia isso como se o rapaz ainda fosse um menino prestes a ir numa festa de outras crianças.
— Chega disso, mãe. Não quero que penteie meu cabelo.
— Vocês vão levar suas espadas? — Talion perguntou para Adamor.
— Não acho que seria adequado. Estamos indo para confraternizar, e não para ostentar nossos títulos.
— Devemos nos lembrar que acima de confraternizar, estamos indo para que todos conheçam o nome de Adamor — Mercel esclareceu. — Portanto, qualquer imprevisto ou confusão por parte de um de nós poderá prejudicar a sua imagem.
— Mercel está certo. Além do mais, ainda não desistimos de ganhar a confiança de algum daqueles nobres para apoiar a nossa causa. Manter uma boa impressão é um fator essencial, meus amigos.
— Pode deixar, Adamor — disse Talion. — Nós vamos causar uma boa impressão nessa festa.
Nesse momento, Filo desceu saltitando os degraus da pequena escadaria. Logo atrás de si veio Devin causando barulho com suas botas; Idarcio trazendo seu bastão e, por último, Eurene segurando a borda de seu vestido. A garota descia com os olhos voltados em seus pés para não tropeçar naquele monte de tecido. À medida que descia, era seguida pelos olhares curiosos dos demais lá embaixo.
Quando se pôs diante de todos, a garota abaixou o olhar e mostrou-se terrivelmente constrangida em aparecer daquela forma.
— Oh, como você está linda, querida. — Laurelia foi até a garota e a envolveu em seus braços para trazê-la para frente.
— Obrigada. — sua voz saiu mais baixa do que ela esperava.
— Nossa. Você está muito bonita. — Talion a elogiou quando a mesma passou perto de si, mas ela não o respondeu, apenas o olhou e esboçou uma expressão que ele não soube decifrar se tratava-se de um sorriso ou não.
— Acho que é a hora adequada para irmos. — anunciou Adamor.
— Concordo plenamente, eu mal posso esperar para saborear os inúmeros pratos que serão servidos. Ah, eu já posso até vislumbrá-los em minha mente.
Sem perder tempo, Idarcio tomou a iniciativa de caminhar para fora da estalagem. E logo foi seguido pelos demais.