Capítulo Seis - Parte 2

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Não sei porque me surpreendi quando vi que o motorista do carro era um dos caras que tinha bebido comigo na quinta à noite. Mais baixo que eu – notei quando ele saiu para abrir o porta-malas –, com cabelo castanho escuro curto um pouco bagunçado, barba curta e bem feita, vestindo calça jeans e uma camiseta preta com o que parecia ser o nome de uma banda de heavy metal, ele parecia ter uns vinte e poucos anos, também. E eu não conseguia deixar de imaginar como alguém que parecia ser tão... Tão normal, podia aceitar levar alguém como uma refém. Não importava se ele fosse normal, se eu tinha achado ele bonito quando o vi no bar ou qualquer outra coisa. Ele estava com Alexandre. Era cúmplice, no mínimo. Provavelmente um criminoso também.

Não falei nada em todo o trajeto até o casarão de Alexandre, mesmo que o cara – Rodrigo – não parasse de comentar sobre uma coisa ou outra. Nem fazendo esforço conseguiria me concentrar no que ele estava falando. Só conseguia ver as casas passando, pela janela. As lojas, a pracinha, a praça da Matriz, a Matriz, mais lojas e casas... Como se fosse minha vida passando por mim aos poucos e desaparecendo.

Não demorou quase nada para sairmos da cidade e, pouco tempo depois, eu via a cerca alta que eu sabia que marcava a propriedade de Alexandre. Os mesmos postes de madeiras com arame entre eles de qualquer cerca de fazenda, mas esta era alta o bastante para me lembrar de Parque dos Dinossauros todas as vezes que passava por ela quando era mais nova. Aquela cena, não lembro em qual dos filmes, que os personagens escalam uma cerca elétrica ou algo assim. Já fazia anos que eu não me lembrava daquilo, mas agora a cerca me passava a mesma impressão: algo que deveria estar mantendo os monstros do lado de lá, mas que não tinha conseguido.

Pouco depois, viramos em uma estradinha de terra. Rodrigo parou o carro para sair e abrir a porteira, antes de voltar, passar para o outro lado da cerca, e parar para fechar a porteira. Eu queria fechar os olhos e fingir que nada daquilo estava acontecendo, mas não podia. Respirei fundo e tentei prestar atenção no caminho até o casarão. Era melhor ter o máximo de informações possíveis sobre onde eu estava, para o caso de ser possível escapar depois.

Não que houvesse muito para ver: árvores, mais árvores, e adivinha só, mais árvores. Eu não fazia ideia de que aquele lugar fosse quase uma mata. As árvores eram espaçadas, quase como se tivessem sido plantadas ali, não que aquilo fizesse sentido. Quer dizer, não era uma plantação de nada, e eu só tinha visto tantas árvores assim naquelas áreas de plantação de eucalipto.

Uns poucos minutos depois, as árvores deram lugar para a grama bem cuidada e depois um daqueles jardins perfeitamente organizados. Jardim francês, eu acho, com canteiros em forma regulares e todas as plantas sob controle. E eu estava tão fora do ar que mal conseguia prestar atenção no jardim, só conseguia notar que ele tinha vários tipos de rosas. O casarão estava logo depois do jardim, e eu o encarei enquanto Rodrigo manobrava o carro para estacionar.

Quando estava no segundo ano no colégio, precisei fazer uma pesquisa sobre o casarão. Ele tinha um nome, que nem essas mansões e palacetes históricos, mas eu não conseguia me lembrar de qual era. Mas me lembrava do que tinha aprendido na época dessa pesquisa. O casarão colonial estava ali desde antes de Monte das Pedras ser uma cidade propriamente dita. Talvez desde antes de ser uma vila. Antes, ele era a sede de uma fazenda importante, que vendia... Alguma coisa. Não me lembrava mais. Até que quando a cidade começou a crescer – se é que eu posso dizer que Monte das Pedras "cresceu" – boa parte das terras foi vendida e só ficou o casarão e a área ao seu redor. A família que era dona da fazenda se mudou de Monte das Pedras na mesma época, e ninguém morava ali até Alexandre aparecer. Alguém tinha cuidado da propriedade e do casarão, certo, mas ninguém entrava lá.

Na época da pesquisa, eu tinha conseguido achar algumas fotos antigas, e o que eu via agora era o mesmo das fotos, mas em cores: uma casa enorme, quadrada, com quatro andares, janelas grandes e sacadas espalhadas pelas paredes. Que, aliás, eram de um tom amarelo desbotado com detalhes brancos ao redor das janelas e nas sacadas – e eu não fazia ideia de como conseguiriam manter aquilo limpo. As janelas eram de madeira escura e a maioria estava aberta, mesmo que eu não conseguisse ver nada lá dentro. Na frente da casa, a parte onde ficava a porta também de madeira escura fazia uma reentrância pequena, e contei cinco degraus para chegar até lá. Nada de anormal. Eu ainda achava que aquele lugar deveria ser chamado de solar, palacete, qualquer coisa menos casarão, mas tinha visto várias construções no mesmo estilo enquanto estava em BH e nas viagens que fiz com amigos.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora