Capítulo 2.
All of my memories keep you near
in silent moments imagine you be here
All of my memories keep you near
your silent whispers, silent tears
Within Temptation - Memories
Os dias passaram a correr desde que estivera com o Evan pela primeira vez. A realidade é que afinal ele não era tão mau assim e sentia que podia ceder um pouco da minha confiança. Não o considerava um amigo, mas talvez estivéssemos a caminhar no percurso correto.
Evan passou os dias anteriores comigo a mostrar-me a cidade, levou-me a conhecer os parques, as zonas que não eram propriamente seguras, como usar transportes públicos e até me ajudou a escolher um iPod para ouvir música durante as minhas viagens no autocarro, ou quando corria.
Sentia-me um tanto ansiosa pelo começo das aulas. Apesar de não conhecer ninguém naquela escola, para além de Evan, mentalizei-me que não poderia ser muito mau. Seria pior se não conhecesse ninguém de todo, o que não era o caso, felizmente. Naquela manhã fria, vesti um casaco de cabedal castanho, uma camisola branca, uns jeans escuros e umas botas quentes castanhas. Decidi usar também um gorro branco e assim que fiquei pronta, desci para tomar o pequeno-almoço. O cheiro das panquecas emanava no ar, causando com que o meu estômago doesse com a fome que sentia.
- Bom dia, Rachel. – Ela sorriu. – Cheira tão bem.
- Bom dia, menina. O seu pequeno-almoço já está pronto. – Ela anunciou enquanto preparava a mesa, mas quando me ia sentar, a campainha soou. Dirigindo-me à porta e abrindo-a, Evan surgiu com um sorriso e cumprimentando-me seguidamente. Convidei-o a entrar e ele seguiu-me até à cozinha.
- O que é que cheira tão bem? – A sua voz soou à medida que entrava na divisão, cumprimentando Rachel também.
- Panquecas. – Ela respondeu, seguidamente exibindo um prato recheado. – Quer algumas? – Ele olhou-me como se me pedisse permissão e dei de ombros, sorrindo. Ele anuiu então, os seus olhos verdes quase a brilharem.
Ele sentou-se ao meu lado na mesa e as panquecas foram divididas entre os dois, dois copos de sumo seguidamente foram colocados à nossa frente. Assim que tomamos o pequeno-almoço, maioritariamente discutindo assuntos da escola, subi as escadas rapidamente para pegar na minha mochila pequena e regressei para o lado de Evan. Ambos nos despedimos de Rachel e saímos, caminhando em direção à paragem do autocarro.
- Então, dormiste bem? – Ele questionou, tentando criar um tema de conversa.
- Por vezes custa-me acordar porque a cama é tão confortável. – Ele riu-se. – Mas sim e tu? – Ele assentiu apenas como resposta.
- Sentes-te preparada para o teu primeiro dia? – Olhei-o e ele pareceu um tanto ansioso, quase como eu me sentia. Ponderei se isso era visível no meu rosto.
- Nem por isso. – Respondi honestamente, encolhendo os ombros.
- Espero que pelo menos este ano possa ter um ano tranquilo. – A sua voz carregava um tom diferente.
- O que queres dizer com isso? – As minhas sobrancelhas uniram-se enquanto o olhava.
– Que todos os anos os típicos miúdos populares têm uma espécie de tradição em que lançam uma festa e toda a gente, e refiro-me a toda mesmo, têm de ir.
- Porque senão o que acontece? – Chegamos à paragem do autocarro, eram apenas oito horas e tínhamos vinte minutos para chegar.
- É uma espécie de batismo, eles dizem, a que temos que ir porque senão eles infernizam as nossas vidas durante todo o ano letivo. Não é propriamente agradável.
Tentei imaginar o Zayn a meter-se com alguém por se recusar a ir a uma festa. Libertei-me desse pensamento quando o autocarro chegou. Entramos e ele arrancou, mal mostramos os nossos cartões com viagens para uma semana.
Assim que chegamos à escola, vimos de tudo um pouco e ouvimos também. Raparigas aos guinchos por finalmente se reencontrarem, rapazes a cumprimentarem-se com abraços, casais a beijarem-se... Caminhei ao lado de Evan e reparei que faltavam apenas cinco minutos para entrarmos para a primeira aula. Ainda tive de ir à mochila e verificar o horário. Felizmente, o primeiro dia no curso de Artes começava demasiado bem com Desenho.
Enquanto ele ia cumprimentando algumas pessoas pelo caminho, tanto rapazes como raparigas, eu mantinha-me cabisbaixa. Aguardava sempre à distância até ele dispensar um minuto do seu tempo, ou menos para falar com todas as pessoas que iam ter com ele, ou simplesmente para se cumprimentarem. Caminhamos para a sala e sentei-me ao seu lado.
*
A aula resumiu-se a uma breve apresentação dos alunos, preenchemos também uma ficha de dados para colocar numa caderneta e fizemos um teste básico cujas questões eram à base de que tipo de técnicas conhecia, quais os meus artistas favoritos, o tempo favorito... Quando terminou, saímos em conjunto e caminhamos pelos corredores que estavam atolados de gente. Evan indicara-me onde era o meu cacifo e abri-o após algum custo. Guardei tudo o que não necessitaria lá para não ter que andar carregada visto que teríamos espanhol a seguir e após isso Inglês. O material de desenho ficou todo guardado, assim só andaria com a pequena mochila bege durante pouco tempo entre as duas aulas. Evan terminara de guardar as suas coisas e agora observava-me.
- Não tens mais nada para fazer para além de estares a olhar para mim? – Questionei ironicamente.
- Agora que falas nisso... Até tenho. Vou à casa de banho eu depois encontro-te na sala, está bem? – Assenti e ele saiu a correr com os jeans escuros quase a caírem-lhe pelas pernas abaixo. Abanei a cabeça negativamente enquanto sorria. Começava a notar que os alunos que se encontravam nos corredores já estavam a caminhar em direção às aulas, enquanto eu ainda me encontrava a organizar o cacifo. Não gostava de confusões, fosse com o que fosse.
- Estás atrasada para a tua aula, Charlotte. – Uma voz grave soou bem perto do meu ouvido e senti um calafrio percorrer o meu corpo. Tive receio de me virar e ver quem era o autor daquela voz, porém, eventualmente, teria de o fazer.
Assim que me virei, vi o aclamado Zayn Malik e senti um nó a formar-se no meu estômago quando ele me olhou de cima abaixo. Ele envergava um bowler hat , um casaco de ganga preto, uma camisa com efeito xadrez vermelha e branca e uma t-shirt branca com uma caveira vermelha estampada. Os seus jeans eram de ganga escura e umas all star brancas. Ele também carregava uma mochila preta apenas com uma alça pendurada no ombro. Olhei-o apenas com desdém e um pouco de receio pela sua fama. Um pequeno sorriso formou-se no canto dos seus lábios bem delineados e eu engoli em seco.
- Isso não é do teu assunto. – Decidi reprimir o medo que se revoltava no meu peito e o facto de me custar a respirar quando senti o perfume dele, anunciava que ele se encontrava demasiado próximo de mim. Virei-me para fechar o cacifo e quando me voltei para ele, apercebi-me que estava apenas a escassos centímetros de mim. Um sorriso sarcástico esboçou-se nos seus lábios, exibindo o seu sorriso perfeito. – Como sabes o meu nome? – Questionei, cruzando os braços sobre o peito. Decidi sair dali devido aos olhares que começavam a cair sobre mim e sobre o facto de Zayn estar a escassos centímetros do meu rosto, o que me deixava imensamente desconfortável.
- Tenho as minhas fontes. – Ele afastou-se ligeiramente quando passei por ele e caminhei em direção à sala. Infelizmente ainda teria de andar um bom bocado visto que era só no andar de cima e ele continuava a seguir-me.
- As tuas fontes também te disseram que não gosto de socializar? – Ele deu uma pequena gargalhada.
- Por acaso não, mas obrigada pela informação. – O seu passo abrandou o passo e os olhares que caíam sobre nós já não eram o suficiente, começava a ver algumas raparigas a murmurarem palavras inaudíveis.
- Não precisas de saber mais nada então? – Subi as escadas enquanto Zayn me acompanhava. Por momentos só quis que ele estivesse lá no canto dele e não se viesse meter comigo. Caminhei rapidamente até quase chegar à sala, mas ele intercetou o caminho, colocando uma mão à minha frente o que me fez encostar à parede automaticamente.
- Por acaso quero convidar-te para uma festa que eu e os rapazes vamos dar no Sábado. Sei que és nova por aqui, estou sempre atento a rostos novos... - Aquele sorriso sarcástico surgiu novamente e senti pequenos arrepios a percorrer o meu corpo. Conseguia sentir o odor agradável do seu perfume novamente e mantive uma expressão inerte. – Nem me apresentei. Sou o Zayn...
- Eu sei quem tu és. – Interrompi-o. Tentei guardar o medo numa gaveta e fechá-lo a sete chaves, mas apesar de tentar parecer confiante senti que Zayn sabia que eu estava aterrorizada. – Tu és um dos típicos rapazes do qual eu me devo manter afastada. – Esperava tê-lo ofendido, mas ele apenas arqueou o sobrolho e soltou uma gargalhada calorosa.
- Estou a ver que não sou o único que tem fontes. – Lancei-lhe um olhar quase furtivo e ele sorriu, como se aquilo o divertisse. – Bem, não interessa. Espero-te na minha festa, o Evan com certeza irá contigo... Ele sabe o local. – A sua mão libertou o caminho para eu sair dali, virando então as costas e caminhando na direção oposta. Permaneci no corredor a olhar para ele, enquanto se afastava como se não tivesse acabado de me dar uma ordem.
- Eu não vou à tua festa idiota! – Resmunguei. Do fundo do corredor, ele olhou para trás enquanto exibia um sorriso presunçoso. Respirei fundo e bati à porta antes de entrar. Como se não bastassem os olhares que me lançaram no piso de baixo, a turma inteira me olhava agora. Uma senhora amorosa com os seus cabelos da cor do fogo, vastos de caracóis, exibiu um sorriso e mandou-me entrar. Pedi desculpa pelo atraso e sentei-me ao lado de Evan.
- Onde estiveste? – Ele sussurrou.
- Perdi a noção do tempo, desculpa. – Ele afagou-me o ombro e lançou um sorriso compreensivo.
- Também já me aconteceu.
A Professora, que preferia ser tratada por Miss Pritchett, era realmente muito simpática e passou a aula a falar sobre a vida dela e como começou a dar aulas de Espanhol. Fazia perguntas aos alunos, perguntou o que eles sabiam da língua e sinceramente muitos responderam que não sabiam absolutamente nada. Enquanto estive no orfanato aprendi um pouco de Espanhol, mas decidi permanecer em silêncio e aplicar os meus conhecimentos em papel quando tivesse oportunidade para tal.
Basicamente a aula passou a correr visto que nos estávamos a divertir e assim que anunciou o toque de saída, Evan levantou-se e deixou a mochila em cima da mesa. Retirei apenas o porta-moedas da minha, coloquei o iPod no bolso do casaco e depois pus a mochila de Evan por cima da minha.
- Estou com fome. – Queixei-me afagando a minha barriga.
- Vamos até à cafetaria. – Ele anunciou com um certo entusiasmo patente na sua voz. Deu-me vontade de rir, honestamente. Caminhamos até à pequena cafetaria onde Evan pediu dois croissants com manteiga e dois sumos de ananás. Ele não me deixou pagar o que me fez sentir um pouco mal comigo própria.
- Não era preciso... Mas obrigado. – Remexi no porta-moedas. – Agora toma o dinheiro.
- Eu não quero. – Dando de ombros, ele entregou-me o croissant e o sumo para a mão, dirigindo-se depois para uma das mesas retangulares.
- Evan... - Ele olhou-me com as sobrancelhas arqueadas.
- Charlotte, se eu paguei por isto foi porque quis, não tens de me dar dinheiro.
- Mas não gosto que gastem nada comigo. – Pensei em todas as coisas que Lyn me dera e fiz um trejeito.
- Podes recompensar-me de uma maneira então. – Sentei-me no banco à frente dele e vi-o a aproximar-se. – Posso jantar em tua casa logo? – Devido ao seu ar sério, não contive uma gargalhada.
- Eu acho que a Lyn ia adorar. Por mim estamos combinados. – Ele sorriu triunfante.
- Qualquer dia peço à Rachel para me ensinar a cozinhar decentemente. – Ele deu uma trinca no seu croissant e bebeu um pouco do sumo diretamente da lata.
- Ela faz mais do que cozinhar. – Afirmei. – Ela limpa a casa toda, prepara as refeições, trata das roupas... basicamente, ela faz tudo. Sinto um pouco de pena dela, afinal as tarefas domésticas deviam ser divididas, certo? – Questionei enquanto Evan me olhava com os seus olhos verdes curiosos.
- Charlotte, ela é paga pelo seu trabalho. Não tens de te sentir mal. – O sorriso que ele me ofereceu demonstrava simpatia.
Assim que terminamos, saímos da cafetaria e dirigimo-nos à sala para termos a aula de Inglês. Já o professor cujo nome era Wyatt Chance não parecia ser muito simpático e não falou quase nada sobre ele ou fez perguntas sobre nós. Apenas nos entregou uma folha com algumas questões sobre quão bem conhecíamos o nosso país. A aula arrastou-se devido ao facto de preenchermos meramente aquela minificha com frente e verso. Olhei pela janela assim que terminei e dali dava para ver o pavilhão e assim que olhei em volta, quase toda a turma já tinha terminado. Ele olhou para a frente e questionou se todos já tínhamos terminado. Ele decidiu falar sobre a história do dramaturgo William Shakespeare.
***
O primeiro dia estava dado como terminado e assim que a aula terminou, dirigi-me ao cacifo para ir buscar o material de desenho que deixara lá. Arrumei-o na mochila, juntamente com Evan, cujo cacifo era apenas um pouco afastado do meu. Assim que terminei, pus a mochila às costas e caminhamos juntos em direção à saída. Quando passamos pelos portões, vi Zayn com um rapaz de cabelos castanhos-claros no entanto curtos e olhos castanhos. Ele envergava uma camisola azul e um casaco de couro, juntamente com um par de jeans escuros e umas all star pretas. Havia também outro rapaz. O seu cabelo era revestido por imensos caracóis e mantinham-se num corte rebelde. Os seus olhos verdes eram rasgados e os seus lábios finos. Ele envergava apenas uma camisola castanha, uns jeans pretos e uns all star brancos.
Ao passar por ele, Zayn piscou-me o olho e senti um nó meu estômago. Como que automaticamente, acelerei o passo até chegar à paragem do autocarro, sentando-me depois no banco cinzento. Visto que o autocarro não demorou a chegar a viagem até casa foi feita praticamente em silêncio. Haviam muitos alunos no interior, muitos a ouvirem música, outros a conversarem e a gargalharem entre eles. Foi uma viagem sossegada e assim que saí do autocarro acompanhada por Evan, ele tentou acompanhar-me e correu um pouco. Como a paragem era perto de minha casa, não demoramos a chegar e Rachel abriu-nos a porta, saudando-nos.
- Chegaram mesmo a tempo do almoço.
Entramos e pousamos as mochilas na entrada caminhando depois para a cozinha. Ao olhar para o relógio que se situava por cima do frigorífico, apercebi-me que eram apenas duas horas e começava a sentir uma certa fome. Convidei Evan para se sentar ao meu lado na sala de jantar e ele assim o fez com um sorriso. Rachel serviu-nos e depois retirou-se para a cozinha.
- A tua tia não está por casa? – Ele questionou bebendo um pouco do sumo de laranja depois.
- Provavelmente foi trabalhar. – Afirmei, levando uma garfada de carne aos lábios.
O almoço passou-se e após isso, decidi subir para o meu quarto acompanhada por Evan. Ele sentou-se na minha cama, ligando a televisão em seguida e eu sentei-me na cadeira à frente da secretária, remexendo depois na gaveta da mesma procurando por uma folha limpa de desenho. Comecei a observar Evan enquanto o desenhava. Ouvia os sons da televisão a mudarem de cada cinco a cada cinco segundos. O desenho estava a correr bem até ele se fartar e desligar a televisão, levantando-se seguidamente. '
- Não te mexas! – Ordenei. Ele estacou e após isso voltou a sentar-se, olhando-me com o sobrolho arqueado.
- Estás a desenhar-me? – Um sorriso pretensioso formou-se nos seus lábios carnudos, uma expressão convencida aparecendo quase de seguida.
- Estou a tentar. – Afirmei dando uns retoques nos olhos. – Se parares de te mexer por um minuto que seja. – Respondi ironicamente e o sorriso pretensioso desvaneceu, dando lugar a um divertido. Ele colocou-se na posição posterior e voltou a ligar a televisão fazendo zapping novamente.
- Agora é estranho estar assim visto que agora sei que estou a ser desenhado. – Ele mudava constantemente de posição, o que me levou a usar um pouco da imaginação e técnica que eu sabia possuir.
*
- Ok, chega, não aguento mais. – Ele reclamou levantando-se da cama.
- Está quase. Espera só mais um minuto. – Pedi e ele voltou a sentar-se na beira da cama com os braços cruzados enquanto suspirava impacientemente. Dei os retoques finais ao desenho e após isso, sorri. – Está pronto. – Ele aproximou-se e pegou na folha. – Então? O que achas? – Questionei um tanto ansiosa.
- Está tão bom! – Ele esbugalhou os olhos e sorriu. – Tens um talento natural para isto. – Sorri com o elogio. Ver a sua expressão maravilhada, fez-me perceber que realmente gostara do que eu desenhara.
- Obrigado. – Prendi o cabelo atrás da orelha.
- Onde aprendeste a desenhar assim?
Ele ainda admirava o desenho e subitamente senti uma tontura, sentando-me novamente na cadeira. Tudo se tornou bastante desfocado e o som apenas um leve murmúrio de fundo enquanto era arrastada para algo.
- Lottie? – Uma voz suave murmurou o meu nome e abri os olhos lentamente onde um raio de sol incidiu e obrigou-me a cerrá-los novamente. A minha visão encontrava-se desfocada, até forçar os olhos novamente e admirar uma figura feminina. – A minha princesinha é uma dorminhoca. – Os seus olhos verdes brilhavam e os seus cabelos castanhos esvoaçavam gentilmente ao som do vento.
- Mamã? – Questionei enquanto lançava os braços em direção ao seu pescoço. Ela envolveu-me num abraço apertado e sentou-me no seu colo. Enterrei o rosto no seu ombro e nunca me senti tão segura.
- A mamã está aqui. – Ela pousou-me no chão em frente a uma mesa em cima da mesma encontrava-se uma folha e lápis de cor. Comecei por desenhar um sol, as nuvens azuis, a erva verde repleta de flores de todas as cores e depois desenhei uma menina pequenina de cabelos dourados a segurar a mão de uma de cabelos castanhos.
- Mamã, sou eu e tu.
- Que lindo, Lottie. – Ela sorriu e foi como se todos os problemas do Mundo não existissem.
- Daneel! – Ouvi uma voz grave e desconhecida a soar pela casa a clamar pelo seu nome e o seu sorriso desvaneceu.
- Charlotte? – A minha visão ainda se encontrava meia turva. – Charlotte, que raio aconteceu? – Ouvi a voz de Evan e ele afagou-me os cabelos. Abri os olhos e senti a minha cabeça apoiada nas suas pernas, os seus braços em torno do meu tronco. Ele ajudou-me a levantar e senti uma pontada forte na cabeça.
- O que aconteceu? – Questionei confusa. A preocupação espelhava-se por todo o seu rosto, a aflição notável.
- Estavas sentada ali na cadeira e do nada desmaiaste. Parecias inanimada e estive até agora a tentar falar contigo, mas só agora despertaste. – A sua respiração encontrava-se ofegante. – Pregaste-me um susto de morte!
- Desculpa... - Pedi debilmente e ele conseguiu sorrir um pouco, ajudando-me a levantar na totalidade e suportando os meus meros cinquenta e cinco quilos. Sentou-me na cama, posicionando as almofadas para que me sentisse mais confortável. – Deve ter sido apenas uma quebra de tensão, não sei. – Menti e reparei que Evan ficou um tanto desconfiado. – Não comi muito ao almoço, tu viste. E já passaram algumas horas...
- Tens de comer. Vou pedir à Rachel para te preparar alguma coisa.
Ele afagou o meu braço e eu agradeci-lhe. Encostei a cabeça à almofada e cerrei os olhos, esperando que mais um fragmento da minha memória voltasse. Parecera tão real... O seu toque, a sua voz fresca como uma brisa de Verão e depois aquela voz desconhecida que me fez estremecer. A quem pertencia? Qual era o motivo para o seu sorriso desvanecer quando ela a ouviu?
Quebrando os meus devaneios, Evan entrou no quarto novamente enquanto fechava a porta atrás de si. Ele sentou-se ao meu lado e entrelaçou os seus dedos nos meus.
- Desculpa se te assustei. – A minha voz ainda soava débil.
- Não tens de pedir desculpa. – Ele esboçou um sorriso sem demonstrar os seus dentes brancos e acenou afirmativamente. – Charlotte, só quero que saibas que vou estar sempre por perto para te ajudar, no que necessitares.
- Obrigada, Evan. – Sorri e apertei a sua mão. A necessidade de o ter ao meu lado começava a tornar-se maior e ele talvez fosse o primeiro amigo que fizera verdadeiramente, sem me achar estranha ou afastar-se. Mas se queria manter esta amizade, teria de manter os meus segredos ocultos.
Editado: 07.01.2020