- O Conto do Primeiro Cavaleiro -

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De uma maneira ou de outra, Eurene finalmente podia dizer que as coisas haviam se tornado diferentes agora. A curiosidade de descobrir o que poderia existir além dos campos daquele humilde vilarejo continuava a consumí-la por dentro, mas esse desejo era apaziguado pelo prazer de estar entre as pessoas que ela amava. 

Os dias voltaram a ser como eram antes. A cura da enfermidade de Eugus veio como uma melhora na incômoda rotina que Eurene via-se obrigada a fazer. Agora não era somente sua a responsabilidade de ordenhar os fedorentos vorgos todas as manhãs pois Eugus também o fazia, e em seu lugar a menina enfileirava na vitrine as tortas que Devin levava para a padaria à medida que Nirene terminava de assá-las e esquentá-las. 

Embora não fosse espontânea e eufórica como o pai, ela saía-se bem no atendimento com os primeiros clientes que apareciam no início da manhã. Talvez seu sucesso devia-se por ela já ser familiar aos olhos de cada morador. Decerto que Eugus não costumava demorar muito no trabalho com os animais no curral pois em seu interior existia o receio de algum cliente deparar-se com o humor afiado de sua filha. Um cliente a menos sem dúvida era uma considerável vantagem para sua rival, a Senhora Lolene. 

Ao cair da noite, o banheiro tornava-se o cômodo mais visitado da casa. Não havia ordem hierárquica ou prioridade de quem poderia limpar-se primeiro, esse prêmio era atribuído a quem conseguisse chegar primeiro ao pequeno cômodo. Talvez essa falta de hierarquia familiar dentro de uma moradia seja uma mínima dessemelhança entre os asmabelianos e os vordianos. 

Sem o menor resquício que uma repentina preparação de tortas havia acontecido ali, ambos mãe, filho e filha sentaram-se na mesa retangular no centro da sala e permaneceram fazendo uma das poucas atividades que era acessível para o entretenimento dos moradores, ler. 

— Uma ideia cujo significado sempre deve ser respeitado e estudado. A falsa idolatria é um ato de gravíssima repug... repug... 

— Repugnância — Nirene completou, vendo que o menino não conseguiria pronunciar a estranha palavra. 

— Mas o que é repugnância? 

— É um sentimento de nojo, de aversão a alguma coisa. 

O pequeno não demonstrou nenhum sinal de entendimento. 

— Agora pergunte se ele entendeu o que você acabou de explicar, mãe. 

Devin claramente se incomodou com o comentário da irmã sentada em sua frente.

— Ele só vai entender o que está lendo quando aprender o significado de cada palavra desconhecida. Foi assim que eu aprendi a ler e é assim que você também aprendeu, Eurene. 

— Lendo livros chatos? Talvez as pessoas gostassem mais de ler se só existissem livros interessantes. 

— Todos os livros são interessantes. Cada livro tem algo novo a nos ensinar. Por que você acha que o Senhor Erban tem uma biblioteca repleta de livros na residência dele? 

— Para ganhar o dinheiro das pessoas que vão lá só para comprá-los?

Nirene sentiu um ar desafiador na resposta da menina, no entanto não irritou-se pois assumiu para si mesma que havia certa veracidade naquelas palavras. 

Enquanto cada um continuava sua leitura individual, Eugus saiu da cozinha trazendo consigo uma panela contendo algum líquido fervente cujo odor despertou o apetite de Devin. Devido ao esforço diário de Nirene em preparar as diversas tortas, Eugus tomara para si a tarefa de preparar o jantar nas últimas noites. Os quatro não tardaram em comer e serviram-se logo com a sopa. Nirene colocou o prato de Devin e o menino não esperou a líquido esfriar para tomá-lo. 

A Pretensão dos CavaleirosDove le storie prendono vita. Scoprilo ora