Eu realmente tinha pensado que ele jogaria limpo, mesmo quando já havia dito o contrário.
A esperança nos deixa ingênuos e a ingenuidade nos deixa burros.
As mãos do Lobo continuaram perfeitas e sem garras, porque não foi ele quem avançou até Hansel, foi Elikham em sua forma de lobo.
- Covarde! – Jhulia gritou atrás de mim, ela tentou avançar, mas Garret a impediu.
- Não, apenas prático. – O Lobo respondeu olhando para onde Hansel tinha caído com o lobo sobre si, os dois tinham rolado no chão e Hansel tentava manter o lobo castanho longe de si.
Peguei o arco de Hansel antes que pudesse pensar em outra coisa, encaixei a flecha e puxei o fio até o arco ranger. Fiz tudo tão rápido que esqueci da dor em minhas costas, da fome e de todos meus outros ferimentos.
- Mande-o recuar, Hansel desafiou a você Lobo, o que está fazendo é trapaça. Se Elikham não recuar, atirarei em você.– Falei com a voz tão tranquila que me assustou, comecei a andar até ele que retribuiu sorrindo secamente, os olhos me desafiando.
- Ele não é Dominante para mim. Isso é o mais justo que posso deixar. – Respondeu. Eu ainda não sabia que diabos ser um Dominante significava. Mas sendo o que fosse um desafio era um desafio, onde estava a porra da honra de macho quando se precisava dela?
Arrisquei uma olhada para Hansel, ele segurava a mandíbula do lobo o tanto que podia, mas não havia nada que ele pudesse fazer desarmado contra um 'animal' daquele tamanho sobre si. Lembrei da minha tentativa de fuga em Swenney Pines quando o cão de um dos patrulheiros me atacou.
- Vou contar até três Lobo, se Elikham não retroceder, eu vou te acertar – Falei, esticando o fio até o limite, eu nunca tinha atirado com um arco e flecha antes, mas estava certa que poderia fazer.
- Vá enfrente. – Seus olhos brilhavam como labaredas alaranjadas, incitando-me a ataca-lo.
Disparei a flecha.
Prendi a respiração vendo-a voar tão alto que acabou do outro lado da clareira. Muito longe do alvo original.
Eu tinha errado completamente.
- Esse é o seu melhor? – Ele perguntou, não precisei vê-lo para escutar o sorriso debochado em sua voz.
Hansel fez um som de dor, virei em sua direção para ver que Elikham havia aberto uma ferida em seu tórax. Garret e Jhulia estavam congelados atrás de mim.
- Você teve o sangue, mande-o parar. – Exigi, estávamos separados por menos de oito passos.
- Não. – Falou, em uma contração de lábios. – Isso vai ensina-la a não contrariar minhas ordens. Deve temer-me Aysha, tema o meu poder e fique submissa a ele. – Dito isso os lobos começaram a fechar seu cerco, avançando lentamente.
O odiei, odiei toda a sua arrogância e prepotência como nunca tinha odiado algo, odiei com todas as partes do meu ser. Aquela caixinha cresceu, escura e maliciosa, aguardando seu ato. Eu não me dobraria para ele, eu não dobraria para ninguém.
Atirei o arco no Lobo, como esperado ele o pegou no ar e o jogou para longe. Corri até Hansel e me joguei sobre o grande lobo, o tirando de cima de Hansel, não tive certeza do porque fiz isso, mas a ideia me ocorreu e parecia bastante suculenta.
Caímos no chão, eu estava debruçada sobre Elikham quando segurei seu pescoço peludo, os pelos eram macios ao toque e tinham cheiro de terra molhada.
- Elikham pare, por favor, pare agora. – Falei, ele imediatamente parou de se contorcer tentando se livrar do meu abraço e ficou parado. Pude sentir os músculos tensos de baixo de todo aquele pelo. Ele era quente, muito e muito quente como raios de sol sobre a pele.
Eu não olhava para seus pálidos olhos verdes de lobo, olhava para o rosto surpreso de Hansel e mais a frente para o rosto do Lobo e não havia nada de surpreso em seus olhos. Eu não conseguia identificar o que era, mas aquela expressão me fez temer.
Porque de todas as outras que ele já havia me dedicado, aquela expressão foi a mais parecida que vi se enquadrar em desejo sem realmente ser, eu não estava certa se queria saber que expressão era e não estava esperando por ela.
Ainda segurava Elikham quando senti seu corpo de lobo se dissolver em meus braços com um clarão de luz. A luz forte me deixou parcialmente cega por alguns instantes, de modo que quando recuperei a visão não havia mais lobo apenas homem. Elikham se afastou de mim, tropeçando para trás, como se eu fosse sua assombração particular.
Ele esticou o braço a frente do corpo e disse em uma voz estrangulada e quase assustada: – Não se aproxime de mim.
Eu podia sentir a surpresa se formar em meu rosto, continuei sentada sobre meus joelhos sem saber o que exatamente tinha feito. Não tive muito tempo para pensar nisso. Pois em um momento via o rosto pálido e suado de Elikham e no outro névoa branca cobria o chão, como fumaça espessa.
Alguém me tocou e eu gritei, a pessoa passou a mão para minha boca e me levantou, parei de me debater assim que toquei o sangue, soube que era Hansel antes dele falar.
- Eles não podem nos ver ou sentir nosso cheiro, mas podem nos escutar. – Hansel sussurrou da melhor maneira que podia. Ele não se queixou dar dor e eu não esperei que fizesse. Balancei a cabeça sinalizando que eu tinha entendido e ele libertou minha boca, passando sua mão para a minha. Começamos a andar de mãos dadas e eu não sabia como ele estava se orientando, a névoa tinha se fechado sobre nós como uma segunda e impenetrável natureza, muito diferente da primeira nevoa que Garret formou para atordoar o ogro.
Escutei os lobos rosnarem, vasculharem o terreno a nossa procura. Hansel não fazia barulho a andar e nem parecia se esforçar para ter esse efeito, eu pelo contrário dava meu melhor, que não era o bastante, as folhas continuavam a estalar mesmo que gentilmente sobe meus pés. Um lobo cinzento surgiu a nossa esquerda e desapareceu antes que nos visse. Fiquei petrificada no lugar até Hansel me puxar, obrigando-me a continuar.
Vi Jhulia no fim da névoa, fazendo movimentos insistentes com a mão para que fossemos mais rápido. Já tínhamos quase saído completamente da névoa quando percebi que não era mais arrastada por Hansel, eu quem o arrastava. Olhei diretamente para o ferimento pela primeira vez e percebi o quão ruim estava. A frente da camisa estava arruinada e ensopada em vermelho, quatro grandes cortes deixavam em vista a carne rosada. Garret surgiu de algum lugar do chão ao lado de Jhulia, foi quando percebi o alçapão. Ele correu até nós e passou braço por baixo dos ombros de Hansel o ajudando a se firmar.
As coisas tinham acontecido tão rápido que eu me sentia enjoada, da forma que só o nervosismo podia deixar. Olhei para trás esperando a névoa se dissipar instantaneamente e o Lobo surgir atrás de nós, mas nada disso aconteceu. Perguntei-me o quanto tinha andado com Hansel pela névoa, mas a resposta não veio, era como se uma parcela do tempo tivesse saltado. Respirei fundo e isso me custou a pouca coragem do sangue e o restante das minhas forças, meu corpo estava pesado e cada movimento parecia acionar pontos extras de dor.
Jhulia me parou quando estive para entrar no alçapão, as mãos abrindo e fechando ao seu lado. A essa altura Garret e Hansel já haviam descido.
- Posso não ser capaz de dizer o que aconteceu lá e você pode ser apenas uma garota, mas saiba que se você for uma ameaça ou parte de algum tipo de plano D'Ele, vou matá-la. – Ela disse cada palavra com promessas dolorosas. Eu estava tão cansada e dolorida que não pude leva-lá a sério, isso deve ter se mostrado no meu rosto porque ela adicionou suavemente, sem olhar para mim. – Obrigada por salvar o Hansel, o que fez realmente foi incrível.
Antes que eu pudesse responder, de forma tão súbita, fui derrubada no chão por um dos lobos que nos perseguiam.
- Fujam. – Falei, escutando mais animais se aproximarem. – Fujam agora! – Gritei, quando Jhulia hesitou por um instante antes de fechar o alçapão, desaparecendo no solo enquanto a nevoa decaia.
N.A: Surpresa, surpresa, para quem já tinha lido a primeira versão do livro. Desabafando, não me odeiem por cortar esse arco, sei que muitas gostaram dos personagens de Miticovia, mas foi precisamente aqui que cometi um dos erros na primeira versão que fez com que o livro perdesse seu foco. Estendi por mais o arco em Miticovia sendo que ele não acrescentou nada ao roteiro principal, apenas um ilusório triangulo amoroso que eu não pretendia mesmo dar continuidade. E pior fiquei tão presa em querer encaixa-los no restante da história que atrasei todo o desenvolvimento e isso me levou a ficar bastante chateada. Dessa forma, para acelerar o livro e não perder o foco decidi tirar a parte em que Aysha vai para Miticovia, isso não significa que vou esquecer os personagens por completo, eles apenas não terão tanto destaque e influencia quanto antes.