O céu azul e o rio silencioso. Uma cachoeira de águas cristalinas e a tranquilidade da natureza. O cenário era perfeito, quente e aconchegante até a tempestade chegar. O céu se enraiveceu, a claridade cessou e o ar tornou-se húmido. Ela estava se afogando.
ㅡ Alguém... Ajuda... ㅡ a voz ecoou em seu subconsciente.
Quanto mais afundava, menos nítida se tornava a margem. O claro tornou-se escuro, a tranquilidade se desfez em pavor. Num suspiro de desespero, Karin abriu os olhos velozmente e ofegante agarrou com força o edredom que a cobria. Tomou alguns segundos para voltar a si enquanto mantinha o olhar fixo sobre o teto de seu quarto.
— Esse sonho... Faz alguns dias desde a última vez... — coçou os olhos levemente.
Quando finalmente se sentou na cama, liberou o ar dos pulmões ligeiramente aliviada. Ainda suando frio, ouviu o celular vibrar na estante ao seu lado. Assim que o desbloqueou encontrou três chamadas perdidas e múltiplas mensagens de sua melhor amiga, Lim Yuna.
ㅡ Mas que droga! ㅡ apressadamente se levantou da cama.
Pelo conteúdo dos recados e pelas horas que já eram, Karin teve certeza de que estava encrencada. Se atrasar no primeiro dia de aula após as férias de meio do ano era um tipo de atenção que ela não queria chamar, principalmente por seus pais terem confiado nela quando decidiram viajar para a cidade ao lado. Subindo a saia do uniforme pelas pernas já livres das calças de seu pijama, Karin discou o número de Yuna a colocando no viva voz.
ㅡ Ainda está em casa?! Eu passei aí mais cedo e toquei a campainha várias vezes, por que não me atendeu?!
— Eu não escutei...!
— Claro, fica até tarde assistindo anime e se esquece de dormir! Por que não colocou o celular pra despertar? Eu te avisei ontem...!
— Eu coloquei, mas não devo ter escutado quando to... Ah! — ao virar-se para pegar a gravata, esbarrou na cadeira da escrivaninha — Ai, ai, ai... Vai ficar dolorido o dia inteiro...
Massageando a canela, Karin prosseguiu rapidamente abotoando a camisa e vestindo o resto do uniforme.
— Você tem mais ou menos quinze minutos pra chegar aqui. Escutei que os professores vão nos chamar pro auditório daqui a pouco. Todo mundo já chegou praticamente.
— Yuna — uma voz manhosa —, não vou chegar a tempo, o que eu faço? — com uma careta fingindo chorar, fez birra enquanto escovava os cabelos.
— Você vai pro castigo, oras... — as vozes dos alunos a impediam de escutar direito as palavras da amiga.
Após lavar o rosto, alçou a mochila nos ombros e correu escada a baixo buscando na geladeira um dos sanduíches de geleia de amora que não terminou de comer na noite passada.
— Já aqueça os músculos pra evitar câimbras, Karin.
— Estou indo o mais rápido que posso, se pudesse juro que faltava! ㅡ deu uma enorme mordida no lanche ㅡ Odeio ficar sob pressão... Ah...! — quase derrubou geleia na saia do uniforme, contudo, por sorte, o doce atingiu somente seu joelho e o chão.
— Você é muito destrambelhada... — a amiga riu ao telefone — Meninas, meninas, é a Karin, digam oi!
Após limpar a geleia de sua perna e que também havia caído no chão da cozinha, Karin focou sua rota na porta principal da casa ainda com o sanduíche pela metade.
— Bom dia, bela adormecida! — Hyesoo gargalhou.
— Ela devia estar sonhando com aquele menino por quem está apaixonada... — com o comentário de Minji, as três riram com gosto e malícia.
— Como é mesmo o nome dele? — Yuna prosseguiu com a provocação.
— Parem com isso! Não estou apaixonada por ninguém! — Karin calçou seus tênis segurando o pão com geleia entre os dentes.
Com o café da manhã novamente em mãos, ela enfim se aventurou pelas ruas de seu pequeno bairro até o ponto de ônibus mais próximo.
— Ah, o professor chegou... — Yuna concluiu — Sinto muito minha amiga, mas você vai ficar de castigo hoje. Nos vemos no segundo período... Bye bye! — encerrou a chamada.
Apertando firmemente o celular, Karin se apressou em adentrar o ônibus que a deixaria em frente ao ponto do colégio. Um tanto ofegante, guardou o telefone móvel no pequeno bolso da mochila já desesperançosa. O passado que a atormentou por tanto tempo havia voltado para a assombrar, por pegar o ônibus mais tarde, não encontraria o motivo que a deixava animada antes das aulas e agora, seria punida durante o primeiro período inteiro pelo atraso. Mais suspiros foram liberados assim que desceu do coletivo e caminhou ao enorme portão da escola. Nem adiantava mais correr, já estava atrasada e assim como ela teria de fazer agora, outros alunos pagavam a punição segurando suas mochilas acima da cabeça.
— Min Karin — o professor indagou —, até você? — negou com a cabeça — Já sabe o que fazer, mochila pra cima. — as mãos repousavam na cintura.
Em poucos minutos seus cotovelos passaram a arder com o peso dos livros a incomodando e a posição lhe afetar a circulação dos braços. Entretanto qualquer reclamação ou desconforto fora abafado assim que Karin avistou o último aluno atrasado chegar. Com os cabelos brincando ao vento, ele veio sorridente como sempre fazia. Era evidente de que correu o percurso inteiro até lá. O coração da menina se acelerou assim como ligeiramente um sorriso se formou. Sem notar estava o admirando de forma carinhosa.
— Desculpe professor. Dormi demais e perdi o ônibus. — um riso travesso escapou dos lábios dele.
— Você sempre dorme demais, não é Jaemin? — em um aceno, o homem pediu ao segurança que fechasse o portão — Muito bem, quem chegar agora vai limpar os banheiros... Ei, ei, ei...! — apontou aos primeiros da fila — Não me lembro de deixá-los abaixar os braços. Mochilas pra cima, todo mundo...!
Karin sentia-se um pouco desconfortável por ser a única garota ali, mesmo que fossem apenas sete alunos pagando o castigo. Jaemin juntou-se a fila notando os olhos dela sobre si no instante em que se aproximou. Ao cruzarem olhares, rapidamente a garota desviou sua atenção e disfarçou muito bem que estava o observando até o momento. Jaemin por sua vez, não percebeu coisa alguma ou suspeitou do óbvio, somente posicionou-se entre os outros seis e levantou os braços segurando sua mochila esportiva vermelha sobre a cabeça. A adolescente não se achava mais detestando tanto ter chego atrasada aquele dia.
Com risos bobos e o sorriso que custava em desgrudar de seus lábios, Karin não conseguia esconder que pensava em como Jaemin era igual a um doce e caloroso caramelo. O almoço já batia a porta quando o trio de amigas curiosas se cansaram do suspense.
ㅡ Eh, depois diz que não está apaixonada... ㅡ Minji juntou as mesas para que pudessem comer juntas.
ㅡ Hm? ㅡ Karin ainda sorria com os cotovelos sobre a mesa ㅡ O que disse?
ㅡ Desembucha logo, nós já sabemos que você está afim de alguém. ㅡ Yuna comentou.
ㅡ Não vamos te zoar quando disser quem é. ㅡ Hyesoo também entrou na conversa — Qualquer coisa, te compramos um óculos de grau e problema resolvido.
ㅡ Não estou apaixonada. ㅡ riu ainda boba.
ㅡ Que tipo de castigo esse colégio dá pros alunos? — uma careta se formou na face da mais baixa do grupo, Lee Minji.
ㅡ Agora entendo porque você não gosta de romances, Minji. ㅡ Yuna fez uma careta ㅡ As pessoas ficam abestadas...
ㅡ Agora, Karin o que vai comer? ㅡ Hyesoo abriu seu *dosirak que agradou o olfato das três amigas.
ㅡ Ah! ㅡ Karin logo desfez o sorriso para uma careta chorona ㅡ Não trouxe nada pra comer...!
ㅡ Meu Deus, você precisa seriamente da sua mãe de volta... ㅡ Minji soprou um riso também expondo seu almoço.
ㅡ Vai morrer desse jeito... Quem esquece a melhor alegria de viver?! ㅡ Hyesoo espetou um de seus *gyeranmari com o *hashi.
ㅡ Eu estou com fome! ㅡ emburrada, Karin procurou a carteira em sua bolsa.
ㅡ Vamos descer e comprar alguma coisa no refeitório. ㅡ Yuna se levantou ㅡ Eu trouxe um almoço frio, então não tem problema esperar mais alguns minutos pra comer.
ㅡ É melhor não demorarem demais... ㅡ Minji mastigou uma colherada de arroz com calmaria antes de prosseguir ㅡ Hyesoo já sentiu o cheiro do seu *kimbap. ㅡ cantarolou a última frase.
ㅡ Dessa vez eu contei quantos tinham antes de embalar, ouviu? ㅡ Yuna expressou bem para Hyesoo de que estaria de olho nela ㅡ Se tocar neles, eu vou saber. ㅡ desenhou uma linha horizontal imaginária com o polegar esquerdo sobre seu pescoço.
ㅡ Cuidado, ela é agressiva. ㅡ Minji concluiu ainda dando mais atenção ao seu almoço.
— Quem escuta pensa que sou esfomeada... — a mais alta entre elas, Kim Hyesoo demonstrou seu descontentamento com a careta que fez.
ㅡ E você não é?
ㅡ Antes de falar de mim, olhe pro seu próprio umbigo primeiro. ㅡ com um bico, Hyesoo jogou uma olhadela a estrondosa quantidade de arroz que a mais baixa comia.
ㅡ Deixa elas aí, com comida por perto não vão se morder pelo menos. Vamos logo que estou com fome. ㅡ Karin arrastou Yuna pelo braço.
O caminho para a cantina não era longo, porém o suficiente para as duas conversarem sobre variadas situações que ocorreram em seus dias a dias no recesso escolar.
ㅡ É mesmo! Me diz, como foi a viagem pra Hokkaido? ㅡ Karin abriu um largo sorriso.
ㅡ Na verdade não foi nada demais, só fui visitar minha tia.
ㅡ Ela se casou com um japonês que conheceu no Natal, não é?
ㅡ Clichê demais, clichê demais. ㅡ abanou a destra em frente ao rosto em negação.
ㅡ Ah, toda vez que me lembro da história de como eles se conheceram, puxa vida... ㅡ suspirou ㅡ Talvez clichês e histórias românticas existam pra alguns sortudos.
ㅡ É, pode ser que sim... ㅡ uma careta direcionada a melhor amiga ㅡ E você é uma romântica incurável, né Karin?
ㅡ Me fale mais, o que fez de diferente lá? Aposto que comeu coisas deliciosas... E as lojas? Viu alguma celebridade?
— Calma aí, uma pergunta de cada vez. Minji e Hyesoo vão ficar com ciúmes se eu te contar tudo. Vamos conversar sobre isso almoçando lá em cima com as duas.
ㅡ Sempre quis visitar o Japão, sabia? É tão maravilhoso nos mangás e animes que vejo.
Yuna podia jurar ver os olhos de Karin brilharem enquanto comentava sobre o país.
ㅡ Nem tudo é maravilhoso e perfeito como nas histórias, Karin. Feche essa porta e caía na realidade antes que a vida te dê um soco na cara... ㅡ acabou rindo ㅡ Porque do jeito que você é, não vai ser um tapa não.
Por fim as duas já haviam saído do refeitório após Karin comprar dois sanduíches triangulares de frango com salada e mais dois de carne de porco desfiada, tendo direito também a um suco de laranja. Encontravam-se subindo as escadas quando Yuna indagou curiosa.
— Karin. — os braços se cruzaram — Você está mesmo gostando de um menino?
— Por que pegam tanto no meu pé por causa disso?
— Eu sou sua melhor amiga, não acha um pouco injusto eu não saber?
Karin suspirou, e no instante em que se aprontou para responder, rapidamente seu rosto fora atingido por uma mochila. Com a força e a velocidade do objeto, a garota acertou em cheio a parede do corredor escorregando seu corpo até o chão.
— Misericórdia! — Yuna gritou pelo susto.
— Meu Deus, você está bem?! — mesmo preocupado, ele estava rindo pela cena ㅡ O nocaute foi dá pesada! Pareceu até que te matou!
O sorriso aberto e contagiante do adolescente esquentou o coração de Karin que agora estava sentada ao chão após por ter sido atingida. Zonza, sem reação ou saber o que fazer, ela apenas encarou Jaemin a sua frente enquanto um grupo de adolescentes se aglomeravam em volta deles.
ㅡ Quantos dedos está vendo? ㅡ Yuna se agachou ao lado de Karin com três dedos levantados.
ㅡ Woah! ㅡ Jaemin apontou boquiaberto ㅡ Sangue!
Karin sentiu uma ardência aguda e dolorida em seu nariz de repente, o que a fez esfregar o buço rapidamente com as costas de sua canhota.
ㅡ Uah! ㅡ a garota cobriu o nariz com ambas as mãos envergonhada pela cena.
ㅡ Quem tacou isso?! ㅡ Yuna agarrou a mochila buscando o causador do ataque.
ㅡ Primeiro vamos ver se está tudo bem... ㅡ Jaemin se aproximou de Karin ㅡ Com licença ㅡ sorriu demonstrando conforto para a garota ㅡ, deixa eu ver o nível do estrago.
Gentilmente levou a mecha dos cabelos dela que escondiam seu rosto para detrás de sua orelha. No instante em que tocou as mãos de Karin as abaixando, a menina sentiu as bochechas esquentarem expondo sua timidez.
ㅡ Ótima notícia, seu nariz não está quebrado. Péssima notícia, ele ainda está sangrando. ㅡ liberou um riso breve.
Com o acúmulo de sentimentos que tinha naquele momento devido a situação e aos toques de Jaemin, Karin teve a leve sensação de que estava perdendo os sentidos, e com razão. Aos poucos o corredor tornou-se escuro e suas forças se dissiparam sem delongas com seu corpo ficando pesado demais para manter-se erguido.
Lentamente Karin voltou a sentir calor ao seu redor. Estava aquecida e confortável embaixo de um lençol agraciado com um aroma semelhante a consultórios odontológicos. No momento em que despertou por completo, sentiu um olhar pairar sobre si.
ㅡ Yuna...? ㅡ sentou-se analisando o local ㅡ Onde estamos...?
ㅡ Enfermaria. ㅡ estava sentada ao lado da cama em que Karin se encontrava ㅡ Você desmaiou depois de ser atingida pela mochila voadora, lembra?
ㅡ É mesmo... ㅡ massageou a nuca, ela ainda estava um pouco atordoada.
ㅡ O garoto da outra sala, o que me disse que pega o mesmo ônibus que você de manhã, sabe? Ele que te carregou até aqui.
ㅡ Oh... ㅡ apertou os lábios um no outro até imaginar a cena do que havia acontecido ㅡ ELE O QUÊ?!
ㅡ Aha! Então é ele por quem você está apaixonada!
ㅡ Que absurdo! ㅡ cobriu a cabeça com o lençol escondendo a face completamente corada ㅡ Só estou com vergonha por um menino ter me carregado pra enfermaria!
ㅡ Karin, sei que sou muitas coisas, mas burra não é uma delas. ㅡ rindo descobriu a amiga ㅡ Percebi na hora que você ficou toda vermelha e nem conseguiu desviar o olhar quando ele encostou na sua mão. Sorte sua que todo mundo pensou que você ficou desse jeito por causa da mochilada na cara. ㅡ ainda ria.
ㅡ Para com isso...! Aquilo doeu a propósito!
ㅡ Com certeza, seu nariz ficou sangrando por um bom tempo. A enfermeira até deu uma bronca no menino.
ㅡ Por que ela brigou com o Jaemin?
ㅡ Então esse é o nome dele? ㅡ outro sorriso malicioso.
ㅡ Para! ㅡ Karin acabou rindo pelo nervosismo mais acanhada ainda ㅡ Responde a pergunta...!
ㅡ Parece que uma menina da sala dele que jogou a mochila. Acho que foi um mal-entendido, e mesmo assim ele que tomou a bronca.
ㅡ Aish! ㅡ bagunçou os próprios cabelos em frustração ㅡ Não acredito que ele me viu de nariz sangrando, deve ter me achado nojenta!
ㅡ Na verdade ele ficou bem preocupado, só saiu daqui porque o amigo dele disse que precisavam ir pro treino, sei lá, foi algo assim não ouvi direito.
ㅡ Espera, que horas são?!
ㅡ Sim Karin querida, você ficou desmaiada o dia inteiro. Hyesoo e Minji já foram pra quadra com o time de vôlei também. Sobramos só eu e você. Pelo menos os lanches que comprou estão vivos e guardadinhos. E eu já trouxe suas coisas também. ㅡ ergueu a mochila de Karin.
ㅡ Não acredito...
ㅡ Culpe o ataque da mochila voadora mais a fadiga da sua maratona *otaku. ㅡ riu se levantando do banquinho ao lado da cama ㅡ Sua delinquente, matou metade das aulas dormindo na enfermaria.
As duas amigas tomaram o mesmo caminho para deixar o colégio, contudo Yuna possuía um compromisso no qual precisava comparecer.
ㅡ Eu te dou uma carona se quiser.
ㅡ Não vai ser um incômodo?
ㅡ Claro que não. Minha mãe pode te deixar na frente de casa, é no mesmo caminho.
E fora assim que Karin se aliviaria por chegar mais cedo na doceria de sua família. Fazia quase um ano que ela iniciou seu trabalho de meio período na loja dos pais.
ㅡ Você trabalha até que horas mesmo?
ㅡ Até as sete. Fico duas horas sozinha depois que as meninas vão pra casa. Mas a esse horário não é cheio, então consigo lidar.
ㅡ Ah é, seu pai contratou duas meninas pra ficar no lugar dele e da sua mãe.
Enquanto as adolescentes conversavam no banco do carro, a mãe de Yuna atendia uma chamada da empresa em que trabalhava como secretária.
ㅡ Eles querem expandir os negócios, por isso vão tentar abrir outra doceria, dessa vez em Gangnam.
ㅡ Eles ainda não voltaram de lá?
ㅡ Ainda não, mas amanhã já devem estar de volta.
ㅡ Não é cansativo trabalhar enquanto estuda?
ㅡ No começo do ano até que foi, mas já estou me acostumando. Ah, e eu também ganho um salário. Não é muito, mas é dinheiro. ㅡ as duas riram
ㅡ Um minuto por favor, Han. ㅡ a senhora Lim se pronunciou ㅡ Chegamos meninas.
ㅡ Muito obrigada pela carona. ㅡ com um sorriso largo Karin saiu do automóvel.
ㅡ Nos vemos amanhã na escola. ㅡ Yuna acenou se despedindo.
Preparando-se para adentrar o estabelecimento de sua família, Karin notou a pouca cor que o céu apresentava. Iria chover em poucas horas, e por isso agradeceu ainda mais a amiga pela carona, senão chegaria ensopada em casa.
Cumprimentando as gêmeas Jinri e Jinah que cuidavam do caixa e atendiam os clientes da doceria, Karin destrancou a porta ao final do corredor no armazém da loja que a levaria a uma escadaria interna. Subindo rapidamente, ela destrancou a porta de madeira escura e adentrou sua casa. Ter aquela entrada dos fundos em seu lar era bastante útil para quando chegasse do colégio e precisasse se trocar, por exemplo. Deixou a mochila em seu quarto e guardou os sanduíches que não teve a oportunidade de experimentar no almoço na geladeira. Por fim decidiu comer um dos de frango naquele momento.
Fitou o relógio, ainda restavam longos minutos para quem ela mais aguardava ir visitar a loja. Com isso em mente, Karin voltou ao seu quarto para trocar de roupa. Um jeans escuro e um moletom azul foram o suficiente para ela. O clima húmido da primavera estava mais gélido pela tempestade que se aproximava, então seria melhor se agasalhar, ainda mais por ser a friorenta Karin em questão.
Com um rabo de cavalo despojado, a garota já se via pronta para cumprir suas horas na doceria. Se juntou as gêmeas no andar de baixo e após uma hora juntas trabalhando e conversando, se despediram. O celular era um grande companheiro de Karin em períodos como esse, não era como se não mantivesse bastante atenção na loja, porém nos momentos solitários naquele meio tempo, jogar conversa fora com os amigos por mensagem de texto não mataria ninguém.
Passado mais alguns minutos, com um guarda-chuva verde musgo em mãos, o garoto que sempre percorria aqueles corredores algumas vezes por semana agradou Karin com sua visita.
ㅡ Bem-vindo. ㅡ a mesma frase de costume.
Jaemin parecia preparado, visto que seu guarda-chuva ainda possuía a etiqueta da loja em que o comprou. Tomou noção da mudança no céu e se precaveu, era o que ela imaginava. Traçando o caminho que o garoto percorreria, Karin narrou os passos dele em sua mente. Ele caminharia ao fim do corredor e entraria a esquerda. Bingo. Correria os olhos por toda a prateleira de marshmallows e chocolates indeciso, no fim levaria o de sempre: um saco tamanho família de marshmallow para *S'mores, duas barras de chocolate meio amargo e um pacote de bolachas Graham Cracker. Karin sorriu disfarçadamente por ter acertado todas, dando crédito aos meses em que o via lá.
O valor da compra se apresentou na tela do caixa após Karin registrar os códigos de barra e guardar as compras dele na sacola plástica.
ㅡ Algo mais?
ㅡ Não, só isso. ㅡ no momento em que Jaemin estendeu o braço para entregar o dinheiro, os olhos se arregalaram em surpresa ao ver a menina ㅡ Wo! Sabia que você me era familiar todo esse tempo. Estudamos na mesma escola! Lembra de mim?
Karin acabou se acanhando, porém manteve a postura de atendente sorridente e buscou esconder sua timidez enquanto dava o troco ao garoto.
ㅡ Você me ajudou hoje no almoço, não é?
Ela preferiu fingir desinteresse, pois acreditava que se contasse que esteve o observando por todo esse tempo na loja e no ônibus, ele poderia achar que ela era louca.
ㅡ Sim, sou eu...! ㅡ o sorriso não tinha intenção de escapar dos lábios dele naquele momento ㅡ Meu nome é Na Jaemin.
ㅡ Min Karin.
Ela não sabia como reagir. Queria fugir dali para ele não escutar seu coração batendo forte, entretanto apenas conseguiu sorrir ainda tentando controlar suas expressões.
ㅡ Você está bem? O baque foi feio lá na escola. Até ficou toda vermelha e o nariz não parava de sangrar.
Com uma fisgada no coração, Karin se lembrou das palavras de Yuna conseguindo somente rir em frustração pela tamanha vergonha que sentia no momento.
ㅡ Estou bem, estou bem. ㅡ balançou a destra em frente à sua face em negação ㅡ Foi só o impacto que me assustou... Ha ha ha, ah... ㅡ um suspiro escapou ㅡ Mas soube que me levou à enfermaria quando desmaiei... ㅡ as bochechas esquentaram, todavia Karin usou toda a força que possuía para esconder seus sentimentos ㅡ Muito obrigada. ㅡ curvou a cabeça brevemente em um agradecimento.
ㅡ Que isso, você faria a mesma coisa se visse alguém se machucar por culpa sua. ㅡ ficou sem jeito, porém apenas sorria.
ㅡ Culpa sua?
ㅡ É... Mais ou menos. Meu amigo precisava ir na sala dos professores, então ele me pediu pra buscar uma coisa que uma menina da nossa sala queria entregar pra ele. Bom, nós dois pensamos que não era nada demais, ela também não explicou direito. Tudo acabaria bem se ela não estivesse de costas, me confundisse com o Jeno e se declarasse daquele jeito pra pessoa errada. ㅡ coçou a testa embaraçado.
ㅡ Meu Deus...
Karin sentiu o constrangimento da garota como se tivesse acontecido com ela.
ㅡ Né? Não a culpo por voltar pra sala e tentar me atacar com a mochila depois. Se bem que a raiva dela é com o Jeno, mas tudo bem. ㅡ pegou a sacola do balcão ㅡ Então, me desculpe pelo nocaute que recebeu... Me esquivei, por isso que te acertou. ㅡ ele ainda se impressionava ao lembrar da cena ㅡ Você voou, até saiu uns centímetros do chão, pensei que tinha morrido. Sério, nunca vi coisa igual.
ㅡ Foi tão rápido que nem sei te dizer o que pensei na hora. ㅡ os dois acabaram rindo.
ㅡ Mas você está bem mesmo, né?
ㅡ Não se preocupe, estou ótima.
E não era mentira, já que agora Jaemin a conhecia e ainda teve a oportunidade de falar com ele.
ㅡ Fico aliviado por saber disso... Certo, meus S'mores não vão se fazer sozinhos e já estou atrasado pro jantar. Melhor eu ir.
ㅡ Muito obrigada pela preferência e volte sempre. ㅡ Karin acabou rindo, mesmo que sempre tivesse dito essa frase a todos os clientes, principalmente para ele.
ㅡ Eu sempre volto. ㅡ sorriu se aprontando para seguir o caminho para casa ㅡ Sua amiga me disse que estamos no mesmo ano, só que em salas separadas. ㅡ parou na metade do caminho ㅡ Então... Te vejo na escola, Karin?
Pelo tom bastante confortável e informal de Jaemin, Karin sentiu as borboletas em seu estômago a incomodarem. Por terem a mesma idade, ele a tratou como uma amiga e isso a deixou extremamente feliz.
ㅡ Até amanhã, Jaemin. ㅡ acenou o vendo partir.
Um enorme avanço, era tudo o que Karin conseguia gritar mentalmente. De desconhecida atendente da doceria para amiga após o incidente da mochila voadora. Se animou por como todo aquele tempo o observando de longe valeu a pena. Nunca teve a intenção de se declarar para ele, era apenas uma paixonite, não o conhecia direito para dizer que era amor, somente se atraiu por sua natureza calorosa e caramelizada. No entanto, agora poderia o conhecer melhor, ele lhe deu permissão para se aproximar afinal.
Perdida com pensamentos açucarados e com o coração aquecido, Karin checava cada prateleira distraída com o que acontecia no exterior da loja. Com uma planilha em mãos, ajeitava os doces e biscoitos que estavam no corredor errado. Fora no instante em que se posicionou ao lado da estante em frente à entrada da loja que notou que a chuva já havia começado. Entretanto o que a fez acordar de seu mundo colorido, foi um misterioso jovem de óculos arredondados completamente encharcado.
ㅡ Sinto muito, não percebi que era uma doceria...
Capítulo 2 ➜
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GLOSSÁRIO
• Dosirak - recipientes no qual os coreanos levam comida para o colégio ou trabalho. Resumidamente, são as 'marmitas' coreanas conhecidas como obentō/bentō no Japão.
• Gyeranmari - é o omelete em rolinhos coreano também muito comum no Japão, porém conhecido como tamagoyaki por lá.
• Hashi - são os 'palitinhos' usados como talheres em parte dos países do Extremo Oriente.
• Kimbap - o 'sushi' coreano.
• Otaku - é um termo usado no Japão e outros países para designar os fãs de animes e mangás. Entretanto, no Japão, o termo pode ser utilizado para designar um fã de qualquer coisa em um grande excesso.
• S'more - consiste em um marshmallow assado e uma camada de chocolate entre duas fatias de Graham Cracker. É um petisco tradicional para fogueiras noturnas popular nos EUA e no Canadá.