A Pretensão dos Cavaleiros

By fbcioprudente

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O humilde Vilarejo Erban do Reino de Asmabel passou pela mais produtiva das primaveras e a adolescente Eurene... More

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- O Respeitado Rei de Vordia -
- O Conto do Primeiro Cavaleiro -
- O Massacre do Vilarejo -
- Um Confortável Moinho -
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By fbcioprudente

Os quatro que restaram na estalagem não perderam o tempo que lhes era fornecido, uniram duas das mesas quadradas que estavam disponíveis no restaurante e puxaram quatro cadeiras para se sentarem. 

Idarcio pediu que Eurene fosse permitida a participar da discussão que viria a se seguir, o que não enfrentou contestação por parte dos dois cavaleiros. Dessa forma, a garota sentou-se ao lado do andor e Filo por vezes transitava entre os pés de seu dono e os dela. Adamor e Mercel sentaram-se no outro lado das duas mesas unidas, ambos retiraram seus cintos com a bainha contendo suas espadas a fim de ficarem mais a vontade pelo tempo que a conversa levaria. 

— Bom — Idarcio uniu suas mãos sobre a mesa. — Uma proposta que você afirma ser capaz de mudar a vida de todos que vivem em Aradus... há de ser uma proposta digna de ser ouvida, não? Minhas mãos já estão formigando pela curiosidade de saber o que você está prestes a nos dizer. 

— De fato. É um assunto que deve ser discutido e considerado por sua parte, andor Idarcio. 

— Antes de tudo, eu peço que me chame apenas de Idarcio, cavaleiro Adamor. Não me considero ninguém digno de exigir tantas formalidades. Fora que eu não sou descendente de nenhuma linhagem nobre.

— Atenderei à suas preferências se você atender às minhas. Me chame de Adamor, nada além disso. — Apesar de firme, o líder dos cavaleiros exibia serenidade em suas palavras e de forma alguma transmitia rigidez. 

— Estou de acordo com suas condições. — concordou Idarcio com um sorriso. 

— Mas qual é o assunto? Vocês estão demorando demais. — Eurene criticou.

— A garota tem razão, Adamor. — Mercel afirmou com seu olhar inexpressivo. 

— Não vou mais adiar o que tem que ser tratado. Não sei se você está ciente, Idarcio, mas algumas semanas atrás um vilarejo asmabeliano foi saqueado e massacrado pela frieza de soldados não pertencentes à este reino. Poucos dias depois, outro vilarejo também teve o mesmo destino pelas mãos desses mesmos soldados. 

Eurene enrijeceu. Após ouvir a última palavra dita pelo cavaleiro, as terríveis lembranças daquela maldita noite invadiram sua mente. Idarcio olhou de esguelha para a menina ao seu lado, não precisou de muito para perceber seu desconforto. 

— E... vocês sabem quais foram esses vilarejos? — o andor perguntou.

— Vilarejo Esmerion e Vilarejo Erban, ambos próximos à Fronteira Tortuosa — informou Mercel prontamente. 

— Você sabe o que isso significa? Não há outra possibilidade, Idarcio, fomos atacados por soldados de Vordia. 

— Sim, realmente não há outra possibilidade. — Idarcio desviou seus olhos do olhar penetrante de Adamor em sua frente.

— Entende a gravidade disso? O rei de Vordia enviou seus soldados para atravessarem a fronteira sem autorização, seus homens marcharam contra dois vilarejos desprovidos de defesas, saquearam os alimentos que não os pertencia, assassinaram moradores inocentes e queimaram suas casas. Eles destruíram dois vilarejos cujas pessoas não possuíam nenhuma participação sobre as intrigas políticas da Coroa. No mínimo cem famílias foram mortas por esses infelizes. Imagine o sofrimento que aqueles homens, mulheres, crianças e idosos enfrentaram. Imagine o que...

— Adamor. 

O discurso do cavaleiro foi interrompido pelo chamado de Mercel ao seu lado. O líder virou-se para a frente e viu que Eurene havia se rendido às lágrimas pelas terríveis lembranças que tais palavras lhe traziam. 

— Eu acho que talvez seja melhor você se retirar, minha cara Eurene. Acredito que não será bom para você ouvir essas palavras terríveis. — Idarcio colocou a mão direita no ombro da menina cabisbaixa que tinha sua face oculta nos cachos de seu cabelo. 

— Não... está tudo bem. Eu quero ficar aqui. Eu quero ouvir. — Ela ergueu a cabeça, enxugou o nariz e limpou as lágrimas com a ponta dos dedos. 

— Por que chora, Eurene? — perguntou Adamor. 

— É que... eu morava em um desses vilarejos que você disse. O Vilarejo Erban. E eu lembrei das coisas que aconteceram naquela noite. Na noite que destruíram o nosso lar. O meu lar. 

Tanto Adamor quanto Mercel mostraram-se surpresos pela revelação da menina. Ambos trocaram olhares de incredulidade. 

— Você... sobreviveu ao massacre do seu vilarejo? — Mercel franziu o cenho. 

— Sim. Eu e o meu irmão Devin fomos os únicos que conseguimos escapar de lá vivos. Eu acho.

— Pode nos contar como isso aconteceu? 

— Han... eu não acho que seja adequado fazê-la revisitar todo esse acontecimento trágico...

— Está tudo bem, Idarcio. Eu posso contar como aconteceu. Bom, pelo o que eu me lembre, todos os moradores já tinham ido para suas casas, já que a noite tinha chegado. Eu estava na mesa da sala com meu irmão e meus pais. Nós estávamos jantando e lendo alguns livros até que, em meio a noite, um grito chamou a atenção de todo mundo. Todos os nossos vizinhos saíram para fora de suas casas para ver o que estava acontecendo, era o andor conselheiro do meu vilarejo, ele estava correndo e dizendo que eles estavam vindo. Eram homens montados em cavalos e alguns soldados que vinham atrás. Não sei dizer ao certo quantos deles tinham, mas eram mais de vinte, com certeza. Eles invadiram as casas, mataram todos que encontraram em seu caminho, todas as senhoras, todas as crianças... mataram... mataram o meu pai, na frente da nossa casa. Minha mãe conseguiu levar eu e o meu irmão até um estábulo, lá a gente pegou um cavalo e conseguimos fugir, mas eles também mataram a minha mãe. A última coisa que eu vi foi as casas pegando fogo. Todas foram destruídas, e todos morreram. 

Adamor ouviu o relato com atenção, assim como Mercel. Idarcio já tinha conhecimento do ocorrido, mas até então não sabia dos detalhes de como tudo aconteceu. A menina não voltou a chorar, mas seu incômodo por detalhar tais coisas era visível a qualquer um. 

Após um suspiro, Adamor continuou:

— Não restam dúvidas que o objetivo principal deles foi saquear os alimentos que os vilarejos produziam. Acredito que, para não haver a possibilidade de sobreviventes, eles decidiram por queimar todo o vilarejo pois, se os moradores permanecessem vivos, certamente iriam levar esse ocorrido aos ouvidos do Rei Grival.

— O que não se mostra ser uma estratégia muito inteligente, já que de um jeito ou de outro isso chegaria à corte. Ninguém invade o reino duas vezes e queima dois vilarejos sem ser percebido — Mercel afirmou.

— Bom, não tenho provas a apresentar, meus caros, mas eu imagino que a dita grandiosa Cidade de Vordia está passando por enormes problemas para chegarem ao ponto de saquearem e massacrarem dois vilarejos de Asmabel. — Idarcio refletiu massageando sua barba castanha.

— E de fato está. Pelo o que sabemos, Vordia sofreu com duas recentes rebeliões nos últimos meses. Os generais de dois vilarejos deles rebelaram-se contra a Coroa e tentaram destituir o rei de seu trono. Não sei dizer quais motivos teriam levado esses generais a tomarem tal atitude, mas o que importa é que Vordia não está mais estável como era antes. 

— Eu o aconselho a não tirar conclusões precipitadas, nobre cavaleiro. Estando o Reino de Vordia estável ou não, uma coisa é certa, o rei vordiano continua exercendo seu poder em força total como sempre esteve. Quer dizer, isso é o que todos dizem.

— Eu não sou tolo o bastante para duvidar disso. Valandir ainda possui a força imensurável de seu exército. Mas por outro lado, deixou de possuir o que o seu povo mais precisa para sobreviver, alimento. E isso é um ponto a nosso favor. 

— Espere, eu acho que o meu raciocínio ainda não entendeu completamente aonde você está querendo chegar, meu nobre amigo.

Adamor uniu as mãos sobre a mesa e inclinou-se para ficar frente a frente do andor. 

— Nós assumimos uma missão, Idarcio. Eu e meus companheiros de espada possuímos a pretensão de reunir um exército, marchar pela fronteira, atacar a Cidade de Vordia e destronar o Rei Valandir. Matar o rei é a única forma de vencer esse jogo de xadrez. 

Idarcio não omitiu sua surpresa pelo o que foi lhe dito. Ele jamais imaginou que um plano de tamanha magnitude fosse lhe apresentado, ou pelo menos não se recordava de alguma vez ter ouvido coisa semelhante. Vendo que os dois cavaleiros e Eurene ao seu lado lhe direcionavam olhares a espera de uma resposta, ele balançou a cabeça e passou os olhos por todos os cantos em busca das palavras adequadas. 

— Eu... eu não sei o que posso lhe dizer. Na verdade eu não sei o que devo lhe dizer. Confesso que minha mente está atônita depois de ouvir todas essas palavras. Esse plano é...

— Um plano ousado, eu sei. Estou ciente que as chances de sucesso são poucas. 

— Poucas? Eu diria mínimas! Ou melhor, eu diria ser impossível realizar uma façanha dessa proporção. Céus, em toda a minha vida eu nunca ouvi falar de um homem que possuía uma pretensão tão absurda como essa. Claro que alguns loucos que já cruzaram o meu caminho... 

— Compreendo sua incredulidade. Mas saiba que eu não espero reunir um exército da noite para o dia, sei dos imensos desafios que me aguardam nessa jornada. 

— Bom, então eu desejo toda a sorte possível a vocês nessa missão fantasiosa. Pode ter certeza que eu serei o primeiro a lhes parabenizar caso vocês consigam chegar perto da Cidade de Vordia. Se isso é tudo — Ele pôs as mãos na mesa para se levantar. — , acredito que já contribuí com a minha opinião sobre o assunto. 

— Na verdade, isso ainda não é tudo. Eu ainda não apresentei a proposta que havia lhe dito. 

Idarcio interrompeu o movimento que fazia, olhou para Eurene e sentou-se novamente.

— Pois bem, eu espero que seja uma proposta que agrade os ouvidos do Filo e os meus. 

— Até poucas horas atrás eu não havia pensado sobre isso, mas agora eu vejo que existe a necessidade da companhia de um andor para o sucesso dessa missão. 

— Vocês precisam de mim? Para o quê exatamente? 

— Suas habilidades sem dúvida serão muito úteis em várias etapas que enfrentaremos, Idarcio. A primeira que consigo pensar é que talvez seja preciso que você manipule a mente de algumas pessoas importantes para agirem ao nosso favor. Como o rei, por exemplo. 

— Eu controlar a mente do Rei Grival?! Você só pode estar brincando. Não sei se você tem conhecimento disso, Adamor, mas o rei possui um andor conselheiro cuja presença é obrigatória em todas as audiências políticas. Andor esse que sem dúvida alguma é muito mais experiente, sábio e poderoso do que eu. 

— Sim, mas ele não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Além do mais, há outros membros da corte que podem ser manipulados além do próprio rei. Outra vantagem de ter a sua presença é o seu conhecimento medicinal.

— Um momento! Devo dizer que você está muito equivocado se pensa que eu usarei de meus dons de cura novamente, meu amigo. 

— Não me refiro ao seu dom de cura, mas sim ao seu conhecimento sobre o uso de plantas e ervas que certamente está muito além do que qualquer um de nós. Isso vem a nos ajudar quando estivermos feridos pelos confrontos que travaremos. 

— Agora sim eu cheguei a conclusão de que você não está em seu juízo perfeito. Está me pedindo para embarcar em uma jornada onde eu terei que travar perigosos confrontos? Lutar batalhas contra um exército inimigo? Iniciar uma guerra que pode matar milhares de pessoas? 

— Exatamente. O que me diz? 

Idarcio deu um suspiro.

— Sua seriedade às vezes me espanta, tenho que admitir. Sua determinação me parece estúpida, mas de certo modo encorajadora. Serei sincero em minhas palavras, Adamor, eu não acredito que haja consideráveis possibilidades dessa jornada terminar bem sucedida para nenhum de nós. 

— Não pense que você sairá totalmente prejudicado por aceitar se aliar a mim, meu amigo. Eu lhe darei uma recompensa por sua participação nessa empreitada. 

— Mmm... de que tipo de recompensa estamos falando? — Ele semicerrou os olhos e massageou a barba. 

— Assim que a jornada estiver terminada, quando alcançarmos o nosso grande objetivo, eu lhe darei todo o tesouro material que estiver ao meu alcance. No momento que a Cidade de Vordia estiver tomada, você terá o direito de levar consigo toda a prata que puder carregar. Todas as moedas, objetos e jóias que seus olhos encontrarem serão seus. 

— Tudo que eu puder carregar? Mesmo que eu tenha dez carruagens ao meu dispor? Vinte carruagens?

— Tudo que você for capaz de carregar será seu. Isso é uma promessa que eu lhe faço pela minha honra de cavaleiro. 

— O que acha disso, Filo? Vinte carruagens cheias de prata é o suficiente para construir uma bela de uma residência, hein?! — O flito apoiou-se na perna de seu amigo para compartilhar de sua alegria.

— Então posso contar com a sua colaboração nessa missão? 

— Eu ainda não tenho total certeza. A recompensa me apresentada é mais do que eu jamais imaginei, mas as chances de isso se concretizar são mínimas. 

— Eu acho que você devia aceitar — A fala de Eurene não somente chamou a atenção do andor como a dos cavaleiros também. — Quer dizer, você me disse uma vez que ainda espera deixar sua marca na história desse continente. Acho que essa é a sua oportunidade, Idarcio. 

— Sim... eu havia dito isso sim, mas eu não esperava que minha participação em algo maior fosse relativo a isso. Relativo a uma guerra dessa proporção. 

— Bom, acho que as melhores aventuras são aquelas que parecem impossíveis de serem feitas. Não são? Meu pai disse isso uma vez.

De algum modo, a fala da menina despertou certa animação em Idarcio, certo orgulho. 

— De fato são. Estou muito surpreso, Eurene. Não vou negar que suas palavras foram causa de reflexão em meus pensamentos agora. 

— Você possui maturidade, Eurene — Adamor a elogiou. 

— Ah, eu sempre achei que eu sabia mais das coisas do que as outras garotas lá do vilarejo. Acho que tenho um pouco de maturidade, sim. 

— Isso é muito valoroso. Esse é um dos motivos que me fazem querer levantar uma proposta à você também. 

Eurene levou alguns segundos para compreender o que o homem acabara de lhe dizer.

— Você... quer fazer uma proposta para mim? 

— Você e seu irmão são os únicos sobreviventes do massacre no seu vilarejo, provavelmente no do vilarejo anterior também. Vocês são a prova viva de que a nossa causa é verdadeira, que a nossa motivação é justa. Quando estivermos na presença do Rei Grival, as suas lembranças poderão ser vistas pelo Andor Conselheiro do Rei, provando assim que não há dúvidas de que foram os vordianos que cometeram tais atos perversos. 

— Então... você quer que o andor do rei veja a minha mente? 

— Exato. É melhor que seja você pois seu irmão ainda é muito novo e aparentemente não guarda essas lembranças terríveis. 

— É, o Devin parece até não se lembrar de nada do que aconteceu. 

— Te prometo dar as mesmas recompensas que prometi ao Idarcio, se for o que desejar. 

— Na verdade, eu não sinto interesse nenhum em ter muitas riquezas ou residências enormes. 

— O que você quer então? 

— O que eu quero, Senhor Adamor, é justiça. Esse rei matou meus pais, e eles eram bons, eram pessoas boas. Matou todos que conviveram comigo, pessoas que não tinham relação nenhuma com os problemas lá no reino dele. Os soldados dele são cruéis. Eu vi quando eles chegaram perto do meu pai na frente da nossa casa, e o mataram sem piedade alguma. Eu não o conheço, mas sei que ele é um homem cruel. Quero que meus pais sejam vingados. Quero que ele sofra todo o mal que causou a mim e a tantas pessoas do nosso povo. Eu sobrevivi, e se eu puder agir contra ele, então eu estou disposta a agir, sim. 

— Seu coração anseia por justiça para aqueles que foram lhe tirados. Sua motivação é justa, Eurene. Por sua maturidade, e por sua disposição, eu lhe ofereço um lugar ao nosso lado para que nos acompanhe nessa jornada. 

— Então eu aceito participar. Quero sim agir contra esse rei, fazer ele pagar pelo o que fez não só à minha família, mas ao nosso povo também. 

— Minha cara Eurene — iniciou Idarcio. — , eu admiro sua enorme disposição e coragem mas... os perigos que estamos prestes a enfrentar colocarão não só a sua vida em risco mas a do seu pequeno irmão também. 

— O que Idarcio diz é a mais pura verdade — acrescentou Adamor. — Se você decidir por nos seguir, não garanto que saia ilesa das batalhas que enfrentaremos em nosso caminho.

— Eu não me importo. O Devin é corajoso e gosta muito de vocês cavaleiros. Eu posso até estar sendo irresponsável por levá-lo comigo, mas estaria sendo mais irresponsável ainda se deixasse ele aqui. Além do mais, eu não quero ter que depender da proteção de vocês toda hora. Quero aprender a me defender, a lutar, a usar uma espada. 

Adamor exibiu um leve sorriso de satisfação.

— Sua disposição me impressiona, Eurene. Foram poucas as mulheres que eu já vi demonstrarem interesse pelas batalhas e maestria com as espadas. 

— Então parece que eu vou ter que ser a primeira. — Ela lhe deu um sorriso de determinação. 

— Assim será. Nós a ensinaremos e a treinaremos enquanto estiver caminhando conosco. Mercel é um homem paciente, acredito que ele seria um treinador adequado para você. 

— Estou disposto a lhe transmitir tudo o que eu sei, se estiver disposta a aprender — disse Mercel fitando os olhos castanhos da menina. 

— Sim... eu estou disposta. — Eurene tentou demonstrar firmeza, mas os olhos negros e a feição séria de Mercel lhe causava certo incômodo. 

— Ótimo. 

— Eu já percebi que vocês estão com suas determinações mais que estabelecidas, cavaleiros — disse Idarcio. — Mas há algo que ainda não nos foi esclarecido. Vocês pretendem reunir um exército, mas através de quais meios chegarão a isso? 

— Nós solicitaremos uma audiência com o Rei Grival no Castelo da Corte, lá explicaremos a gravidade da situação e usaremos Eurene para provar que nossa causa é verdadeira. 

— Estou totalmente de acordo que a causa é verdadeira e urgente, mas você deve se lembrar que estamos tratando de uma guerra direta contra o reino que detém o exército militar mais potente nesta terra. Além de que a Cidade de Vordia é uma estrutura extremamente fortificada cujas chances de queda são poucas. Se formos realistas, eu creio que o exército de Asmabel não será páreo nem para chegar nas planícies da cidade. 

— Não, não será. Um único exército não será suficiente para derrotar Valandir. Mas dois serão. Assim que conseguirmos formar uma aliança com o Rei Grival, nós partiremos para o Reino de Gandalar na pretensão de tomar o Rei Hender como nosso segundo aliado. Quando enfim tivermos os dois exércitos, marcharemos com força total em direção à capital vordiana. Valandir terá que proteger seus portões contra a fúria de sessenta mil espadas que anseiam em decapitar sua cabeça. A era de sua tirania chegará ao fim, assim como o tempo da supremacia vordiana sobre nós. 

— Eu... mal posso acreditar no que meus ouvidos escutam. Se obtivermos sucesso nessa jornada, você será o responsável por causar uma das maiores guerras já travadas em Aradus. Mudará a história para sempre, Adamor.

— Mas... e se o rei não aceitar? — Eurene indagou. — E se ele não quiser nos dar o exército dele? 

— Se o rei recusar a nossa proposta, então esse será o momento que o nosso andor deverá entrar na jogada — respondeu Mercel. 

— Na primeira vez, tentaremos uma aliança pelo diálogo. Mas se ele recusar, você Idarcio, deverá infiltrar-se no Castelo da Corte e manipular a mente de quem estiver ao seu alcance. Se fizer com que o máximo de nobres possíveis interfiram ao nosso favor, certamente levará o rei a tomar a decisão que esperamos. 

— Eu não quero me vangloriar... mas eu já controlei a mente de muitas pessoas comuns, só que foram uma por vez. Manter várias pessoas sob meu controle será uma proeza que eu não garanto sucesso de imediato, meu amigo. 

— O tempo que você levará não importa. Nem que leve meses ou um ano, estaremos aqui na cidade treinando e nos preparando para partirmos para a etapa seguinte quando você obtiver sucesso. 

— Você é um homem destemido, Adamor. Nessa longa discussão eu pude perceber o quão você está empenhado em embarcar nessa missão. Mesmo concordando em participar disso, eu não escondo minha preocupação com os que também irão nos acompanhar. Eurene está mais que disposta em enfrentar os desafios que virão. — Ele virou-se para ela ao seu lado. — Mas a presença do pequeno Devin pode colocá-lo em constante perigo. 

— O Devin vai ficar bem — disse a menina. — Eu não duvido nada que ele tenha mais coragem do que eu. Lá no vilarejo ele não pensou duas vezes antes de enfrentar um soldado para defender uma vizinha nossa. Quase foi morto, mas ainda sim foi muito corajoso. Eu até imagino a alegria dele quando souber que vamos entrar em uma aventura com um grupo de cavaleiros de verdade. 

— Devin é um menino adorável, a companhia de você e seu irmão será muito apreciada por nós, Eurene — Mercel afirmou. 

— A partir de agora, cada um de vocês assume um acordo não só comigo, mas com todos nós. Eu confio na lealdade de meus companheiros e espero poder confiar na de vocês também, meus novos amigos. Fui nomeado como líder, mas não sou seguido apenas pelo meu título, mas sim pelas minhas escolhas e determinações. 

— Ora, eu não me lembro de nenhuma vez em que quebrei a confiança daqueles que a depositaram em mim. Por acaso se lembra de alguma vez que eu demonstrei indícios de traição, Filo? — O animal acenou negativamente com a cabeça. 

— Eu digo o mesmo. Quero ir nessa missão até o fim. — Eurene afirmou. 

Adamor olhou para Mercel ao seu lado e ambos exibiram um quase imperceptível sorriso de satisfação.

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