Capítulo Sete - Parte 2

4.1K 470 48
                                    

Encarei a tela do notebook, tentando não chorar. Precisava terminar de planejar a tal "viagem", mas não conseguia. Só ficava olhando para as imagens no Google, vendo todos os lugares que queria conhecer e que dificilmente conseguiria. De que adiantava sonhar alto? Só servia para me derrubar depois.

Duas batidas na porta me fizeram levantar a cabeça. A mesa que tinham trazido para mim estava no rumo da porta, e por um instante pensei seriamente em correr para a cama e fingir que estava dormindo. Não era mais uma criança de oito anos para fazer isso. Vinte e quatro anos deveria ser mais que o suficiente para eu conseguir mandar quem quer que fosse me deixar em paz, ao invés de precisar fingir.

- Quem é?

- Sou eu.

Lavínia. Revirei os olhos. Pelo visto alguém tinha decidido que ela ia ser minha "babá".

- Entra.

Ela entrou, fechando a porta atrás de si, e vi que estava carregando um pote de plástico retangular azul com tampa branca.

- Imaginei que não ia querer descer para comer.

Engoli em seco. Não queria mesmo.

Me lembrava de ter descido com Lavínia no dia anterior. Ela me mostrou onde ficavam os banheiros - e eu estava feliz porque um deles estava pertinho do meu quarto -, me levou para a cozinha e quase fez um tour do casarão. Lembrava que alguém, acho que o mesmo homem da entrada, me entregou um papel com a senha do wi-fi, e que na hora achei que estavam zoando comigo. E tinha visto várias pessoas. Uns tantos rostos conhecidos, do bar, provavelmente, e mais uns tantos que nunca tinha visto antes. Mas eram só isso: borrões. Momentos soltos. Eu não fazia ideia de se simplesmente tinha pirado ou se tinham me dado alguma coisa. Não duvidava de nada vindo de pessoas que sabiam que eu estava presa ali e concordavam com isso. O fato era que mal me lembrava do que tinha acontecido no restante do sábado. Não me lembrava, não queria lembrar, nem queria saber o motivo daquilo.

Pelo menos, quando acordei eu não tinha nenhuma dúvida de onde estava ou do que tinha acontecido. Se aquilo era um pesadelo, eu estava vivendo dentro dele. E não queria ver nenhuma das pessoas que estavam agindo como se fosse perfeitamente normal me prenderem ali. Sabia que ia ter que sair do quarto e que em algum momento ia acabar querendo fazer alguma coisa além de ficar trancada ali. Mas não ia sair antes que fosse absolutamente necessário, então não tinha descido para comer. Já eram quase duas horas da tarde, meu estômago estava roncando, e eu continuava sem querer descer.

Lavínia colocou a vasilha na mesa, ao meu lado, e foi na direção de uma das portas para a sacada. Sem dizer nada, ela puxou a cortina fina que eu tinha deixado fechada e parou olhando para fora. Obviamente eu já tinha testado as portas. Elas estavam trancadas, e eu só conseguia abrir os vidros. Nada de sair para a sacada, mesmo que estivéssemos no terceiro andar e fosse impossível pular.

- Não sei o que você lembra de ontem à noite, mas por enquanto é melhor você não sair do quarto depois que escurecer - ela falou, sem se virar para mim.

Bati os pés na base da cadeira, tentando me distrair. Não conseguia me lembrar de nada depois que escureceu, nem queria. Na verdade, quase conseguia ver um flash de alguém entrando na cozinha e outra pessoa me empurrando. Engoli em seco e apertei os braços da cadeira para esconder como minhas mãos estavam tremendo. Não me lembrava, não queria me lembrar, e agora entendia melhor por que não queria descer para a cozinha.

- Certo - murmurei e me virei de volta para o notebook.

As fotos da Nova Zelândia me encararam de volta e soltei um suspiro. Era uma boa ideia. Era a melhor ideia, na verdade: o mais longe possível e com atrativos o suficiente para ninguém estranhar se eu demorasse a dar sinal de vida. Se eu falasse que estava indo por lá, ia ter algum tempo de sossego para pensar melhor no que fazer sem ter que me preocupar com pessoas pedindo notícia de mim. Por algum motivo - provavelmente alguma coisa relacionada ao que acontecera na cozinha -, eu tinha acordado decidida a não deixar ninguém nem suspeitar do que estava acontecendo.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora