- Um Beijo de Despedida -

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Fenuella não poderia de forma alguma deixar de ir se despedir dos cavaleiros. E de Adilan também. Logo após o amanhecer, a princesa deixou os aposentos reais e cavalgou até a Estalagem de Emelia. O cervo Amedune estava muito belo nesse dia, decerto seu pelo castanho foi cuidadosamente escovado.

Logo quando chegou no estabelecimento, foi ver Talion em seu leito e mostrou-se contente com a repentina melhora do rapaz. Foi nesse momento que soube da eminente partida de Adilan e seu irmão.

— Você vai deixar a cidade? Por que? — perguntou ela sem contratempos. Pela sua expressão facial, nem mesmo Adilan sabia como responder aquela pergunta.

Os dois afastaram-se dos demais para conversar, deixaram a estalagem e sentaram-se na calçada da rua. Era uma rua estreita, semelhante à uma viela e quase ninguém passava por ali naquele horário.

— Para falar a verdade, eu não tenho um motivo real. — Adilan tinha grande dificuldade em expressar seus pensamentos. Seus olhos transmitiam isso. — Eu apenas acredito que posso encontrar coisas novas lá fora. Que posso ganhar conhecimento, aprendizado. Que posso ser mais. Não se trata de ter mais, mas ser mais. Você entende o que eu quero dizer? — Fenuella permaneceu fitando seus olhos por um longo e silencioso tempo, tentando absorver as palavras daquele rapaz confuso. — Pelo visto não.

— Não, eu entendi sim — disse ela. — Mas eu não consigo aceitar. Você não precisa ir. Não quero que você vá.

— Sei que não preciso. Na verdade, sou o que menos precisa ir nessa jornada. Todos no grupo têm aptidão para o uso da espada, até mesmo aquele menino, o Devin. Meu irmão perdeu um braço mas pode usar o outro. Mas e eu?

— É o que mais sabe das coisas.

As palavras dela lhe arrancaram um sorriso.

— Obrigado. Eu gostaria muito que isso fosse uma virtude reconhecida por todos. Mas no mundo em que vivemos, o mais forte é o respeitado, e não o mais inteligente.

— Bom, talvez você possa ajudar a mudar isso. — Ele virou-se para ela na esperança de que recebesse um esclarecimento daquilo. — Não me olhe assim, não faço ideia de como isso seria possível.

— Você percebeu que acabou de me dar mais um motivo para eu ir?

Ela bufou de insatisfação.

— É. Talvez você seja mais útil lá fora do que aqui — disse ela. — O rei com certeza não vai colocar um plebeu no lugar do Andor Conselheiro.

— Eu poderia ser o prometido à princesa. Que tal?

— Seria se dependesse de mim. Não pretendo noivar por agora, para que a corte não me pressione a arranjar um paspalho nobre qualquer.

— Esperar o pai morrer para anunciar o pretendente é algo bastante horrendo, não acha?

— Hmm, se não quiser ser esse pretendente basta me dizer. — Ela cruzou os braços em irritação pelas palavras dele. — Posso arranjar outro marido agora mesmo. Aposto que aquele padeiro ali adoraria ser.

— Não diga uma coisa dessas. Sou capaz de esperar décadas para que isso se concretize.

A declaração dele a agradou.

— Não vai levar tanto tempo assim — disse ela. —Isso é, se você voltar, claro.

— Acha que é tão provável que eu morra?

— Você quer que eu seja gentil ou honesta?

Adilan suspirou e abaixou a cabeça. Teve a impressão de que às vezes ele se esquecia dos possíveis perigos que encontraria enquanto estivesse fora da cidade. Talvez estivesse perdendo sua sensatez e racionalidade.

— Sei que por uma lado você diz isso para que eu decida ficar aqui. Mas também é a mais pura verdade.

— Não se preocupe tanto, senão pode acabar ficando covarde. Não quero um noivo covarde.

Adilan abriu um leve sorriso e a olhou de soslaio.

— Até hoje eu não entendo como uma princesa foi se interessar por mim. Mal me lembro da última garota que trocou palavras comigo sem ser para me ofender.

— Hunf, não se rebaixe por isso. Garotas são cruéis.

— E os homens são imbecis.

— Mmm, está aí a resposta para o seu questionamento. Foram as suas interpretações que me fizeram interessar por você. Isso e o modo de me tratar, é claro.

— Quem ousaria maltratar você? — indagou ele surpreso. — O último que fez isso certamente já deve estar morto.

— Não, seu bobo. Me refiro a sinceridade, honestidade. A gostar de mim sem ser por interesse hierárquico.

De repente, Adilan pensou em como era inacreditável aquilo. Os dezesseis anos de sua vida foram marcados pela ausência de amizades sinceras, as únicas pessoas que poderia confiar fielmente em momentos árduos eram sua mãe e seu irmão. Mas agora as coisas eram diferentes, tinha mais alguém ao seu lado. E cada vez mais ele tinha absoluta certeza disso.

— O privilegiado aqui sou eu, Ella.

— Mas que apelido é esse? Nem meu pai me chamaria assim.

— Foi o que veio na minha cabeça agora.

O olhar contido do rapaz a agradou.

— Quero pedir uma coisa — ela continuou. — Quando vocês deixarem Gandalar e marcharem pelas Pradarias, volte para cá. Não quero que vá para a batalha. Até os melhores soldados morrem na guerra.

— Não se preocupe, eu também prometi à minha mãe que não irei para Vordia. Voltarei para cá assim que terminarmos com Gandalar. — disse ele. Ela apenas concordou com um sorriso sem graça. Vendo o desagrado da garota, Adilan inesperadanente lembrou-se de algo. — Quero te dar uma coisa.

Ainda sentado, ele inclinou-se na calçada e abriu a pequena bolsa em seu cinto, retirou de lá o livrinho que costumava escrever desde quando morava no moinho do Vilarejo Ossoris. Quando Fenuella o pegou, passou a mão pela capa de couro escuro e o abriu, viu ali um amontoado de folhas de papiro repletas de linhas escritas.

— Por que está me dando esses escritos?

— São coisas que eu escrevi, são minhas opiniões de como o nosso mundo poderia ser melhor. Você será rainha um dia, talvez isso te ajude na sua jornada. Ou talvez não.

Ela passou algumas folhas e viu que algumas delas ainda estavam em branco, pensou em perguntá-lo se fosse de seu desejo que ela continuasse os escritos, mas aparentemente reconheceu que não.

— Vou ler ele todo.

Adilan abriu um sorriso de canto de boca, foi o máximo que conseguiu fazer pelo sentimento tristonho que lhe afligia. Fenuella foi mais ousada, como de costume. Aproximou-se dele e lhe deu um beijo, um beijo longo e quente, como se fosse o último que poderia lhe dar na vida. E talvez realmente fosse, considerando a perigosa jornada que Adilan escolhera participar. Quando os dois enfim concordaram que estava na hora de retornar para os demais, saíram andando de mãos dadas até onde não havia ninguém para os observar.






A Pretensão dos CavaleirosWhere stories live. Discover now