A Pretensão dos Cavaleiros

By fbcioprudente

43.2K 4.3K 4.9K

O humilde Vilarejo Erban do Reino de Asmabel passou pela mais produtiva das primaveras e a adolescente Eurene... More

| APRESENTAÇÃO |
- Mais Um Belo Dia em Asmabel -
- Tal Mãe Tal Filha -
- O Confeiteiro Enfermo e Seus Desejos -
- O Debate dos Confeiteiros -
- Pães, Bolos e Tortas -
- As Rivalidades dos Nobres -
- A Coroa e o Cajado -
- O Respeitado Rei de Vordia -
- O Conto do Primeiro Cavaleiro -
- O Massacre do Vilarejo -
- Um Confortável Moinho -
- O Filho Esquisito e o Filho Estúpido -
- Um Trabalho Muito Honesto -
- Os Quatro Cavaleiros Irmãos -
- Hora de Uma Nova História -
| COMENTÁRIOS |
- A Incontestável Crença Alial -
- Uma Proposta Tentadora -
- As Crianças Sem Rumo -
- O Mendigo Caridoso -
- A Trapaça dos Competidores -
- Um Norsel, Um Trenó e Um Punhal -
- Harmonia Mágica e Natural -
- A Fabulosa Cidade de Asmabel -
- O Chefe da Ordem dos Ejions -
- Uma Fagulha de Esperança -
- Desavenças na Estalagem -
- Solidariedade e Consequências -
- O Cavalo e o Bispo -
- As Melhores Intenções -
- A Casa da Justiça -
- A Grandiosa Cidade de Vordia -
- A Oportunidade Perfeita -
| COMENTÁRIOS |
- Florescer de Sentimentos -
- A Princesa dos Cervos -
- O Próximo Plano -
- A Fúria do Príncipe -
- A Revolta dos Alunos -
- O Intenso Fogo Branco -
- O Jardim das Rosas Brancas -
- Um Menino Frustrado -
- A Ponte da Marcha -
- Muitas Roupas Para a Festa -
- Um Banquete Deslumbrante -
- Presentes da Primavera -
- A Princesa e o Plebeu -
- O Príncipe e a Donzela -
- A Rainha e o Cavaleiro -
- Uma Péssima Manhã -
- A Aprendiz e o Mestre -
- O Verdadeiro Poder -
- O Primeiro e Segundo Teste -
- O Terceiro e Quarto Teste -
- Um Treinamento Intensivo -
- A Arena de Brolom -
- Os Guerreiros e o Monstro -
| COMENTÁRIOS |
- Um Último Juramento -
- A Honra da Espada -
- A Sagrada Árvore Alial -
- O Quinto Teste -
- Um Comandante Imprestável -
- As Exigências do Rei -
- Uma Batalha Feroz -
- Derrotas, Vitórias e Mais Derrotas -
- Um Pai, Dois Filhos e a Madrasta -
- Um Ressentimento Profundo -
- As Baixas da Batalha -
- O Duvidoso Destino do Reino -
- Juramento de Lealdade -
- O Filho Indeciso e o Filho Inútil -
- Um Beijo de Despedida -
- A Partida da Cidade de Asmabel -
- O Recomeço dos Ejions -
- Os Andors Selecionados -
- O Jantar Real -
- Uma Coroação Ilegítima -
| AGRADECIMENTOS |

- O Bondoso Rei de Asmabel -

319 40 7
By fbcioprudente

O castelo elevava-se ao céu até uma altura além da visão de quem o observava de perto. O trio precisou atravessar metade da cidade para chegar até o guarnecido Castelo da Corte. Ao longo do percurso, foi possível notar que a quantidade de guardas patrulhando pelas ruas aumentava consideravelmente. Além de outras diferenças sutis, as residências que pertenciam àquela área da cidade exibiam, em sua maioria, proporções maiores do que as outras simples moradias nas proximidades da muralha. O último espaço público que eles atravessaram antes de chegar à base do castelo foi uma ampla praça a céu aberto onde poucas pessoas transitavam. 

Após subirem uma larga escadaria branca com guardas posicionados nas laterais, eles se viram diante de um alto portão de madeira negra, este possuía figuras esculpidas por toda sua extensão. Duas fileiras de guardas posicionados com lanças pelos lados do portão mantinham sua proteção. 

O trio desacelerou os passos à medida que se aproximavam da entrada do castelo. Eurene os analisou por alguns segundos e não pôde deixar de associar aqueles homens à estátuas. Adamor seguiu em frente com a cabeça erguida e Idarcio mantinha-se ao seu lado. Quando chegaram à um metro de distância dos dois guardas principais, eles pararam e se alinharam um ao lado do outro. 

— Bom dia, valorosos guardas — cumprimentou o cavaleiro. 

O militar deu um passo a frente para recepcioná-los. 

— Identifiquem-se, por favor. 

— Meu nome é Adamor, sou um líder cavaleiro proclamado por Edaron e membro da Ordem dos Cavaleiros. 

O guarda virou-se para o andor. 

— Meu nome é Idarcio e sou um andor, como você pode comprovar pelo bastão alial que carrego em minha mão. Este animal branco é o Filo, ele é um flito e meu companheiro de viagem. 

Quando chegou a vez de Eurene se apresentar, ela percebeu que deveria ter se preparado antecipadamente para tal. 

— Meu nome é Eurene. E eu... sou uma menina. 

Apesar do estranhamento do guarda, a apresentação dada pareceu ser satisfatória.

— O que vocês desejam no Castelo da Corte?

Adamor tomou a voz do trio. 

— Nós gostaríamos de solicitar uma audiência com o rei. 

— E qual seria o assunto dessa audiência? 

— Se trata dos recentes conflitos que o Reino de Asmabel está enfrentando em relação ao Reino de Vordia. 

— Antes de informar qualquer membro da corte sobre a sua presença, eu preciso que você me diga o grau de urgência da realização dessa audiência. Vocês devem saber a gravidade que seria solicitar a presença do rei se o assunto não for extremamente importante.

— Eu estou muito ciente dos possíveis riscos que estou me submetendo aqui agora, nobre guarda. Por isso eu lhe garanto, o assunto que queremos tratar é de altíssima urgência e interesse do rei. 

Após uma breve troca de olhares pesados, o guarda virou-se para trás e deu duas batidas com sua lança no portão. As portas dividiram-se e o homem logo entrou.

A Casa das Canções estava repleta por uma junção de melodias agradáveis aos ouvidos. Sentadas em uma fileira de bancos, havia um quarteto de meninas que, apesar da pouca idade, manuseavam habilmente o arco pelas cordas das rabecas. O luxuoso salão estava preenchido por outras garotas que acompanhavam o desempenho do quarteto, todas permaneciam sentadas em bancos e aguardavam a sua vez de mostrar seu aprendizado. O ambiente era tomado por uma aura amarela devido a luz do sol que adentrava pelas janelas. Também havia algumas senhoras de longos vestidos e penteados extravagantes, elas tomavam café em mesas redondas e pareciam usufruir da melodia que preenchia aquela manhã. 

Tudo caminhava para uma excelente finalização na apresentação das concentradas meninas. No entanto, um horrível ruído cortou a harmonia. Todas as que estavam presentes viraram-se para a responsável do ato. A pequena aluna, vendo que tornou-se o centro das atenções, abaixou a cabeça e esperou pela repreensão que iria receber. 

Uma mulher se aproximou da receosa menina, tocou-lhe gentilmente no queixo e ergueu sua cabeça. 

— O que aconteceu, minha doce Merella? — Sua voz era agradável e sua expressão transmitia compaixão. 

— Eu perdi a concentração.

— Você sabe que não pode perder a concentração, minha querida. Se você sair da harmonia, vai comprometer toda a melodia. 

— Eu sei. — Ela abaixou os olhos tristonhos.

— Não se esqueça disso, tudo bem? Agora pode guardar a sua rabeca e sair daqui. Você ficará sem aulas de música pelo próximo mês para que aprenda a não perder a concentração novamente. 

A mulher ergueu-se e assumiu uma postura ereta diante da criança. Por sua vez, a pequena Merella segurou os prantos e adiantou-se em levar o instrumento para o canto do salão. Em seguida, pegou uma apostila de capa escura e atravessou todo o local em passos apressados para chegar à saída. Levou consigo olhares de preocupação e de reprovação por parte das jovens colegas. 

— Vamos continuar?

Antes de todas as alunas retomarem a canção de suas rabecas, um guarda entrou cautelosamente pela porta, pôs-se ao lado da mulher e curvou a cabeça. 

— Com licença, Majestade. 

— Sim? — Ela virou-se para ele. 

— Há três pessoas no portão do castelo, eles solicitam uma audiência com o rei. 

— Então por que está me informando sobre isso? Você deve informar ao rei, não a mim. 

— Infelizmente o rei não está no castelo. Ele saiu no início da manhã com uma comitiva para o Altar dos Ejions e ainda não retornou. 

— Merda. Mande essas pessoas irem embora e voltarem quando o rei estiver aqui. 

— O assunto é de altíssima urgência, Majestade. Se trata dos conflitos que o nosso reino está enfrentando em relação ao Reino de Vordia. 

— O que eles querem? Uma revolução? Quem são esses pobres coitados? 

— Um cavaleiro de Edaron, um andor de meia idade e uma menina.

— Uma menina que veio tratar de assuntos de guerra? Que excêntrico. 

— Qual será a resposta que devo levar à eles, Majestade? 

— Ah, que seja. Eu já estava farta de ficar aqui ouvindo essas garotinhas tocarem, elas são péssimas. Acho que estou precisando de algo para me distrair. Diga à eles que eu irei recebê-los. 

O guarda curvou a cabeça, deu meia volta e se retirou. 

No lado de fora do portão, os três companheiros ainda aguardavam uma resposta à sua solicitação. Idarcio rendeu-se ao cansaço de permanecer em pé e sentou-se no último degrau que elevava aquela área.  Perto de si estava Adamor, imóvel como pedra e observando o horizonte, certamente refletia em seu silêncio sobre os próximos acontecimentos. Eurene estava inquieta, dava alguns passos sem rumo com as mãos na cintura e já demonstrava indícios de aborrecimento em ter que esperar. 

— Será que eles não vão responder nunca?! — queixou-se Eurene. 

— Você deve considerar que esse castelo possui uma enorme quantidade de cômodos e aposentos, minha cara Eurene. Não faltam opções para um rei se esconder dentro dessa fortaleza. 

— Mas ele é o rei, não deve ser tão difícil saber onde ele está. 

— Eu penso da mesma forma. 

O portão se abriu e de seu interior saiu o mesmo guarda que havia entrado. Idarcio imediatamente pôs-se de pé e todos se viraram para trás.

— Venham comigo, por gentileza.

Após a travessia do alto portão esculpido, eles viram o ambiente mudar drasticamente ao seu redor. O Salão Real possuía uma extensão quase impossível de ser calculada, uma área retangular preenchida por duas fileiras de colunas que sustentavam os dois andares superiores, ambos projetavam-se pelas laterais do salão como plataformas a quem desejasse observar o andar inferior. As colunas eram brancas e esbeltas, assim como os blocos que constituíam tudo no castelo. Havia algumas figuras em dourado ao longo das paredes e abaixo das plataformas superiores, todas trabalhadas e posicionadas a fim de gerar uma completa harmonia de detalhes. 

O chão do salão era liso e permitia uma borrada vizualização do reflexo de quem o percorresse. Seis grandes e luxuosos lustres de cristal pendiam em linha reta e guiavam os visitantes até os confins de toda a área. Havia uma preocupação com o posicionamento de cada item naquele salão, prova disso era os candelabros comuns e os de diversas ramificações que estavam espalhados ao longo das colunas. No momento não estavam acesos pois a iluminação provinha das grandes vidraças nas paredes laterais. O trio caminhava por um extenso tapete de um profundo azul com bordas douradas, este estendia-se do portão até o altar do trono. 

No final do salão, havia cinco degraus onde estava localizado o trono do rei. O móvel era constituído por peças de um ouro lustroso e ornamentado, suas pernas e braços exibiam um perfeito trabalho com madeira branca e o restante era estufado por um macio veludo cinzento. Em cada lateral do início dos degraus, havia um bloco que sustentava estátuas idênticas de uma figura feminina, esta apontava um cetro em direção ao portão. Tratava-se da ejion Elorel que ajudara na construção da cidade no início do longínquo Tempo da Ascensão. 

No altar do trono, duas figuras pareciam aguardar a chegada dos visitantes; a Rainha de Asmabel e o Andor Conselheiro do Rei. 

O trio de companheiros seguia os passos do guarda que os guiava ao longo do extenso tapete. Adamor caminhava com a cabeça erguida e o olhar focado nas duas figuras no altar, ele mantinha uma mão apoiada no cabo de sua espada e o seu novo manto vermelho balançava a cada passo que dava. Idarcio avançava fazendo seu bastão acompanhar seus pés, alternava a visão entre o seu destino e Filo que saltitava perto de si. Eurene, por sua vez, movia os olhos por cada canto ao longo do caminho, como se a cada metro percorrido algo novo estava pronto para ser descoberto por ela. A menina não esboçou uma expressão de fascinação, mas sua curiosidade havia sido despertada enormemente por cada objeto e detalhe ali presente. 

O guarda parou e os demais assim fizeram, posicionaram-se um ao lado do outro. 

— Vocês estão diante de Sua Majestade, a Rainha Eline do Reino de Asmabel. Ao seu lado está Gorman, o Andor Conselheiro do Rei. 

Tendo ciência das formalidades, Adamor adiantou-se em abaixar as mãos e curvar a cabeça, assim como Idarcio que segurou seu bastão alguns centímetros acima do chão. Eurene não foi informada anteriormente sobre o necessidade do ato, por isso precisou observar os dois companheiros antes de fazer o mesmo.

— Esses são os que solicitaram uma audiência com o rei, Majestade. — O guarda a informou e afastou-se para um canto. 

A rainha os analisou, possuía uma expressão tranquila e exibia um tímido sorriso de canto de boca. Idarcio não pôde deixar de admirar a beleza daquela mulher. 

— Sejam bem-vindos ao Castelo da Corte, visitantes.

— Saudações, Majestade. Meu nome é Adamor e sou um membro da Ordem dos Cavaleiros. 

— É um líder cavaleiro, sim? — deduziu a rainha. — O seu manto vermelho.

— Sim, Majestade. Fui proclamado líder de um grupo intitulado Cavaleiros Irmãos. 

— Que interessante. Por acaso você está representando os interesses do quartel Edaron? 

— Não, longe disso. Represento meus próprios interesses e os de meus companheiros também. 

Ela virou-se para o andor e a menina.

— Acho que vocês ainda não foram formalmente apresentados — disse ela.

— É um enorme prazer estar diante de tamanha elegância e beleza, Vossa Majestade. — Idarcio exibiu um largo sorriso e abriu sutilmente os braços. — Meu nome é Idarcio, sou apenas um andor andarilho e este animal ao meu lado é meu companheiro de viagem. 

A rainha olhou diretamente para Filo, assim como ele olhou para ela no altar. 

— Ele é adorável. No entanto, animais não são permitidos no Castelo da Corte. Faça ele voltar o caminho que fez. 

Idarcio engoliu um seco, definitivamente não esperava tal situação. Não lhe restando mais opções, ele se agachou e sussurrou algo para Filo fazer. O animalzinho olhou para o dono e abaixou as orelhas. Após alguns segundos de hesitação, deu meia volta e refez o caminho em direção ao portão. 

— E você, querida? Não quer se apresentar? 

Eurene analisou rapidamente as palavras antes de proferí-las. 

— Meu nome é Eurene, Majestade. Eu estou acompanhando o Adamor e o Idarcio. 

— Eu devo admitir que você foi o motivo de eu ter aceitado vir recebê-los, Eurene. Me estranhou o fato de uma menina ter vindo discutir assuntos que, no geral, não fazem parte do interesse das garotas da sua idade. 

— Eu vim porque tenho o meu papel a cumprir aqui, Majestade. 

— Oh, isso me deixou ainda mais curiosa. 

A rainha sorriu para Eurene, e a menina retribuiu, mesmo que aquela atenção lhe causasse certo incômodo. 

A Rainha Eline era uma mulher altiva com beleza e elegância que vinham a integrar sua majestade. Ela trajava um vestido de linho da cor bege que estendia-se em uma longa saia enviesada até cobrir-lhe os pés. O busto estava repleto de delicados adornos dourados e apenas o início de seus seios podiam ser vistos. Seus braços eram cobertos por mangas justas e em seu pulso havia um excêntrico bracelete de ouro em forma de galhos. Um trabalhado colar embelezava sua macia pele clara. A rainha possuía longos cabelos castanhos que caíam por seus ombros, estes possuíam fios tão sedosos que reluzia a luz que lhe batia. No topo de sua cabeça, estava a pequena coroa de ouro que representava seu poder. 

— Majestade — continuou Adamor. —, o assunto que viemos tratar com o rei é de altíssima urgência. 

— Meu marido não está no castelo, ele foi rezar. — Eurene inicialmente pensou que se tratava de uma piada da rainha, mas logo depois ela percebeu que não. — Mas vocês podem tratar do assunto comigo. Afinal, eu sou a rainha. 

— É claro. Serei direto em meus argumentos. Nas últimas semanas, houve ataques à dois vilarejos asmabelianos.

— Sim, nós estamos cientes desses ataques. 

— Então eu suponho que Sua Majestade foi relatada sobre as consequências desses ataques. Os dois vilarejos em questão foram completamente destruídos e tiveram todos os seus moradores assassinados. 

— Uma lástima, eu sei. Infelizmente as nossas tropas não foram rápidas o suficiente para chegar em defesa desses vilarejos. 

— Perdoe-me, mas a senhora está dizendo que foram tomadas medidas para impedir esses massacres? — indagou Adamor. 

— Mas é claro que foram. Os vilarejos Esmerion e Erban tiveram suas defesas reforçadas dias antes dos ataques acontecerem. Infelizmente, não foi suficiente para salvá-los e garantir a chegada das tropas de reforço. 

— Isso não é verdade. 

A fala de Eurene causou estranhamento nos presentes, principalmente na rainha. 

— Como disse, querida? 

— A senhora disse que os vilarejos foram reforçados dias antes do ataque, isso não aconteceu. Pelo menos não no meu vilarejo. 

— E qual é o seu vilarejo, minha cara? — Eline forçou um sorriso. 

— Vilarejo Erban. Eu nasci e cresci lá. 

— Você está dizendo que sobreviveu ao massacre do seu vilarejo, mocinha? — indagou o velho andor Gorman. 

— Sim. Mas não foi só eu, o meu irmão Devin também. 

— Isso é muito surpreendente — comentou a monarca. — Se for verdade o que diz, então você e seu irmão devem ser os únicos a terem sobrevivido ao massacre dos dois vilarejos. 

— Eu gostaria de fazer uma pequena observação, Majestade — Adamor deu um passo à frente. — Eu posso lhe assegurar que o que esses vilarejos sofreram não se limita apenas a um massacre, mas também a um saqueio. 

— Um saqueio? — Eline demonstrou desdém em sua voz. — E quem estaria interessado em saquear e destruir nossos vilarejos?

— Nosso inimigo histórico, o Reino de Vordia. Ou, sendo mais específico, o próprio Rei Valandir. 

A mulher o observou por alguns segundos com a cabeça erguida em superioridade.

— Essas são acusações graves, cavaleiro. 

— Eu não as estaria fazendo se não tivesse completa convicção do que afirmo. 

Eline ligeiramente trocou olhares com o andor conselheiro no outro lado do trono. 

— Então o Rei de Vordia enviou tropas para saquearem e destruírem esses dois vilarejos de Asmabel? Eles atravessaram nossas terras sem que ninguém os visse?

— Também acho improvável mas tudo indica que sim. Nenhum soldado da corte os viu marchando pela fronteira em nenhuma das vezes, mas há andarilhos que os viram. 

— Você sabe que o que está dizendo é muito improvável, não sabe? 

— Mas nós podemos provar que foram soldados vordianos os responsáveis por isso. Eurene presenciou tudo e sobreviveu para confirmar o ocorrido, basta que um andor de confiança veja as lembranças dela. 

A rainha virou-se para a menina. Eurene manteve-se firme em sua postura e com os olhos fixos nos de Eline. 

— É de seu desejo que eu faça isso, Majestade? — perguntou Gorman. 

— Não. Não será preciso. Eu acredito em vocês. Agora eu vejo os fatos, os únicos que seriam capazes de causar tamanha atrocidade não podem pertencer ao nosso povo. Os vordianos realmente fizeram isso contra nós. 

— Fico contente que não fechou os olhos para a verdade, Majestade. 

— Esses foram dois duros golpes na paz que até então prevalecia em nosso reino. Mas não podemos nos deixar desanimar por essas fatalidades, tudo voltará ao normal em breve.

— Sim, eu concordo que não podemos de forma alguma nos deixar desanimar por esses golpes. Mas também não podemos permitir que isso continue. Eles não vão parar os ataques, Majestade. Não enquanto nós permitirmos. 

Eline franziu o cenho.

— Seja mais claro. 

— Eu vejo esses ataques através de duas maneiras. A primeira é que a Cidade de Vordia está sofrendo pela fome, por isso Valandir está saqueando os nossos alimentos. E a segunda é que aquele rei sempre desejou exercer domínio sobre Asmabel. Dessa forma, esses ataques podem ser apenas os primeiros passos para enfraquecer o nosso povo e posteriormente o nosso exército. 

— E o que você sugere que devemos fazer? — O tom de descaso estava explícito em sua voz. 

— Revidar. Ou nos defender. 

— Quer que nós revidemos os ataques sofridos? Enviar tropas para fazerem o mesmo em seus vilarejos? Isso é um absurdo. Além de ser cruel. Não tiramos vidas para recompensar as que nos foi tiradas, cavaleiro. 

— Não se trata de uma vingança, se trata de mostrar que nós não tememos investida nenhuma vinda deles. Nosso exército é feroz e preparado, um levantar de armas mostrará ao nosso povo que nós não temos medo.

— Medo — A estranha voz chamou a atenção de todos. Perto do bloco que sustentava a estátua no lado esquerdo dos degraus, surgiu um senhor coberto de elegantes trajes claros com uma coroa dourada em sua cabeça. — Você é um tolo se acha que nós não fazemos nada só porque temos medo. 

O homem de cabelos brancos segurou a borda de seu manto e começou a subir os degraus que o levaram ao trono. Ajeitou suas vestes e sentou-se em seu lugar de direito. Eurene manteve sua atenção naquela figura e não pôde evitar de compará-lo àquela estátua que viu no dia em que chegou na cidade. De fato, havia uma diferença exorbitante entre ambos. 

— Saudações, Majestade. — Adamor curvou a cabeça. — Meu nome é...

— Eu já fui enformado de quem você é, Adamor, líder dos Cavaleiros Irmãos, membro da Ordem dos Cavaleiros e, pelo o que eu ouvi, também é um interessado em causar guerras entre reinos. 

O cavaleiro engoliu um seco. 

— Com todo o respeito, eu creio que Sua Majestade não compreendeu todos os argumentos que nós apresentamos. 

— Pelo contrário, eu compreendi muito bem. A menina sobreviveu ao massacre do Vilarejo Erban e vocês a trouxeram como prova de que realmente foram os soldados vordianos os responsáveis por tal ato. Além de que você também acredita que Valandir tenha planos de conquistar o meu reino. 

— Sim. É isso que eu acredito. Pelo o que aconteceu e pelo o que ainda nos acontecerá, eu acredito que nós precisamos iniciar uma guerra. 

— Pois eu penso o contrário. Pelo o que aconteceu e pelo o que ainda nos acontecerá, eu digo que nós vamos optar por manter a paz nesse reino. 

Adamor manteve-se em silêncio por um momento. Permaneceu imóvel olhando diretamente para o rei. Era impossível precisar o que se passava em sua mente. 

— Han, Majestade — Idarcio apanhou seu bastão e dau os primeiros passos para chegar aos degraus. — Apesar de ambos demonstrarem pontos de vista diferentes, o objetivo desejado é o mesmo, a paz no nosso reino. 

— Perdoe-me, mas poderia dizer qual cargo você ocupou ou ocupa no Templo de Nerendor? — perguntou o Andor Conselheiro com um olhar de desconfiança. 

— Bom, eu... fui apenas um estudante em Nerendor nos dias de minha adolescência. No momento não sirvo à nenhum nobre. Mas retomando meu raciocínio, Majestade, os meios que ambos acreditam para estabelecer a paz são divergentes, e por isso eu acredito que devem ser avaliados pelos dois lados. — Idarcio chegou ao primeiro degrau e se pôs a subí-lo, estava sendo acompanhado pelos olhares de todos ali presentes. — Veja, Sua Majestade acredita que manter o silêncio é a melhor forma de evitar o conflito e não gerar sofrimento na população. Eu penso que não fazer nada é justamente o que irá trazer o conflito até nós, o que irá acabar com a paz. Ora, se assim for, não estaríamos dando permissão para que o inimigo faça o que bem entender em nossas terras? — Idarcio aproximava-se lentamente do rei em seu trono. Eurene lembrou-se da razão de Adamor ter convidado o andor a integrar a missão, controlar a mente de quem fosse possível controlar, como o do próprio rei. — Por isso eu peço que considere a proposta que estamos prestes a fazer...

Quando Grival encolheu-se no trono pela extrema aproximação de Idarcio, o andor Gorman deu um passo a frente pondo-se do lado do rei. A tentativa de Idarcio foi fracassada. 

— E que proposta seria essa? — perguntou o Rei Grival.

Adamor adiantou-se em responder e Idarcio recuou para descer os degraus.

— Nós queremos revidar os ataques sofridos. Mas não apenas isso, queremos reunir um exército e marchar pela fronteira em direção à capital de Vordia. Queremos destronar o Rei Valandir. 

— E imagino que para isso vocês precisarão do meu exército? — Grival perguntou como se já estivesse preparado para tal informação. 

— Sim, Majestade. 

— Sagrados Seres Aliais — disse a rainha. — Esse homem não está com o cabeça no lugar. 

— Pelo contrário. Eu estou completamente são quando digo que temos motivos suficientes para iniciar uma guerra contra Vordia. 

— Se eu lhes dar o meu exército, vocês destruirão cada vilarejo vordiano até chegar nas planícies da Cidade de Vordia onde pretendem invadir a capital e assassinar Valandir? É isso o que pretendem? 

— Sim, é isso o que pretendemos. 

— Pois então esqueçam. A minha resposta é não. — O rei pôs as mãos nos braços do trono e levantou-se de seu assento. — O Reino de Asmabel já enfrentou uma guerra contra o Reino de Vordia há dezoito anos atrás, e perdemos. Não irei trazer o mesmo sofrimento para o meu povo mais uma vez. 

Sem dar a chance de o cavaleiro rebater, Grival começou a descer os degraus e levou consigo os olhares de todos os presentes. O velho andor Gorman se pôs a seguí-lo e desceu com mais lentidão, saiu pelo mesmo canto esquerdo atrás do rei. Eline permaneceu sozinha no altar observando o trio, parecia estudá-los com seus olhos castanhos. Não demorou para ela seguir os passos dos demais e retirar-se do Salão Real.

Não foi preciso Adamor se manifestar para Eurene compreender que o plano havia fracassado.

Continue Reading

You'll Also Like

4.6K 1.1K 40
A história se passa em tempos antigos, com a rainha dos dragões,mas ela acaba falecendo e sua filha tem que se virar para sobreviver em um mundo desc...
2.4K 316 26
#ConcursoWattbug Nina uma garota que sofria bullying na escola acaba entrando em depressão tentando assim tirar sua própria vida, mas por ironia do d...
44K 5.1K 50
Harry Potter ( Hadrian Black ) recebe sua carta para Escola de Magia e bruxaria de Hogwarts , mas as dores e abusos de seu passado o tornam diferente...
84.3K 3.1K 43
𝑆𝑛 𝑛𝑜 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜 𝑑𝑒 𝑱𝑱𝑲, 𝐵𝑜𝑎 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑢𝑟𝑎ఌ︎ 𝑷𝒆𝒅𝒊𝒅𝒐𝒔 𝒂𝒃𝒆𝒓𝒕𝒐𝒔 (✓) _ _ 𝑇𝑒𝑟𝑎́ 𝑣𝑒𝑧 𝑒 𝑜𝑢𝑡𝑟𝑎 𝐻𝑜𝑡 𝑜𝑢 𝑚𝑖𝑛𝑖 ℎ...