Capítulo Três - Parte 2

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A luz da sala estava acesa quando cheguei em casa. Soltei um suspiro resignado. Eram mais de onze horas da noite, nem minha mãe nem meu pai deviam estar acordados. Queria acreditar que não, mas provavelmente alguém tinha me visto indo para o bar e contado para minha mãe. Suspirei de novo enquanto destrancava o portão e subia a escada ao lado da mercearia.

Destranquei a porta da sala e dei de cara com meus pais sentados no sofá, os dois com expressões fechadas. Levantei as sobrancelhas e me virei para trancar a porta atrás de mim. Eu não estava fazendo nada de mais, qual era o problema?

— Boa noite — falei, passando por eles e indo para o meu quarto. Ainda bem que tinha parado de beber enquanto ainda conseguia andar normalmente. Acho que ninguém daquele grupo tinha que trabalhar no dia seguinte, porque se eu tivesse acompanhado o ritmo deles...

— Aonde pensa que vai, mocinha? — Minha mãe perguntou, numa voz cortante.

Parei, respirando fundo, e me virei para encará-la sem falar nada. Se respondesse aquela pergunta seria pior.

— Madalena veio me contar que te viu entrando naquele bar. O que a senhorita pensa que está fazendo? — Ela continuou.

— Eu estava com Rick, mamãe. — Normalmente falar aquilo era o suficiente para ela pelo menos se acalmar um pouco. Rick era de uma família tradicional, etc e etc, então ele nunca faria algo errado.

— Não me interessa! O que você estava pensando, entrando naquele lugar? Um bar daqueles não é lugar para uma moça decente!

Dei um passo atrás quando ela se levantou e ergueu a voz. Pensei em falar que se continuasse assim ia acordar Marina, mas sabia que qualquer comentário daquele tipo só ia ser o suficiente para fazer ela gritar de verdade. Meu pai se levantou, também, ainda sem falar nada, e encontrou meu olhar. Eu conhecia aquela expressão: era um aviso silencioso de que ele não ia ou não podia fazer nada, nunca soube exatamente qual dos dois. Ele nunca enfrentava minha mãe quando ela estava assim, até porque não ia adiantar nada.

— A gente só queria fazer alguma coisa diferente, mãe. — Usei minha voz mais baixa e arrependida.

— E vocês tinham um monte de opções, e resolveram ir justamente para aquele buraco? Filha minha mão coloca o pé nesse tipo de lugar não! Filha minha recebeu educação em casa!

Engoli em seco. Nunca tinha visto minha mãe falar nada sobre o bar antes. Se tivesse alguma ideia de que a reação dela seria aquela, provavelmente não teria nem pensado em ir lá. Não, provavelmente teria, do mesmo jeito. Só estaria mais preparada para a briga. Agora já estava imaginando a bomba que seria no dia seguinte, quando ela ficasse sabendo que terminei Rick, porque com certeza isso ia se espalhar.

— Rick é um bom garoto. Deveria saber que uma boa mulher não entra num lugar daqueles — ela continuou. — Mesmo assim, você deveria ter recusado. Não te criei para ir parar nesses lugares!

— Mas, mãe...

— "Mas, mãe", nada! Você não devia ter ido! O que estava pensando, Laura?

— Não foi nada demais, mãe!

— "Nada demais"? Isso é culpa sua, Isaac. Você insistiu para ela ir para BH, agora olha o que está acontecendo! Toda a educação que recebeu em casa foi por água abaixo. É nisso que dá, eu falei que ela devia ter ficado aqui. Se tivesse ficado já ia estar casada, ao invés de estar se enfiando nesses buracos!

— Isso não é culpa de ninguém, porque eu não fiz nada errado! — Falei, sem conseguir me conter.

Não tive nem tempo de reagir e cambaleei quando o tapa da minha mãe acertou meu rosto, com toda força. Meu pai segurou o braço dela enquanto eu a encarava. Por um instante, me vi com dezesseis anos de novo, impotente, quase desistindo de tudo só para ter paz.

Era por causa daquilo que eu tinha me conformado. Porque não queria voltar às discussões constantes, aos tapas, a tudo. Mas que opção eu tinha? Ficar calada e me conformar era o mesmo que matar a Laura de verdade e deixar um robô no lugar, fazendo e falando tudo o que tinha sido programado. Eu não ia fazer isso. Não ia desistir da minha vida, não quando, pela primeira vez, via uma chance de escapar dali.

Sem dizer nada, me virei e fui para o meu quarto. Só quando a porta já estava fechada e Marina tinha se virado para a parede, vendo que eu não queria conversar, deixei as lágrimas caírem.

***

N.A.: juro que essa é a última parte pequena assim! Não me matem <3

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora