Estava mergulhada em um mundo completamente diferente. Via a princesa bem na minha frente, espada na mão, olhando o dragão de cima a baixo, pronta para atacar, quando meu telefone começou a tocar.
Tirei os dedos do teclado e fui até ele, colocando-o entre meu ouvido e ombro, para não ter que parar de escrever.
"Sim?" Disse, enquanto descrevia o medo da princesa diante do dragão.
"Hale?" Ouvi do outro lado. "É a Sarah, você já está com o livro pronto?"
"Sim," menti. "Está perfeito. Quando quer que eu te entregue?"
Não hoje, não hoje, pensei.
"Pode ser agora de tarde?" Ela falou, me fazendo fechar os punhos.
"Agora de tarde?" Repeti só para ganhar tempo.
Apoiei no meu cotovelo e esfreguei meus olhos, tentando pensar em uma desculpa. Quando os abri de novo, vi um envelope em cima da minha mesa.
"Hoje não dá," falei rápido. "Vou me inscrever para a seleção."
Sarah riu do outro lado da linha. "Você não precisa disso, Hale. Você precisa me mandar o manuscrito novo para eu poder publicar antes do Natal!"
"É claro que eu preciso disso!" Falei, girando com a cadeira. "Eu também preciso encontrar o meu príncipe!"
Na verdade, até aquele momento, o único príncipe com o qual eu me importava estava na minha história. E ele não era nada legal, bem pelo contrário. A princesa o odiava e tudo o que ela menos queria era ter que se casar com ele.
"Você tá falando sério?" Sarah perguntou, e eu pude sentir que ela estava começando a acreditar.
"Sim," falei. "E eu não sei quanto tempo vou demorar, então acho melhor a gente se encontrar amanhã, pode ser?"
Ela respirou alto do outro lado enquanto eu cruzava meus dedos. "Está bem," falou finalmente. "Amanhã, dez da manhã no meu escritório. Nem um segundo mais tarde, Hale."
"Combinado," falei, enquanto comemorava em silêncio com uma dancinha. "Até amanhã, Sarah."
Desliguei o telefone e girei a cadeira de volta para continuar a história. Então a princesa atacava o dragão, começava ganhando. Até que ela perdesse sua espada e fosse encurralada. E então ela não teria outra escolha a não ser ter o príncipe salvando-a.
Não estava nem perto de terminar a história, mas aquele envelope da seleção não parava de me distrair. Acabei desistindo da princesa por um tempo para me concentrar no formulário que veio junto com a carta explicando que o príncipe Charles tinha chegado na idade de se casar.
Decidi que seria uma boa distração. Pensar em alguma outra coisa me faria ter mais criatividade quando voltasse à história.
Menos de dez minutos depois eu já estava colocando o meu casaco, pronta para ir aos correios da minha província, onde eu sabia que estariam tirando a minha foto. Tinha passado um pouco de maquiagem, só o suficiente para dar um pouco de cor ao meu rosto e esconder alguns pequenos defeitos. Não queria parecer que estava tentando demais e nem sabia fazer nada muito complicado que ficasse bom. Então me contentei com meu batom rosa claro e um rímel que deixava meus cílios enormes.
A fila estava grande e fez a minha desculpa para Sarah parecer ainda mais razoável. Tirei o livro da minha bolsa e comecei a ler, tentando fazer aquela espera passar mais rápido.
Mas tive que ler a mesma frase vinte vezes até desistir e observar as meninas em volta. Algumas estavam usando saltos tão altos que fiquei imaginando-as caindo e sofrendo depois em casa com os pés machucados. Elas não sabiam que os sapatos não iam aparecer na foto?
Tinha uma outra que estava na minha frente que tinha um batom tão escuro que parecia uma tinta que ela tinha passado na cara. Fiquei feliz de não ter exagerado, de ter deixado minha maquiagem natural.
Estava bem orgulhosa de mim mesma quando uma menina loira passou por mim. Ela era mais alta que eu, mais magra e sua roupa parecia mais cara. Ela se movia sem parecer se importar com nada em volta, como se todas as pessoas virando para olhá-la fosse uma coisa normal. Talvez algo que acontecesse com ela todos os dias.
A assisti levar suas unhas perfeitamente pintadas até seus óculos aviadores e levantá-los até seu cabelo. Seus olhos eram ainda mais perfeitos do que seu cabelo. Eram verdes e grandes e sua maquiagem não tomava conta deles, mas sim os emoldurava perfeitamente.
Foi a única vez que me senti insignificante. Eu não me importava tanto com aquela seleção. Eu só estava ali para ganhar mais tempo, para conseguir terminar de escrever o livro. Mas vê-la ali, toda perfeita e pronta pra entrar e ganhar o coração do príncipe me fez sentir uma pontada de ciúmes.
Ao me aproximar da entrada do prédio, vi a foto da família real. Charles estava sério, provavelmente nervoso com toda essa loucura que estava sendo criada em volta dele. Mal sabia ele que alguém como aquela menina estava prestes a se mudar para o seu castelo e ganhar seu coração.
Tinha alguma coisa nos olhos dele, uma certa tristeza que eu não sabia de onde vinha. Seu terno era impecável, só levemente puxado pela mão de seu pai no seu ombro. Mas ele não parecia querer estar ali.
Me peguei imaginando como seria conhecê-lo, ser amiga dele. O que eu poderia fazer para tentar animá-lo? Eu poderia escrever uma história sobre ele, transformando-o em algo que ele sempre sonhou em ser, mas nunca pôde. Olhei de volta para ele, logo antes de entrar no prédio. O que será que um príncipe como aquele podia querer e não ter?
"Por aqui, por favor," ouvi um homem falar e segui até onde ele indicava.
Me sentei no banco na frente da câmera que estava ali e entreguei a ele meu formulário.
"Nome?" Ele perguntou.
"Melanie Hale," falei, educada.
"Sorria," ele disse, sem nem olhar para mim. Era óbvio que ele já tinha feito aquilo mil vezes só naquele dia e não estava se divertindo nem um pouco.
Pensei mesmo em sorrir, mas não sabia se ia sair bem. Meus lábios tinham a tendência de sumir quando eu sorria muito grande e se eu não sorrisse de verdade, ficaria com cara de falsa.
Estava ainda pensando nisso quando o flash me cegou.
"Espera, já foi?" Perguntei, mas o homem não parecia se importar.
"Por aí, por favor," ele falou, me indicando a saída.
Me demorou um segundo para perceber que tinha perdido a minha chance. Me levantei devagar e segui o caminho que ele indicava.
Antes de começar meu caminho de volta para casa, olhei uma última vez para o príncipe Charles. Sinto muito, pensei. Não vai ser dessa vez.