- As Rivalidades dos Nobres -

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Metade da quantidade total de alimentos produzidos nesta última estação de primavera, esta é a ordenança de Sua Majestade, o Rei Valandir de Vordia. Os produtos devem ser transferidos em carruagens de acordo com a preferência do emissor e serão entregues próximo à Fronteira Tortuosa. Duas semanas é o tempo fornecido para que a negociação seja completa; caso contrário, poderá haver consequências severas para os moradores do Vilarejo Erban de Asmabel. Além disso...

— Absurdo! 

Malfen imediatamente saiu de seu transe mental quando o homem bateu fortemente o punho na mesa. Abriu os olhos e em um segundo estava de volta ao aconchegante escritório do Senhor Erban. 

— Metade da quantidade total de alimentos produzidos — o homem analisou enfurecido. — É inacreditável a ousadia desse reizinho vordiano!

O Senhor Erban já havia acordado de mau humor nesta manhã mas agora sua insatisfação alcançou o mais alto dos níveis. O governante do vilarejo era um homem gordo de cabelo cuidadosamente penteado para trás. Ao contrário dos demais moradores, ele sempre usava cores simples em seus paletós devido seu desagrado com cores exuberantes. 

Na verdade, seu gosto rústico era evidente por toda sua grande residência. O escritório em que ambos estavam era diariamente limpado e polido. As estantes repletas de livros não apresentavam nenhuma teia de aranha e a lareira estava cheia de madeira pronta para ser queimada. Potes de tinta e rolos de papel estavam espalhados pela lustrosa mesa e uma garrafa de vinho mantinha metade de seu líquido. 

Após uma sutil melhora de humor, ele virou-se para sua mesa diante de uma janela fechada e sentou-se folgadamente em sua larga cadeira. 

— Quem foi o andor emissor da mensagem? — ele perguntou enquanto servia-se de uma taça.

— Omiran, o próprio Andor Conselheiro do Rei — respondeu Malfen obedientemente. 

— Há! Aquele velho bajulador? Nada de anormal. Depois de tantos anos de sua nomeação ele ainda continua lambendo as botas de Valandir. 

— Ora, lamber as botas dos nobres não é uma das obrigações dos andors conselheiros?

A tentativa de fazer seu nobre senhor rir não foi bem sucedida. Ao invés de risos, Erban lançou-lhe um olhar de reprimenda.

— Então você lambe minhas botas? Todos os elogios a mim não passam de falsidades e bajulações? — Erban inclinou-se sobre a mesa para encará-lo. 

— Claro que não, meu nobre senhor. 

Para os asmabelianos, mentir e omitir a verdade eram escolhas totalmente diferentes. 

Mas Malfen não era apenas um asmabeliano comum, ele era um andor. Devido à isso, seu comportamento e sua aparência deviam ser coerentes com as de um leal andor conselheiro. Ao contrário dos demais moradores, sua vestimenta devia ser a mesma todos os dias. Suas vestes não passavam de um roupão fino levemente branco que iniciava-se em seus ombros e estendia-se até abaixo dos joelhos. Uma calça marrom cobria suas pernas e botas de couro cobriam seus pés. Ombreiras e longos braceletes eram de couro marrom e um grande cinto elevava-se até a altura de seu umbigo. Além das roupas, havia outra coisa que o identificava definitivamente como um andor, seu bastão. 

— E pensar que essa primavera foi uma das mais férteis que já vivi nesse humilde vilarejo — Erban comentou enquanto degustava seu vinho. 

— Então o senhor considera atender ao pedido do Rei Valandir? 

— Está louco?! Quando eu estiver morto eu me submeterei às ordens dele. Nem mesmo se estivéssemos com trinta armazéns cheios eu não lhe daria um único grão. Jamais o obedeceria sob ameaça alguma. Ele não é meu rei. Nem o seu. Portanto pare de chamá-lo de "Rei Valandir".

A Pretensão dos CavaleirosWhere stories live. Discover now