Refém da Noite - Degustação

By escrevethais

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-= Primeira versão da história, não revisada. A versão tem alterações. =- Laura sabe exatamente qual é o se... More

Sinopse e Avisos
Agora
Antes
Capítulo Um - Parte 1
Capítulo Um - Parte 2
Capítulo Dois - Parte 1
Capítulo Dois - Parte 2
Capítulo Três - Parte 2
Capítulo Quatro - Parte 1
Capítulo Quatro - Parte 2
Capítulo Cinco - Parte 1
Capítulo Cinco - Parte 2
Capítulo Seis - Parte 1
Capítulo Seis - Parte 2
Capítulo Sete - Parte 1
Capítulo Sete - Parte 2
Agora
Capítulo Oito - Parte 1
Capítulo Oito - Parte 2
Capítulo Nove
Capítulo Dez - Parte 1
Capítulo Dez - Parte 2
Capítulo Onze - Parte 1
Capítulo Onze - Parte 2
Capítulo Doze - Parte 1
Capítulo Doze - Parte 2
Final
Refém da Noite na Amazon + infos sobre físico

Capítulo Três - Parte 1

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By escrevethais

Eu sempre falo que Monte das Pedras só tem um bar, mas na verdade tem vários. Um deles virou "o bar", porque é o maior e mais sofisticado. Dos outros, a maioria são botecos ou bares sem nada de diferente, o tipo de lugar que você encontra em toda parte. Não que eu tenha algo contra botecos. Meus quatro anos em Belo Horizonte e os lugares onde costumava terminar a noite deixam isso bem claro. Mas ir parar em um deles, ali, não era uma boa ideia por vários motivos diferentes. "O bar" tem três espaços grandes ligados entre si, dois na altura da rua e um mais baixo. A impressão que eu tenho é que o dono comprou três lojas uma do lado da outra e basicamente tirou as paredes internas. Onde antes eram as portas da loja agora são grades baixas, que saparam o espaço do bar da calçada, e ainda bem que nunca inventaram de colocar vidros ali, senão o lugar ia ser um forno. As paredes são pintadas numa combinação de vermelho e creme. As cadeiras têm armação de metal, com almofadas combinando com as cores das paredes, e as mesas têm tampo de vidro – o que para mim é a maior prova de que é um barzinho "chique", por falta de outra palavra.

Nas sextas e sábados à noite, ele costumava estar lotado. Por sorte, quinta-feira tinha bem menos movimento, já que todo mundo ia trabalhar no dia seguinte, então conseguimos uma mesa sem nenhum problema. Estávamos em um dos espaços no nível da rua, à direita do balcão comprido que corria pela parede dos fundos, com bebidas nas prateleiras atrás dele.

Olhei ao redor, sorrindo. De certa forma, estar ali me lembrava de antes. Não de BH e das noitadas com o pessoal da faculdade, mas de quando eu ainda era menor de idade e mal podia esperar até meus dezoito anos para poder entrar ali. Eu falava que assim que fosse maior ia tirar um dia no mês, no mínimo, para sair e me divertir sem me importar com o que fossem falar. Sonhos de adolescente que foram pisoteados pela realidade, no fim das contas, mas não era tarde demais para recuperar um pouco daquilo.

— O que deu em você hoje, Lau? Planos que não quer contar, agora resolvendo vir aqui...

Me virei para Rick. Ele estava me encarando e balançando a cabeça de leve, como se não tivesse certeza do que estava acontecendo. Bom, para ser honesta, nem eu sabia bem.

Sorri.

— Só estou de bom humor.

Ele se inclinou para trás na cadeira e cruzou os braços. Meu sorriso se alargou enquanto eu o observava. Rick, naquela posição, com a luz batendo logo atrás dele e as cores do bar... Daria um bom desenho. Já tinha o que fazer no dia seguinte.

— De bom humor? — Ele ergueu uma sobrancelha.

— Aham.

Estiquei a mão para o menu, mas Rick o pegou antes de mim. Soltei um suspiro irritado enquanto ele escolhia o que ia pedir. Era capaz de apostar que ele ia tentar pedir por mim, e não queria nem saber daquele tipo de coisa.

Olhei ao redor de novo, reparando nas pessoas que podia ver. Um grupo de três adolescentes que eu não tinha certeza de que eram maiores de idade estavam sentados no fundo do espaço onde estávamos. Um casal mais velho que meus pais estava em uma das mesas pouco atrás de Rick, e mais nada ali. Levando em conta que só tinha visto duas mesas ocupadas no caminho, ou todo mundo tinha descido para o terceiro espaço, ou o movimento não estava muito bom mesmo.

— Ei, Saulo! — Rick levantou o braço.

Foi minha vez de levantar as sobrancelhas quando um dos garçons se virou na hora e veio na nossa direção. Moreno, com o cabelo curto e espetado e olhos castanho claros, ele estava usando um avental vermelho sobre uma camiseta clara e calça jeans. Precisei de um instante para me lembrar dele. Tínhamos conversado um pouco em uma festa na casa do Rick, uns meses antes. E ele só sabia falar de academia e de como se manter em forma. Bom, pelo menos parecia que estava tendo resultados.

— E aí, Rick, faz tempo que não te vejo. O que vai ser? O de sempre? Jack Daniels?

— Isso. E para Laura pode ser uma Coca...

— Uma cerveja para mim — interrompi. Como se eu fosse entrar em um bar para tomar refrigerante. — Tem Stella?

— Você não devia pedir cerveja — Rick falou, depressa, e me virei para ele, estreitando os olhos. — Não combina com você. Não é feminino. Você não devia...

Ele se calou. Eu queria pensar que era porque tinha notado a besteira que estava falando, mas sabia que não era. Rick não era o único cara a achar que mulheres não deviam beber, longe disso. Era uma visão bem comum na cidade, na verdade. Eu só não entendia como tinha engolido aquilo por tanto tempo. Quantas vezes Rick me disse que não devia fazer alguma coisa e eu aceitei, só para evitar uma briga?

Bom, se ele queria algo mais feminino, sem problemas.

— Ele tem razão. — Me virei de volta para Saulo. — Um Long Island Iced Tea, então.

Ele mudou o peso do corpo de uma perna para a outra, balançando a cabeça antes de falar.

— Acho que o que você quer não é o Long Island...

E, claro, ele sabia melhor que eu o que eu queria pedir. Por que não me surpreendia? Já tinha um namorado que achava que podia pedir refrigerante para mim em um bar e que mulheres não deviam beber, um garçom que quer fazer meu pedido por mim não era nada demais.

— Coca-cola, gim, rum, vodca, tequila, curaçau e limão — falei e vi os olhos de Saulo se arregalarem. — É isso mesmo que quero. Vocês têm?

Ele assentiu e se afastou depressa, sem falar mais nada. Só então me virei para Rick, que estava me encarando com uma expressão tão perplexa que chegava a ser cômica. Ele abriu a boca e a fechou, balançando a cabeça, e levantei as sobrancelhas.

— Tem certeza de que vai beber isso, Lau? Esse drink tem cara de ser forte e você nem bebe! Não acho que seja uma boa ideia...

Provavelmente não era. Fazia dois anos que eu mal bebia. Mas duvidava que um drink fosse me derrubar, mesmo assim. E, mesmo que derrubasse, qual era o problema? Por que só ele podia beber até mal conseguir ficar de pé, como sempre fazia nas festas e quando saíamos com seus amigos?

E eu estava cansada daquilo. Tinha aceitado tudo para evitar brigas, porque brigar não ia adiantar nada. Ter voltado para Monte das Pedras depois de tudo que precisei fazer era prova disso. Mas não brigar significava me conformar e jogar minha vida fora. Meu pai estava muito mais certo do que imaginava. Se eu ficasse quieta, nada ia mudar. Eu ia ter exatamente a vida da qual sempre tentara fugir. Então estava acabado. A Laura que aceitava calada ia deixar de existir, porque ela nunca nem deveria ter existido.

— Eu não bebo aqui — falei, pegando o menu e começando a olhar os aperitivos. Não queria comer nada, na verdade, mas era uma boa forma de não precisar encarar Rick.

— Belo Horizonte, não é? Você bebia quando estava lá?

Revirei os olhos.

— Claro que bebia.

Rick balançou a cabeça, me encarando, sério.

— Bem que eu falei que não devia ter ido. Olha só isso. — Ele balançou a cabeça de novo.

Saulo voltou, me poupando de responder, e colocou nossos drinks na mesa. Tomei um gole e sorri, encarando a rua. Não queria brigar. Mas também não ia ficar calada enquanto Rick falava como eu devia viver a minha vida. Talvez, se não falasse nada, ele deixasse o assunto para lá. Por que tinha chamado Rick para vir comigo? Era óbvio: porque ele era meu namorado. Tínhamos que sair juntos, certo? E, se eu tinha um namorado, não podia sair para me divertir sem ele, não é?

Tomei mais um gole do meu drink, furiosa comigo mesma. Eu pensava que quatro anos fora tinham sido o suficiente para me mostrar que não era assim, que eu tinha direito de viver a minha vida, sem estar atrelada a ninguém. Agora não sabia se havia aprendido, de verdade, ou se só deixara as coisas que sempre ouvi de lado, até voltar para casa. Porque eu estava agindo exatamente como as pessoas que sempre considerei um exemplo do que não ser. No fim das contas, será que alguém realmente conseguia escapar de tudo o que sempre ouviu? Ou será que querer fazer isso é só uma ilusão? Uma fantasia de adolescentes, que quando crescem se tornam o espelho do que odiavam.

E eu não deveria ter saído para beber quando estava com a cabeça assim.

Não. Eu não estava com a cabeça assim quando falei que queria vir beber. Rick me tinha me deixado assim. Ele sempre me fazia questionar tudo o que fazia, e não de uma forma boa. Talvez esse tenha sido um dos motivos para eu não ter lhe mostrado minhas ilustrações, os trabalhos dos quais realmente me orgulhava, e só os desenhos que fazia por passatempo.

Olhei de relance para o drink de Rick. Me lembrava bem de ver os caras pedindo whisky quando estava em bares com algumas amigas. Normalmente aqueles eram os caras que nós fazíamos questão de ignorar. Era uma combinação entre a forma como agiam, como se estar bebendo Jack Daniels os fizesse mais machos, e como olhavam para as mulheres, como se estivessem escolhendo um pedaço de carne. Aprendi depressa a manter aqueles caras à distância, eles sempre significavam problemas. Então por que aquilo nunca me incomodou em Rick? Só porque eu o conhecia desde sempre? Ou porque estava acostumada demais a assentir e aceitar sempre que ele falava ou fazia alguma coisa, só para evitar brigas? Eu realmente não fazia ideia. Só sabia que não tinha certeza de por que ainda estava com ele e se realmente valia a pena continuar com aquilo, mesmo que fazer qualquer outra coisa significasse voltar a brigar com minha família e com todo mundo que conhecia.

Mas estaria brigando por mim. Isso tinha que valer alguma coisa. Não queria ter a mesma vida da minha mãe, a mesma vida que muitas das minhas amigas tinham. Eu queria mais, e me recusava a aceitar que isto fosse algo errado.

— Então você entende de bebidas — Rick falou, com um tom leve claramente forçado.

Me virei para ele, percebendo como estava fazendo esforço para manter uma expressão normal. Provavelmente ainda estava furioso.

Dei de ombros, tomando mais um gole. Não ia mais fazer tudo o possível para evitar brigas. Mesmo que Rick parecesse estar tentando entender... Eu já tinha visto ele fazer aquilo vezes demais, antes. Era sempre assim. Ele agia como se não fosse nada demais, e nos dias seguintes acabava martelando na minha cabeça que eu estava fazendo algo errado. Não desta vez.

— Não exatamente de bebidas. Mas conheço uma barista, ela é amiga de uma colega de faculdade. Gisa acabou nos apresentando vários drinks quando viu que só pedíamos bebidas puras.

Ele assentiu, com uma expressão cuidadosamente neutra. Estava furioso mesmo.

Uma barista?

Assenti. Não precisava fazer esforço para entender sua pergunta: Rick provavelmente achava que aquilo era "trabalho de homem". Era uma das nossas discussões mais velhas e que nunca levava a lugar nenhum.

Rick suspirou, colocando seu copo na mesa.

— Sempre pensei que tinha ido para BH estudar, não para sair por aí e...

Ele se calou e eu estreitei os olhos. Não queria pensar no que ele quase tinha falado.

— Eu fui para estudar. Tanto que tenho notas boas o bastante para ter entrado no mestrado, se pudesse ficar lá. Mas minha vida nunca foi só estudar. — Dei de ombros. — Qual o problema nisso?

Rick me encarou e balançou a cabeça antes de pegar seu copo de novo e tomar um gole da bebida. Quase soltei um suspiro de alívio. Não devia ter provocado. Eu fazia uma boa ideia de qual seria sua resposta para isso, e se ele falasse aquilo seria o começo de uma boa briga. No bar. Com nós dois bebendo. Péssima ideia.

Meu celular apitou exatamente nesse momento e puxei minha bolsa, que tinha dependurado no encosto da cadeira, de volta para o meu colo. Precisei de alguns instantes para achá-lo lá dentro e dei de cara com uma mensagem de Camila.

Camila: Não acredito que você nunca me mostrou essas artes!

Comecei a responder mas vi o aviso de que ela estava digitando e parei.

Camila: Como é que você nunca contou pra gente que fazia trampos assim???

Camila: Felipe mandou avisar que está repassando seu portfólio pros amigos.

Ergui as sobrancelhas, incrédula. Eu não tinha nem mandado o link para eles, como é que já estavam comentando e repassando?

Camila: E ele falou que quer te matar por não ter mostrado essas ilustrações antes também!

Sorri, sem acreditar no que estava lendo. Primeiro Alexandre, e agora eles. Eu conhecia Camila e Felipe bem o bastante para saber que poderiam até elogiar algo que não estivesse muito bom só para não me desanimar, mas não estariam me ameaçando nem repassando links se não tivessem gostado de verdade.

Meu sorriso se tornou ainda mais largo. Ia dar certo. Eu podia fazer aquilo.

Laura: Como é que acharam o link?

Camila: Tá maluca? Te conheço. Sei que não ia mandar o link. Então procuramos.

Um pouco da minha animação diminuiu. Se tinham saído procurando meu portfólio provavelmente estavam olhando no lugar errado, então. Tomei mais um gole do meu drink antes de digitar uma resposta.

Laura: Então como tem certeza de que é o meu portfólio e não de outra pessoa?

Camila: Laura, tem dias que tenho vontade de te dar uns tapas.

Camila: Você me pintou na cachoeira! Óbvio que eu ia reconhecer!

Camila: Aliás, quero um pôster dessa ilustração. Bem grande.

Camila: Vou pregar na parede da sala.

Balancei a cabeça, sem acreditar no que estava lendo. Era o meu portfólio mesmo. Tinha feito uma ilustração baseada num dia que fomos para uma cachoeira e Camila estava saltando lá do alto. Ela foi a única louca o bastante para fazer aquilo, e eu amava a ilustração.

Camila: Está viva?

Laura: Não, vocês me mataram do coração.

Camila: Então revive aí porque ainda quero o pôster.

Laura: Te mando a imagem em alta resolução e você procura onde imprimir aí. Mais fácil.

Encarei o celular, vendo o aviso de que ela estava digitando aparecer, sumir, e depois voltar.

Camila: [Felipe aqui] vou te mandar mais uns links depois. Tô vendo que vai ter que ser pacote completo, mas sem problemas. Tem sites que você pode colocar produtos com suas ilustrações à venda.

Soltei uma risada alta, sem conseguir me conter. Estava começando a achar que ter conhecido eles foi uma das melhores coisas de BH, porque se eu fosse tentar me entender com tudo isso sozinha estaria ferrada. Mas... Eu podia vender produtos com minhas ilustrações? Como as almofadas, bolsas e canecas que eu via com artes de ilustradores que eu acompanhava? Queria era gritar, mas não podia.

— Laura?

Levantei a cabeça. Rick me encarava, parecendo preocupado. Ele não falou nada, apenas ergueu uma sobrancelha.

— Boas notícias. — Dei de ombros, antes de voltar a prestar atenção no celular.

Laura: Vocês são uns anjos, de verdade!

Camila: Anjos nada, só queremos mais daquela cachaça do interior.

Camila: Traz da próxima vez que vier.

Ri de novo. Tinha comprado a cachaça nas férias, logo antes de começar o quinto período, e ela não durou nem dois dias depois que o pessoal descobriu a garrafa.

Laura: Pode deixar! Obrigada mesmo!

Camila respondeu com um emoji de um beijo seguido de uma caneca de cerveja.

Ainda sorrindo, guardei o celular e dependurei a bolsa no encosto da cadeira de novo, antes de me virar para Rick.

— Me deixe adivinhar, alguma coisa sobre os tais planos que você não quer me contar? — Ele perguntou.

— Exatamente. — sorri, terminando meu drink de uma só vez e levantando a mão para chamar o garçom. Eu merecia comemorar.

Rick me encarou, parecendo incrédulo. Levantei as sobrancelhas e me virei para Saulo assim que ele parou ao nosso lado.

— Mais um, por favor. — Apontei para meu copo.

Ele olhou para Rick rapidamente antes de se afastar. Eu esperava muito que ele não fosse ser idiota a ponto de não trazer meu pedido. Estava de bom humor demais, não queria nada estragando minha noite.

— Mais um, Laura? Tem certeza que aguenta?

Me virei para Rick, respirando fundo. Não queria começar uma briga. Não queria.

— Aguento. — Sorri. — Mas depois desse tempo sem beber, esse é o último.

Até porque eu tinha que trabalhar no dia seguinte. Mesmo que soubesse que não ia ter ressaca – a únicas vezes que tive ressaca foram quando abusei do vinho e do champanhe –, era melhor não abusar.

— Tem certeza?

Assenti. De certa forma, era fofo ver como ele se preocupava. As coisas entre nós haviam mudado muito, não exatamente para melhor, mas pelo menos aquilo ainda estava ali. Desde sempre, Rick tinha se preocupado comigo.

E aquilo me fazia lembrar de quando estávamos no ensino médio. Eu não era a única a ter mil planos para depois que me formasse e fizesse dezoito anos. Costumávamos passar horas falando dos lugares que queríamos conhecer, de tudo o que íamos fazer. E agora estávamos aqui...

Saulo colocou o copo com meu drink na minha frente e tomei um gole, pensativa. Quando tudo havia mudado? Eu não fazia ideia. Só sabia que tinha sido antes de ir para BH, porque Rick também não queria que eu fosse.

— Quer pedir uma porção? — ele perguntou.

Balancei a cabeça, sorrindo.

— Não estou com fome.

— Só para forrar o estômago mesmo — ele insistiu. — Uma porção de fritas.

Fritas. Quem recusava fritas? Encarei Rick, que estava com o copo na mão, e abri a boca para dizer que aceitava antes de parar e pensar melhor no que ele tinha falado.

— Forrar o estômago?

— É. — Rick assentiu. — Se estiver comendo vai demorar mais a ficar bêbada.

Respirei fundo e estreitei os olhos. Eu tinha acabado de falar que aguentava dois drinks, não tinha?

Rick virou o restante do seu Jack Daniels e colocou o copo na mesa. Esperei, percebendo que ele ainda não tinha terminado seu raciocínio. Não queria ouvir o que ia vir depois, mas a mesma força que parecia ter acordado e estava me fazendo correr atrás dos meus sonhos de novo estava me mandando ouvir.

— Não quero você saindo daqui bêbada. Mulher minha não dá esse vexame.

Tomei um grande gole do meu Long Island antes de colocar o copo na mesa de novo. Estava calma demais. Não, aquilo não era calma.

— Engraçado, quando seus amigos vomitam metade do seu quintal, saem correndo pelados pela rua ou qualquer uma dessas coisas, eles só beberam um pouco demais. Agora, se eu sair daqui cambaleando um pouco já estou dando vexame, é isso que você está falando?

— Lau, — ele esticou as mãos para segurar minha mão que estava sobre a mesa, mas cruzei os braços depressa. — É diferente...

— É mesmo?

— Você sabe que é. — Ele deu de ombros.

Porque eles eram homens e eu mulher? Não ia perguntar. Ou a resposta ia ser "sim", ou algo no sentido de que "só mulheres que não se davam ao respeito saíam bebendo por aí".

Suspirei. Quem eu estava tentando enganar? Eu nunca seria feliz com Rick. Podia me conformar com isso, me apagar para encaixar no que esperavam de mim. Mas não seria eu. Não importava quantas vezes ele fosse fofo, ou há quanto tempo nos conhecíamos. Aquela era a verdade: eu não seria feliz. E queria mais da minha vida do que apenas me conformar. Coloquei minha bolsa no ombro, peguei meu copo e me levantei.

— Eu não sou sua mulher. Nem sua namorada, aliás. Cansei.

Me virei para o balcão antes que ele entendesse o que eu tinha acabado de fazer. Não conhecia o barman, nem precisava.

— Foram dois Long Island Iced Tea até agora. Vou sentar lá embaixo — avisei, indicando o terceiro espaço do bar.

— Lá embaixo? — Ele perguntou.

— Laura, volte aqui! — Rick gritou e ouvi quando ele se levantou.

— Lá embaixo — assenti, me afastando depressa.

Desci a escada e só quando já estava no último degrau olhei ao redor, procurando onde me sentar. As cores ali eram as mesmas, assim como as mesas, mas o espaço estava mais escuro, porque as luzes ficavam muito no alto. Quase todas as mesas estavam cheias e a conversa parecia se espalhar entre elas. Todos ali se conheciam, pelo visto. E eu não reconhecia ninguém. Estreitei os olhos. Impossível. Não tinha como eu não conhecer ninguém em um grupo de umas vinte pessoas, mais ou menos da minha idade.

A conversa parou quando dei um passo na direção de uma das mesas e senti os olhares em mim. Não precisava ser um gênio para saber que não queriam uma estranha ali. Olhei ao redor de novo e reconheci uma mulher de cabelo escuro e curto que já tinha comprado alguns livros no sebo. Sorri para ela, que me encarou de cima a baixo.

— Laura, volta aqui, você não vai fazer isso!

Olhei para trás. Rick estava no alto da escada. Descer tinha sido uma ideia muito idiota. Não tinha para onde ir e não conhecia ninguém. Olhei ao redor, de novo, e a mulher de cabelos curtos se levantou, pegou uma cadeira de uma das mesas vazias e colocou entre a sua e a de outra mulher, antes de me encarar. Fui até ela e me sentei com um suspiro aliviado.

A conversa ao nosso redor recomeçou, como se nada estivesse acontecendo, enquanto Rick descia com passos pesados. Ele ia brigar. Eu sabia que ia. Por que tinha feito aquilo?

A mulher colocou a mão no meu braço.

— Namorado?

Suspirei, olhando para Rick com o canto dos olhos.

— Ex-namorado. Eu espero — murmurei.

Outra das mulheres da mesa, uma loira, se inclinou para trás e falou alguma coisa com os homens da mesa ao lado.

— Laura, o que você pensa que está fazendo?

Respirei fundo e me virei na cadeira. Rick estava parado na frente da escada.

— Terminando com você, Rick. Acabou.

— Por causa de uma coisa que eu falei? Não, Lau, vamos conversar, eu...

Balancei a cabeça com força. Eu reclamava daquele tipo de comentário e atitude desde a época do colégio. Se ele não tinha ouvido, não ia ser agora que ouviria. Eu precisava seguir em frente, não ficar me prendendo ao passado. À vida que eu não queria.

— Vai embora, Rick.

Ele me encarou por um instante antes de se virar e subir. A mulher ao meu lado deu um tapinha nas minhas costas. Eu sabia que não ia ser fácil assim. Rick ia discutir, meus pais iam discutir, minhas amigas iam falar na minha cabeça... E eu não me importava.

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